sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Quero Liberdade (cap. XI), de Rose Wilder Lane


XI


Só uma vez um grande número de americanos quis distribuir riqueza e eles não pretendiam elevar o padrão de vida. O padrão de vida já tinha se elevado demais e caído deploravelmente demais. Eles queriam retornar à prosperidade da década de 1880.

Aconteceu há quarenta anos. Lembro-me bem. Tempos difíceis terminaram de vez com uma época de enorme expansão nas finanças, invenções e riqueza. Na memória de meus pais, que não eram velhos, as condições de vida tinham sido completamente transformadas.

A lâmpada de querosene tinha substituído as velas e o trabalho de produzi-las; a roda de fiar havia desaparecido, o tear então só era usado para fazer tapetes de pano. Roupas feitas a máquina, sapatos feitos a máquina, vassouras industrializadas haviam jogado homens no desemprego, mas junto com o sabão industrializado e o fermento em pó, revolucionaram as tarefas domésticas. Pregos, arame farpado, arados puxados por cavalos, colheitadeiras, enfardadeiras, debulhadores de oito cavalos facilitaram o trabalho no campo – mais que em qualquer outro país.

Estradas de ferro iam de costa a costa, o serviço postal era rápido e barato, as salas de estar tinham aquecedores, o telégrafo havia chegado a quase todos os lugares. Naqueles bons tempos, os negócios fervilhavam. Na Quinta Avenida, subiam os palácios iluminados a gás dos – quase incrível, mas verdade – milionários. No Meio Oeste, as mulheres usavam vestidos de seda aos domingos; os homens fumavam bons charutos e dirigiam rápidas carruagens. Então, de repente, crash! o Pânico.
Alguns culparam as tarifas, a maioria culpou as estradas de ferro. (Em plebiscitos em 1860, a maioria aprovou subsídios para as estradas de ferro. Teria sido melhor para elas se não tivessem auxílio do governo; a partir de 1890, eram amargamente odiadas porque eram subsidiadas. O ódio durou até que essas inimigas do povo fossem refreadas, reguladas e controladas pela Comissão de Comércio Interestadual.)

Todos tinham dívidas, é claro. Não houve tempo desde a fundação desta república em que os americanos não estivessem profundamente endividados. Hipotecas foram executadas, bancos faliram, fábricas fecharam, os preços agrícolas mergulharam. Senhoras caridosas organizaram sopas-dos-pobres nas cidades. Fazendeiros, depois que os credores tomavam a vaca, ficavam vivendo de batatas e nabos até que a hipoteca tomasse a fazenda.

Uma população arrancada do solo movia-se pelas estradas em carroções puxados por cavalos famintos. Grupos organizados de desempregados urbanos aglomeravam-se gritando: – Somos de carne e osso! Exigimos nosso direito de trabalhadores! – A polícia municipal e as milícias tinham-nos expulsado das fábricas fechadas e das ruas das cidades maiores. Eles aterrorizavam as cidades menores.

Do Pacífico ao Mississipi, sequestravam trens, amontoavam-se nos vagões e engajavam os maquinistas desempregados, convencendo-os a levar os trens a plena velocidade para leste. O tráfego ficou completamente confuso. Para o leste do Mississipi, os controladores de tráfego tiraram de circulação todos os trens. O exército de desempregados de Coxie marchava a pé do Mississipi para Washington. Tropas federais protegiam os prédios públicos.

Está tudo no arquivo dos velhos jornais, para aqueles que não têm uma memória tão antiga. Eu estava num carroção e ouvia o que diziam em volta das fogueiras, e eu me lembro.

Enquanto isso, a maioria das famílias continuou vivendo de maneira não dramática, como a maioria das famílias sempre faz em qualquer lugar, em meio a depressões, inflação, revoluções e guerras. Muito poucas pessoas morreram de fome. Alguém na América sempre divide o alimento com quem precisa dele desesperadamente. Pode ser que a bondade americana tenha-se originado do sentido de insegurança de cada americano.

Mas a inanição, ou mesmo a subnutrição geral daqueles anos, que deixou tantas crianças passando fome, não é o pior que a pobreza pode fazer com um povo individualista. Neste país, pobreza não é o estado crônico de certas classes, a ser suportada como os animais suportam o frio, como uma coisa física. Americanos normais sentem uma responsabilidade individual, uma necessidade de pensar, agir, realizar; uma pobreza da qual não se ache escapatória é uma agonia para a mente e o espírito. Culpamos a nós mesmos, sentimos nosso respeito próprio mortalmente ferido, sofremos.

Depois de três anos de sofrimento, a maioria dos americanos sabia o que queria. Eles queriam destruir os Trustes.

Os Trustes eram os avós das atuais grandes corporações. Víamos os Trustes como combinações para restringir o comércio. Os negócios tinham ido bem durante a década de 1880; agora, estavam estagnados, tinham parado; obviamente, alguma coisa os fez parar e todos os nossos economistas brilhantes e populares viam que nosso inimigo eram os Trustes. As estatísticas provavam isso, e nossa experiência também, já que todos tinham prosperado quando os Trustes estavam se formando e, agora que estavam solidamente estabelecidos, todos eram pobres.

Todos eram pobres, exceto os poucos donos dos Trustes. De fato, uns poucos homens os possuíam e controlavam, já que os Trustes eram novos e o desmanche da propriedade mal tinha começado. Esses poucos homens de fato possuíam ou pareciam possuir quantias como um milhão de dólares cada um. Numa palavra, tinham todo o dinheiro do país.

Não havia mais terra disponível. Os fazendeiros não conseguiam ganhar o suficiente para pagar os impostos. Não havia empregos; as fábricas tinham fechado. E menos de 10 por cento da população possuía mais de 90 por cento da riqueza. Mulheres ricas mimavam cachorrinhos, enquanto crianças passavam fome. Alguma coisa tinha de ser feita.

Nós gritávamos: “Abaixo os Trustes!” Nosso herói contra eles era o orador jovem e eloquente de Platte, William Jennings Bryan.

William Jennings Bryan saiu do oeste de maneira destemida para defender o Homem Comum. Enfrentou as legiões entrincheiradas do egoísmo que só pensavam em seus inchados sacos de dinheiro e as desafiou em nome do sofrimento da Humanidade.

Vocês não vão empurrar sobre a fronte do Trabalho essa coroa de espinhos! – ele trovejava. – Vocês não vão crucificar a humanidade numa cruz de ouro!

Ele era economista. Propunha restringir e controlar os Trustes pela livre cunhagem de prata, numa taxa de 16:1 com relação ao ouro. Os argumentos eram intricados e difíceis de entender, mas o coração de Bryan estava no lugar certo e, com toda sinceridade, ele sangrava pelo sofrimento do povo e pela situação arriscada do nosso país.

Foi a mais dura batalha política na história desta república. As massas do povo estavam furiosamente determinadas a destruir os Trustes e é fato que a inflação da moeda os teria arruinado; teria também, sem dúvida, destruído completamente o valor do dinheiro, não importa de quem.

Os homens ricos tinham real poder na época e, naturalmente, tentaram defender seu dinheiro. Lutaram por ele de maneira aberta e dura; e conseguiram salvá-lo por uma margem mínima. Derrotaram Bryan. As multidões de americanos tinham feito seu único esforço para distribuir riqueza e tinham fracassado.

Mesmo assim, tanta riqueza foi criada e distribuída que hoje poucos americanos pensariam em negar a ajuda de fundos públicos para qualquer família destituída de alimentação adequada, vestuário, abrigo, assistência médica e segurança financeira, como era o caso da maioria das famílias americanas em 1896.

www.libertarianismo.org/index.php/biblioteca/234-rose-wilder-lane/1074-quero-liberdade

2 comentários:

  1. Marcelo
    Primeiramente, quero te agradecer por disponibilizar todo esse precioso material, e pelo fantástico trabalho de tradução.
    Você pode me informar se esse episódio que ela narra como uma crise dos anos 1890 é este mesmo ao qual se refere o trecho do artigo “O sistema bancário de reservas fracionárias” (http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=311) do Instituto Mises do Brasil, transcrito a seguir?

    “Os banqueiros de investimentos normalmente utilizavam seu próprio capital, ou o capital investido ou emprestado por terceiros, para financiar a aquisição de capital de grandes corporações. Eles faziam isso vendendo títulos a acionistas ou credores. O problema com os bancos de investimento é que um de seus principais campos de investimento passou a ser o financiamento de títulos do governo. Isso os mergulhou profundamente no mundo da política, dando-lhes um poderoso incentivo para pressionar e manipular governos para que estes aumentassem impostos, possibilitando assim o pagamento dos títulos governamentais em posse sua e de seus clientes. Donde advém toda a poderosa e perniciosa influência política desfrutada pelos bancos de investimento nos séculos XIX e XX: em particular os Rothschild, na Europa Ocidental, e Jay Cooke e os Morgan, nos EUA.
    Já no final do século XIX, os Morgan tomaram a iniciativa de pressionar o governo dos EUA para que este cartelizasse as indústrias nas quais eles, os Morgan, estavam interessados - primeiro as ferrovias e depois as fábricas. A intenção era proteger esses setores da livre concorrência utilizando o poder do governo de modo que lhes possibilitasse restringir a produção e aumentar os preços. Em particular, os banqueiros de investimento haviam se tornado um grupo bastante ativo na busca pela cartelização dos bancos comerciais.”

    Estas leituras vêm me fazendo mudar meus conceitos sobre o período da Revolução industrial, especialmente a versão prêt-à-porter de que os trabalhadores eram cruelmente explorados pelo capitalismo laissez-faire, etc. e tal, e que são empurradas para estudantes e operadores de direito como uma verdade absoluta.
    Desde já agradeço sua atenção.

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    1. Stefan, desculpe por não ter respondido antes. O blog parou completamente durante o tempo que meu pai passou no hospital.

      Acho que é sim a mesma crise. Creio que houve mais de uma crise econômica séria no século XIX, mas não conheço tão bem a história desse período.

      Obrigado pelo interesse em Rose Wilder Lane.

      Abraços.

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