segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O Deus da Máquina, para download

Está disponível para download o livro O Deus da Máquina, de Isabel Paterson, em português, em formato pdf. E também o original em inglês, The God of the Machine.





Prefácio

Que interesse pode despertar um livro escrito há mais de 70 anos, por uma autora pouco conhecida até nos Estados Unidos, que não teve educação formal e que usa metáforas difíceis, tiradas da engenharia mecânica, elétrica e da arquitetura? Quando vi este texto, fiquei fascinado. É uma afirmação apaixonada da liberdade. É também uma fundamentação teórica muito bem construída dos valores políticos em que acredito. Foi escrito num momento em que a liberdade estava em baixa em todo o mundo e muito poucas pessoas se dispunham a defendê-la.

Por isso, resolvi traduzir O Deus da Máquina para o português e tentar fazê-lo mais conhecido. Estão nesta edição todos os grifos e todas as notas de rodapé que Isabel Paterson colocou no original. Acrescentei notas explicativas sempre que achei necessário, para identificar figuras e fatos históricos, citações a outros textos e para esclarecer as metáforas muito particulares que a autora criou. Procurei ter o máximo respeito por seu estilo e sua linguagem. É claro que discordo dela em alguns pontos, mas não exprimi essas divergências em minhas notas de rodapé.

Para Isabel, são três as idéias sobre as quais foi construída a civilização ocidental: a ciência dos gregos, a lei dos romanos e a individualidade dos cristãos.

Os gregos perceberam que o conhecimento tinha valor por si mesmo. Não estavam preocupados com a aplicação da ciência. Entendiam que era possível utilizar o conhecimento obtido em uma área para resolver problemas encontrados em outras, que essa busca levava o homem na direção da verdade e que isso era um bem, independentemente da utilidade prática dessa verdade.

Politicamente, a democracia grega revelou-se extremamente instável, suscetível às arbitrariedades das maiorias de ocasião. A República Romana, por outro lado, estabeleceu uma legislação construída em bases racionais. Não era uma lei divina e imutável. Era uma lei humana, falível e passível de ser melhorada. Criou uma estrutura de Estado com um sofisticado mecanismo de freios e contrapesos. Essa legislação estava muito longe de ser perfeita e, em muitos casos, era quase bárbara. Porém, pelo simples fato de existir e se aplicar indistintamente a todos, criou um ambiente de confiança e estabilidade que fez com que Roma perdurasse por tantos e tantos séculos e dominasse o mundo.

O cristianismo tem como um de seus pilares a crença de que o ser humano possui uma alma individual e imortal. Um indivíduo não é responsável pelos atos de outro e não pode ser premiado ou punido por causa deles. O Império Romano foi a sociedade mais avançada da Antigüidade. Chegou perto de colocar essas três idéias em prática, juntas. Mas ruiu com o peso de seus domínios antes que isso se concretizasse. De qualquer maneira, essas idéias permeiam nossa cultura. A Humanidade teve de esperar muitos séculos até que fossem novamente reunidas e se transformassem numa experiência de liberdade e progresso.

A descoberta da América criou um laboratório de experiências sociais. Os europeus travaram contato com povos então desconhecidos, em diversos estágios de desenvolvimento social, e estabeleceram colônias que conviviam e interagiam com esses povos. As riquezas da América, despejadas sobre a sociedade rígida da Espanha, criaram um curto-circuito e esfacelaram o Império espanhol. A Inglaterra, que já era um país mais livre que as outras nações européias, desde a Magna Carta, permitiu que se criasse um ambiente de notável liberdade em suas colônias americanas. Seus habitantes, em grande parte refugiados de perseguições religiosas, políticas ou étnicas, viviam de maneira surpreendentemente harmoniosa. Os problemas que dividiam os diferentes grupos na Europa não foram resolvidos, simplesmente evaporaram.

Isso provocou estupefação no Velho Continente. Como era possível existirem selvagens, sem governo, que vivessem razoavelmente em paz? Como a liberdade podia funcionar nas colônias? A Europa era capaz de conceber que a sociedade pudesse funcionar minimamente sem um governo forte. Então, passou a acreditar que os selvagens do Novo Mundo eram seres humanos muito superiores aos que eles conheciam na Civilização. Surgiu assim a figura do Nobre Selvagem e a idéia européia de que a sociedade corrompe o ser humano, originalmente puro no estado de Natureza. Uma diferença marcante entre o pensamento americano e o europeu é que os americanos acreditam na liberdade do indivíduo, um direito nato e inalienável, enquanto os europeus acreditam em “liberdades”, ou seja, permissões dadas pelo governo em situações determinadas.

Sobre a função do governo, Isabel diz que ele é única e exclusivamente um freio à ação humana. Freios são necessários e extremamente importantes. Existem coisas que precisam ser proibidas. Para poder impor essas proibições, o governo evidentemente precisa de recursos. Mas, um governo não tem capacidade ou poder para criar alguma coisa. Quem cria qualquer coisa são os indivíduos. O governo pode estabelecer proibições e tomar dinheiro dos cidadãos, por meio de impostos, para se desempenhar suas atividades. Sempre que faz isso, a sociedade fica menor, menos livre e menos produtiva.

Um capítulo muito divertido é A Economia da Sociedade Livre, em que Isabel denuncia a falta de sentido do marxismo. A teoria do materialismo dialético é uma corrupção da linguagem semelhante a dizer que um triângulo isósceles é verde. Tolos podem argumentar que um triângulo isósceles não é verde, mas azul, ou que o triângulo isósceles verde produzirá um círculo azul e os dois se sintetizarão em um rombóide púrpura; ainda assim, essas afirmações serão vazias. Mas Marx era um tolo com um grande vocabulário de palavras longas. Sua teoria de luta de classes é um completo nonsense por sua própria definição. Uma vez que trata de capital e de trabalho, não faz referência nem à luta nem a classes. É impossível que o capital e o trabalho lutem entre si.

A Constituição dos Estados Unidos resolveu o problema que Roma não havia conseguido: como criar bases regionais para uma estrutura política sem recorrer a uma aristocracia. O federalismo é essa solução. Os Founding Fathers fizeram um trabalho admirável de arquitetura. Construíram um mecanismo político que funciona e que permite que a nação cresça, aumente sua população e a quantidade de energia envolvida no sistema como um todo, sem que se altere o design intrínseco. Isabel chama atenção para a cláusula de traição da Constituição dos Estados Unidos, uma instituição inédita e singular na história. Em primeiro lugar, essa cláusula define que não existe traição em tempos de paz. Apenas uma rebelião armada ou unir-se a uma nação inimiga constitui traição, e nações só são inimigas quando em guerra. Nenhum tipo de oposição pacífica ou pessoal é traição, e nem mesmo o ataque armado de uma única pessoa contra o governo americano. Na Europa, qualquer ataque à pessoa do rei, mesmo que não fosse por razões políticas, seria tratado como traição. Nos Estados Unidos, a pessoa e o cargo são conceitos separados. Mas existe outro detalhe relevante. A cláusula estabelece que os bens de alguém condenado por traição só podem ser confiscados se o réu estiver vivo. Se morrer, os bens passam para seus herdeiros legítimos. Ou seja, a culpa é pessoal e a propriedade pertence aos indivíduos. 

A escravidão foi o grande defeito na estrutura criada nos Estados Unidos. Em nome do federalismo, os constituintes admitiram uma desastrosa e imoral solução de compromisso, que manteve essa instituição abominável no sistema que estavam criando. As conseqüências disso foram uma instabilidade crescente na nação, que resultou na Guerra Civil. A Guerra ensejou emendas à Constituição que desfiguraram parte do projeto. A Emenda 14 faz uma referência confusa a “poderes implícitos”, que causa discussões judiciais perigosas até hoje. A Emenda 15 cancelou a soberania dos Estados, ao impedi-los de determinar as qualificações dos seus eleitores. A Emenda 17 criou uma nova distorção do projeto original, ao tirar a eleição dos senadores das legislaturas estaduais e passá-la para o voto popular. Os senadores deveriam ser representantes dos Estados, enquanto os deputados seriam os representantes do povo. Da maneira como ficou, os Estados perderam essa representação.

Isabel analisa e desmonta diversos absurdos, como as leis antitruste, a chamada propriedade pública, o dinheiro sem lastro (fiat money), as teorias educacionais progressistas e a filantropia profissional. O capítulo XX, O Humanitário com a Guilhotina, o melhor do livro, trata exatamente desse tipo distorcido de filantropia. Ela ainda aborda as causas das depressões econômicas e discute como maximizar o poder militar de um país livre quando em guerra. 

A conclusão do livro, com a qual concordo totalmente é que a liberdade é a maior herança de que o homem já desfrutou. É o resultado do esforço heróico de incontáveis pessoas, por muitos milhares de anos. Darmos meia volta e nos submetermos à escravidão seria uma traição inominável a todas essas pessoas e às gerações presentes e futuras. Mas temos a oportunidade grandiosa de justificar a fé depositada por aqueles que acreditaram e acreditam na liberdade. Não percamos essa oportunidade!

Marcelo Centenaro
27 de setembro de 2014



Sobre a autora

Isabel Mary Bowler nasceu em 22 de janeiro de 1886, na Ilha Manitoulin, no Canadá. Seus pais, Francis e Margaret Bowler, tiveram nove filhos e eram muito pobres. Mudaram-se para Michigan, Utah e Alberta, em busca de uma vida melhor. Isabel entrou em uma escola rural aos 11 anos e freqüentou as aulas de maneira irregular até os 14. Porém, lia muito em casa. Lia a Bíblia, Shakespeare, Dickens e Alexandre Dumas, por exemplo. Era uma leitora voraz e autodidata. Por volta dos 18 anos, resolveu sair da fazenda e mudou-se para a cidade de Calgary, onde trabalhou como garçonete, taquigrafista e auxiliar de contabilidade.

Aos 24 anos, casou-se com Kenneth Paterson. O casamento não foi feliz e eles se separaram depois de 8 anos. Nesse período, Isabel Paterson conseguiu um emprego no jornal americano Inland Herald, em Spokane, no estado de Washington. Foi o início de uma carreira jornalística. Aos 28 anos, havia escrito dois romances, The Magpie's Nest e The Shadow Riders, ambos publicados pela John Lane Company. Depois da Primeira Guerra Mundial e de sua separação, mudou-se para Nova York, onde trabalhou para o escultor Gutzon Borglum, autor do memorial do Monte Rushmore. De 1924 a 1949, escreveu uma coluna de crítica literária no New York Herald Tribune. Foi uma das mais influentes críticas de sua época. Em 1928, aos 42 anos, naturalizou-se americana.

No final dos anos 30, Isabel Paterson liderava um grupo de jovens escritores que tinham opiniões semelhantes às dela. Entre eles, Sam Welles, Ayn Rand e Rose Wilder Lane. Foi mentora de Ayn Rand, que era 19 anos mais nova que ela. Isabel manteve estreita colaboração e troca de idéias com esse grupo. Porém, acabou rompendo com Rose em 1946 e com Ayn Rand em 1948.

Depois do final da Segunda Guerra Mundial, Isabel Paterson contribuiu para o ressurgimento do conservadorismo, correspondendo-se com o jovem Russel Kirk nos anos 40 e com o jovem William F. Buckley, nos anos 50.

Morreu em 10 de janeiro de 1960. Foi enterrada no túmulo da família de Sam Welles, em Burlington, Nova Jersey.



Livros de Isabel Paterson

- The Shadow Riders (1916)
- The Magpie's Nest (1917)
- The Singing Season (1924)
- The Fourth Queen (1926)
- The Road of the Gods (1930)
- Never Ask the End (1933)
- The Golden Vanity (1934)
- If It Prove Fair Weather (1940)
- O Deus da Máquina (1943)
- Joyous Gard (não publicado; terminado em 1958)

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O Deus da Máquina, capítulo XXIII

Chegamos ao último capítulo de O Deus da Máquina, de Isabel Paterson: XXIII -  A Economia Dinâmica e o Futuro.

Isabel explica que é comum, em qualquer área do conhecimento, que um conceito seja utilizado mesmo que não tenha sido compreendido. Portanto, a humanidade colocou em prática os conceitos de sociedade de contrato, limitação do poder do Estado, respeito aos direitos individuais, utilização de dinheiro real. Produziu com isso uma economia dinâmica, extremamente próspera, mesmo sem compreender completamente como esses conceitos provocam esse efeito.

Existe a percepção de que essa economia dinâmica causou um problema novo, o problema trabalhista. Isabel Paterson considera essa percepção equivocada. “Como a economia dinâmica cria meios inéditos de mobilidade e uma perspectiva auspiciosa de encontrar sustento quase em qualquer lugar, a grande maioria das pessoas se esqueceu da necessidade de uma base física para ter segurança.” A legislação trabalhista, criada para dar uma resposta a essa questão, é sim a causa de problemas novos. Ao dar um instrumento de governo à massa deslocada dos trabalhadores, a legislação permite que esse instrumento saia completamente de controle, destruindo as instituições que mantêm a sociedade funcionando.

A coisa mais perigosa que pode acontecer no mundo é uma economia “planejada”, ou seja, uma economia escrava, ser abastecida de recursos e tecnologia pelas economias livres. Isso é especialmente pernicioso se esses recursos são injetados em troca de nada, por meio de doações ou de empréstimos não pagos. Essa energia vai se voltar em primeiro lugar contra os cidadãos desses países e, em seguida, contra o mundo. Os Estados Unidos emprestaram muito dinheiro à Alemanha, à Itália e à União Soviética a partir da Primeira Guerra Mundial. Esses empréstimos não foram pagos e resultaram na Segunda Guerra Mundial.

O surgimento dos Estados Unidos da América são um fato único na história humana. Pela primeira vez, uma nação foi fundada sobre princípios racionais, a partir do axioma de que os homens nascem com o direito natural à liberdade. É o único tipo de nação que pode ser recriada, caso fosse destruída. Seria necessário simplesmente aplicar os mesmos princípios.

A liberdade é a maior herança de que o homem já desfrutou. É o resultado do esforço heróico de incontáveis pessoas, por muitos milhares de anos. Darmos meia volta e nos submetermos à escravidão seria uma traição inominável a todas essas pessoas e às gerações presentes e futuras. Mas temos a oportunidade grandiosa de justificar a fé que depositaram aqueles que acreditaram e acreditam na liberdade. Não percamos essa oportunidade!

A Economia Dinâmica e o Futuro

O Deus da Máquina, capítulo XXIII
A Economia Dinâmica e o Futuro
Isabel Paterson, 1943

Os selvagens primitivos sabem como fazer fogo por fricção. Devem ter descoberto o processo há dezenas de milhares de anos. Porém, até a metade do século 18, os cientistas debatiam se o calor era ou não um elemento material (uma “substância indestrutível”), embora já estivessem testando máquinas a vapor. Assim, um princípio pode ser posto em prática muito antes de ser entendido ou definido. Portanto, não é estranho que o fato óbvio de que um sistema de alta produção funciona em um longo circuito de energia não tenha sido percebido e que as leis gerais que governam sua criação e manutenção não tenham sido formuladas. Mesmo a definição de energia atrapalhou o entendimento das condições de seu uso estendido pelos seres humanos para seu próprio benefício. A definição é confinada à medição por seus efeitos; e nenhum projeto viável de um aparato mecânico pode ser concebido exceto de acordo com essa medição. Contudo, isso obscurece o problema principal da utilização da energia através de um sistema de produção; porque o homem faz parte do circuito de energia que ele mesmo utiliza e, assim, introduz um fator que não responde à medição. Como o homem possui uma função tripla no circuito, sua intervenção é triplamente confusa. Parte da energia é convertida e transmitida literalmente por seu corpo físico, numa quantidade mensurável, como por exemplo quando um homem empurra um carrinho de mão; mas, no longo circuito, ou sistema de alta energia, essa parte é pequena comparada com a quantidade convertida e usada por meio de materiais inanimados. Outra função do homem no circuito de energia usa uma quantidade de energia extremamente variável e praticamente não-mensurável, no esforço intelectual de invenção ou descoberta de dispositivos para absorver a energia universal; o retorno desse esforço é incomensurável com qualquer estimativa possível da energia aplicada. Então, entra em cena a terceira função do homem em seu circuito de energia, causando ainda mais confusão de pensamento sobre o assunto. O que o homem faz em sua terceira relação com o circuito de energia é dirigir a energia que absorveu e controlou. O homem que empurra um carrinho de mão o dirige pela mesma ação. Sua mente envia o comando diretamente por meio de seus músculos junto com a força aplicada. Existe um imponderável, mas ele não pode ser separado da força ponderável direta. Quando a energia é dirigida no longo circuito, isso é feito por ações nas quais a força gasta não é simplesmente incomensurável com o resultado, mas absolutamente não entra na seqüência física específica da transmissão.

É o que acontece quando se usa dinheiro, crédito ou outros acordos contratuais. Existe uma seqüência real, material, ininterrupta de energia física transportada pelo longo circuito de produção, que é visível e facilmente rastreável. Um agricultor planta comida; vende a maior parte de sua produção e compra o que precisa; por exemplo, um trator. A comida fornece energia para que outros extraiam minério de uma mina, produzam aço, fabriquem motores, construam e operem ferrovias; inúmeros outros produtos entram na seqüência; mas é uma sucessão física de objetos materiais em movimento e em processo de conversão de energia, completando um circuito que traz de volta o trator ao agricultor, ou talvez café do Brasil ou chá da China ou gasolina de poços de petróleo do Texas. Não há interrupção na linha. Mas a continuidade do fluxo não é idêntica à de um curso d'água descendo a colina. Deixada a si mesma, a água nunca subiria a colina; só pode fluir para baixo. Porém, o homem pode interferir, com dispositivos de engenharia, pelos quais a força total do riacho é utilizada para mandar uma pequena parte da água para cima outra vez. Da mesma maneira, no circuito de produção, um trem carregado é puxado colina acima, contra a gravidade, pela energia que o homem controlou para esse fim. O trem pára nas estações, porque o homem corta o fluxo temporariamente. Essa energia jamais fluiria por esse canal específico “por si mesma”, nem seria capaz de retomar o movimento ou continuar na linha de produção sem que o homem estivesse no circuito.

Quando o agricultor vende sua produção ou compra um trator, usando dinheiro real, o imponderável é representado separadamente. O peso do ouro não corresponde ao peso do trator, nem a energia aplicada para manusear o ouro corresponde à energia do trator em movimento. Se o pagamento é em cheque, de maneira que a existência real do ouro pode ser ignorada, a natureza da transação é ainda mais obscurecida. Mas o que acontece é que a energia na seqüência física contínua é dirigida para uma direção especificada por uma ação paralela representativa. Talvez, a maneira mais fácil de compreender o processo seja assumindo que o circuito de produção seja muito menor e mais simples do que ele poderia ser de verdade. Imaginemos o agricultor, o mineiro, o fundidor de aço, o fabricante do trator, etc., formando um círculo, cada um passando seu próprio produto para quem está à sua direita; enquanto isso, o dinheiro é passado de volta à esquerda, fazendo um pagamento a cada transferência. A energia física que constitui o circuito nunca está no dinheiro; está nos bens e nos meios de transporte. Além disso, a interferência do homem no circuito introduz um fator pelo qual mais energia é produzida (ou tomada) no processo do que é consumida (perdida ou dissipada). Não é possível algo assim acontecer em nenhum fluxo de energia que não esteja sob controle humano; a natureza inanimada não contém nada que seja equivalente à ação da mente humana ou às ações paralelas pelas quais o homem dirige um fluxo assim. Essas funções também não podem ser embutidas em uma máquina. Exigirão, para sempre, a inteligência e a vontade humanas.

Embora sempre seja moralmente errada, a escravidão é possível em um sistema de baixa energia e impraticável em um sistema de alta energia. A razão fica evidente se compararmos os métodos de produção. Um escravo é tratado como uma máquina, dirigido pela força; não pode escolher seu emprego, nem abandoná-lo. Tomemos então um emprego com máquinas de alta potência, envolvendo extrema responsabilidade, no qual as conseqüências seriam desastrosas se o trabalhador o abandonasse na hora errada; esse emprego é exatamente aquele que mais precisa ser escolhido livremente pelo trabalhador e que mais precisa garantir que este seja livre para deixá-lo se e quando quiser. Para conduzir uma locomotiva, um homem precisa primeiro exercer a inteligência e a vontade para se qualificar. Então, é contratado pelo livre julgamento de outro homem, seu empregador. Depois disso, enquanto trabalha, o maquinista deve em todos os momentos agir por seu próprio julgamento. Ele não se demitirá com a locomotiva em movimento, mas, se seu julgamento falhar, não há como impedi-lo. Ao parar em uma estação, se o maquinista deixar a cabine e se recusar a completar a viagem, seria insano obrigá-lo a prosseguir. Sua decisão tem de ser aceita. Da mesma maneira, se o maquinista parecesse inadequado ao trabalho, o julgamento de seu empregador (por seus prepostos) teria de ser aceito como suficiente para tirá-lo da função. Essa é a natureza do contrato. O maquinista recebe uma tabela de horários, que segue como uma regra. Mas, se fosse absolutamente impossível para ele agir de outra maneira, não haveria outra ferrovia em operação em seis semanas. Exatamente porque a ação das máquinas inanimadas é predeterminada, os homens que as operam devem ser livres. Nenhum outro arranjo é viável para um circuito de alta energia, no qual tanto serviços como bens são comercializados; e o contrato é a única relação que admite esse arranjo. Esse é o significado da seqüência representativa de ações paralelas, seguindo na direção contrária do circuito de energia física; essas ações realizam a sucessão de acordos voluntários pelos quais a energia é dirigida. Daí vem o colapso inevitável do longo circuito em uma “economia planejada”, que necessariamente resulta em racionamento, restrições e coerção.

Um engenheiro não pode e não tenta alterar ou abolir as leis da Física ao utilizar a energia; trabalha com elas, para alcançar seu objetivo. E em seu projeto mecânico inanimado, só pode levar em consideração a função estritamente física do homem. Um carrinho de mão deve ser de forma e tamanho adequados para serem utilizáveis pela força muscular. Um automóvel deve ter o aparato necessário para dar partida, virar as rodas e parar. As outras funções exercidas por seres humanos que usam as máquinas na produção não afetam o projeto de máquinas específicas.

Mas as três funções devem ser levadas em conta na organização do longo circuito; e, uma vez que isso também é uma seqüência de energia em ação, constitui um problema de engenharia de um tipo especial. Seres humanos que entram nesse circuito para produção geral devem ser sustentados fisicamente por ele; caso contrário, o circuito vai parar. Se os homens tentassem viver sem comida, não seriam capazes de dedicar ao produto final a energia suprida pelo alimento; simplesmente, sairiam da produção. Por esse motivo, é absurdo supor que “sacrifício” seja equivalente a produção. O combate ao desperdício é outra questão. Mas, já que a função do homem no circuito não é simplesmente a de um corpo físico, a simples distribuição de uma quantidade de energia de subsistência a ser ingerida pelos trabalhadores em empregos obrigatórios também não é capaz de manter o circuito funcionando, porque não permite que a segunda e a terceira funções sejam executadas pelo homem — invenção ou descoberta, e direcionamento da energia.

Para o exercício da inteligência em invenções e descobertas, um homem precisa ter alguns materiais excedentes, tempo e energia à sua disposição pessoal, com liberdade para buscar o emprego que preferir, seja qual for.

Para o exercício da vontade, para dirigir a energia nos canais corretos para que a produção se sustente, todo intercâmbio de bens e de trabalho deve ser feito por livre contrato.

O problema de engenharia, então, é organizar o longo circuito para homens livres. As conexões devem ser tais que qualquer homem possa mudar de local e de ocupação como queira, dentro de toda a gama de escolhas possíveis, que é infinita. Isso exige a distribuição do produto por um método semelhante de intercâmbios acordados a cada transferência. Dadas essas condições, o pré-requisito para a função física do homem no circuito será atendido; os homens envolvidos conseguirão obter seu sustento do circuito pelo comércio livre.

O problema inteiro se resolve se o princípio do contrato for observado em todo o processo; e não é possível resolvê-lo de outra maneira. O contrato é o princípio da verdadeira economia dinâmica.

O único problema que podemos dizer que surgiu da economia dinâmica é o chamado problema trabalhista. Como a economia dinâmica cria meios inéditos de mobilidade e uma perspectiva auspiciosa de encontrar sustento quase em qualquer lugar, a grande maioria das pessoas se esqueceu da necessidade de uma base física para ter segurança. Não é apenas o “operário” que desconsidera essa relação primária e inalterável do homem com o solo, a função da propriedade privada da terra — que vem do simples fato de que um corpo humano é um objeto sólido — os técnicos, os trabalhadores administrativos, inúmeros empregadores urbanos e pessoas que vivem de receitas herdadas, estão na mesma situação e igualmente inconscientes dela. Pode ser que estes outros sejam mais numerosos que os operários; mas com grandes centros industriais, os operários compõem um grupo mais evidente, que pode ser mais facilmente diferenciado pela existência de sindicatos e pelo fato de que, quando a indústria diminui o ritmo, os operários são mais visivelmente afetados. São a massa deslocada. Mas deve ser entendido que um milionário poderia pertencer a essa categoria, se seus milhões estivessem completamente em títulos de papel; ele também não teria base. Não existe absolutamente nenhuma solução para isso, exceto a propriedade individual de terra por uma grande maioria, e o uso de dinheiro real. Não é necessário que todos possuam fazendas; mas uma quantidade suficiente de pessoas deve ser dona de sua própria casa e possuir uma reserva para “tempos difíceis”. Nos Estados Unidos, se se permitir que a indústria siga sua tendência natural de descentralização, será responsabilidade dos indivíduos ter ou não seguridade; mas, em qualquer caso, não existe outro caminho. Pode haver mérito em proposições de que os empregados da indústria deveriam ter alguma participação acionária; mas isso não resolve a necessidade de uma base; o moleiro não pode se situar em um rio que corre.

Seja com a intenção de favorecer os trabalhadores ou de restringi-los, a legislação trabalhista não é inútil. É pior que isso. O Wagner Act[1] não deu poder nenhum aos trabalhadores. Nenhuma lei pode dar poder a pessoas privadas; toda lei transfere poder das pessoas privadas para o governo.[2] Mas, além de um dado ponto, essa transferência de poder acaba na verdade tornando o governo impotente, fazendo-o assumir uma carga maior do que ele é capaz de carregar. Foi isso o que fez o Wagner Act e o que faz qualquer legislação que tente controlar o trabalho industrial. Amarrou um instrumento de governo à massa deslocada; e, sempre que a massa é perturbada, ela arranca esse instrumento para fora de controle e, assim, anula sua função. (Um exército fora de controle faz a mesma coisa; pode destruir todo o mecanismo de governo.) Massa deslocada não pode ser controlada, exceto pela oposição de uma força igual por todos os lados. Isso é absolutamente impossível com os trabalhadores industriais, a menos que fossem sempre confrontados com um exército de igual força. Isso reduziria a nação à escravidão.

Mas os trabalhadores podem ser colocados sob compulsão — que não é a mesma coisa que controle e vai apenas criar um novo risco — por restrições nominalmente impostas primeiro ao empregador, alcançando o empregado indiretamente. Se for proibido ao empregador contratar alguém que não tenha obtido permissão para deixar um emprego anterior, os movimentos do trabalhador serão restringidos exatamente como se ele tivesse sido proibido de deixar seu emprego. O efeito no circuito de energia é cortar a produção no mesmo grau.

A principal causa atual de confusão na teorização política também advém do fato de que a energia no longo circuito é dirigida pela ação paralela representativa. Votar é uma dessas ações; mas seu efeito é ainda mais difícil de discernir, porque é um sinal de transmissão. Quando um país possui uma organização política formal, a tributação já está autorizada; o canal está lá, para desviar energia da produção para os gastos governamentais. O canal é designado pelo costume ou por uma constituição. Teoricamente, uma constituição poderia especificar a soma ou a porcentagem a ser extraída em impostos; mas é improvável que um limite assim fosse mantido, menos ainda pelo governo central que necessariamente é responsável pela gestão da guerra. Enquanto a estrutura está sólida, as cláusulas serão obedecidas nos diversos campos de tributação, pelas autoridades federais, estaduais e locais. Os interesses regionais tenderão a preservar esse limite e manter a alíquota de tributação dentro do razoável, enquanto mantiverem a relação estrutural apropriada com o governo central. Mas os impostos serão recolhidos, independentemente de qual partido ou quais pessoas estejam no poder. Portanto, o voto do cidadão não dirige a energia. O que ele faz é designar autoridades que determinarão, pela ação representativa, a quantidade de energia a ser extraída em impostos e, então, distribuí-la e dirigi-la pelos vários canais políticos de gastos.

Como ocorrem duas ações representativas, não se percebe normalmente que elas dão o sinal para o represamento e a liberação de energia real; e, além disso, que essa energia pode se voltar contra o eleitor.

Sua única segurança é reter para si uma base fixa a partir da qual possa resistir firmemente; e essa base só pode ser a terra que ele possua. Caso contrário, seu voto acaba privando-o de seu poder natural, ao invés de permitir que ele o exerça. É o que acontece na democracia; ela libera força de tal maneira que não há como existir controle. Porque o governo também não tem o controle em uma democracia. A teoria de que todos “participam” do governo nas democracias, se todos votam, não leva em consideração a natureza da força física e a relação necessária entre qualquer massa física em movimento e uma base sólida. A maior parte das teorias abstratas de governo nos tempos modernos é completamente errônea porque ignora a realidade física. Provavelmente, a falácia se torna plausível porque o voto é apenas um pedaço de papel ou um toque em uma máquina de votar; nenhuma energia física é transferida no ato de votar; parece não ser mais que a expressão de uma opinião. Então, se o representante toma posse apenas pela expressão formal de opinião ou sinal, acredita-se que ele será suscetível às opiniões expressas a ele no futuro. Ao contrário, como o representante tem o poder de liberar energia física real, nenhum outro sinal será obedecido a menos que os eleitores retenham em seu controle privado um poder de resistência correspondente, mas preponderante, a qualquer má aplicação do poder delegado a seus representantes. As ações representativas paralelas sempre devem representar energia real.

Existe também uma falácia influente hoje, que é dita para negar a necessidade da ação livre individual para criar e manter um sistema de alta energia. Em algumas economias comparativamente livres, como a Dinamarca e a Suécia, grande parte da organização econômica consiste em associações cooperativas. Mas elas são marginais nas economias dinâmicas. Colônias semi-socialistas, como a Nova Zelândia e a Austrália, são ainda mais dependentes do individualismo em outros lugares. Não criaram nenhuma das máquinas pela quais obtém produção em um nível confortável; não contribuíram com invenções ou melhorias; vendem seu produto excedente no mercado livre. A ligação delas ao circuito dinâmico permite que consigam um padrão de vida moderadamente elevado, mas o nível é determinado pelo circuito. Observadores superficiais dizem que as associações cooperativas podem suprir a função dinâmica primária da alta produção. Não podem; são apenas suplementares. As condições locais vão indicar a extensão de sua utilidade prática; mas sempre será marginal.

Uma economia completamente “planejada” (ou seja, uma economia escrava) pode obter algum maquinário de alta performance e operá-lo com retorno decrescente por um tempo limitado para fazer a guerra. As economias escravas da Rússia Soviética e da Alemanha fizeram isso; mas nenhuma delas conseguirá dar manutenção a seu equipamento mecânico sem uma reposição contínua por parte das nações livres. Com uma fábrica completa para a produção de automóveis, com todas as peças manufaturadas nos Estados Unidos, embarcadas para a Rússia e montadas lá de maneira eficiente e ordenada por engenheiros americanos, a produtividade foi a de metade do obtido em uma instalação semelhante nos Estados Unidos. A Rússia, a Alemanha e as outras economias planejadas são estáticas. Quando a alta energia é jogada para dentro delas, só consegue provocar uma perturbação incalculável de maneiras imprevisíveis, como os tremores e deslocamentos de terra de uma falha geológica; mas o dano será muito menor, se a alta energia entrar apenas por trocas — ou seja, se o pagamento for devidamente cobrado pelas economias livres por empréstimos ou venda de bens às economias estáticas — do que é se o dinheiro ou maquinário ou outros bens forem obtidos pelas economias estáticas sem pagamento. Como, pela natureza da economia livre, seu produto está no mercado, é imperativo que as contas sejam pagas. Quando dinheiro, crédito e bens são entregues às economias estáticas em troca de nada, seja como um presente, seja aceitando uma moratória, o resultado é certo: uma guerra mundial em escala proporcional, com a opressão aumentada e sem esperanças do povo da economia estática. Não foi outra coisa o que tornou possível a eclosão da Alemanha. Nenhuma outra coisa poderia ter arruinado a Europa. Se as quantias de dinheiro emprestadas pela América à Europa desde 1914 e nunca devolvidas fossem somadas, o total resultaria na força da carga explosiva que foi detonada na guerra atual. Empréstimos de governos a governos[3] são particular e inevitavelmente destrutivos; mas empréstimos privados inadimplentes também são totalmente nocivos. Isso vale para os investimentos americanos no exterior que foram confiscados por governos estrangeiros. A força é então jogada de volta contra qualquer economia privada que a nação possuísse, para esmagá-la; o governo obteve recursos sobre os quais os produtores não têm controle. Apenas por essa fórmula, podem-se prever tumultos e devastações. Nações habitualmente em moratória são nações habitualmente em convulsão. O único serviço real que uma nação dinâmica pode prestar a uma nação estática é cobrar à vista qualquer centavo ou migalha de bens fornecidos. Se isso for feito, a nação estática pode avançar para a liberdade. Caso contrário — o resultado está diante de nossos olhos.

A teoria da “necessidade histórica”, na qual se baseia o argumento coletivista, não tem fundamento nem em fatos nem em princípios. A teoria diz que o desenvolvimento econômico ocorre em uma sucessão inevitável de fases, pela qual uma sociedade industrial, inventando máquinas num ambiente de propriedade privada, deve então passar ao comunismo, com propriedade pública, mantendo as máquinas para a produção. Então, profetizou-se que a Alemanha e a Inglaterra, sendo altamente industrializadas, deveriam ser as primeiras a se tornarem comunistas. Ao contrário, a nação mais atrasada da Europa, a Rússia, que jamais havia emergido completamente do comunismo, mergulhou de volta nele; enquanto isso, os Estados Unidos ultrapassavam industrialmente a Europa. Foi forjada uma desculpa medíocre, que não faz mais sentido que a teoria original.

Enquanto o universo existir, as condições pelas quais uma economia de máquinas pode ser criada e sustentada são imutáveis; e elas excluem o coletivismo. Uma variação da teoria da “necessidade histórica” diz que “a natureza humana pode ser alterada”. Se isso fosse verdade na característica vital, de maneira que os homens perdessem o direito à liberdade e o desejo por ela, esses ex-seres humanos “alterados” se tornariam, em conseqüência, incapazes de inventar e operar máquinas. As invenções humanas são do espírito, não do materialismo; e é um crime contra a humanidade tomar os produtos desse dom divino e jogá-los aos feitores de escravos do comunismo, para serem pisoteados na imundície de um barracão.

Como o homem não é determinístico, não pode haver ordem estabelecida para suas descobertas. O progresso sempre é possível, mas depende do uso imprevisível da inteligência. A partir do registro conhecido, não parece que os homens tenham alguma vez perdido completamente um conjunto de conhecimentos obtido; embora possa ficar sem ser utilizado por um tempo, até que os princípios morais sejam confirmados e isso permita que a ciência material seja aplicada de maneira benéfica. A precedência da ordem moral é clara, já que descobertas úteis ocorrem apenas quando os homens protegem a liberdade, restringindo o poder político. Essas descobertas foram feitas em diversas épocas e lugares, e reunidas; mas os princípios envolvidos são universais. Não mudam com a “história”. Funcionarão em qualquer tempo e lugar em que sejam entendidos e aplicados, sempre da mesma maneira. Se forem esquecidos ou ignorados, nada poderá ser obtido. Não existe “onda do futuro”; a humanidade molda seu futuro pelo objetivo moral e pelo uso da razão. A fé na onipotência benevolente do governo é pura superstição, um resíduo agregado de todas as práticas “mágicas” do homem primitivo. Como um selvagem na natureza não sabe o que faz um salmão subir o rio, ou porque a caça é mais rara em um ano que em outro, não é extraordinário que tente aplacar os poderes da natureza, esperando um resultado sem causa racional. Essa expectativa vaga de benefício obtido de um poder invisível convencido por palavras mágicas foi transferido para a idéia de uma agência abstrata colocada acima do indivíduo e suscetível a palavras para a concessão de benefícios materiais. Mas é, na verdade, um completo retrocesso, em um passo gigantesco, na direção das trevas e da extinção.

A pior das falácias é acreditar que nada pode ser feito, que devemos ser levados para o desastre e nos adaptarmos a ele. Se isso fosse verdade, deveríamos morrer aos montes, com alguns miseráveis remanescentes regredindo à selvageria; porque não existiria solução. Mas isso não é verdade.

Tudo pode ser feito por um futuro melhor, se os homens assumirem a postura pela qual o longo circuito de energia é criado. Nem mesmo um desastre causado pela negligência temporária precisa ser definitivo. Com o estabelecimento da República dos Estados Unidos da América, um grande marco da história secular foi erigido. O mais profundo estudioso do século passado, Lord Acton, que devotou a vida a estudar a história da liberdade humana, disse que ela “era o que não existia, até o último quarto do século dezoito na Pensilvânia”. O evento que ele assinala é ímpar, porque foi a primeira vez na história que uma nação foi fundada sobre princípios políticos racionais, originários do axioma de que o direito de nascença do ser humano é a liberdade. E, enquanto esses princípios foram mantidos, essa nação prosperou além de qualquer precedente. Até então, as nações eram formadas pelo acaso, pelas circunstâncias e por experimentos duvidosos; então, se uma nação soçobrasse, seria impossível reconstruí-la. Não importa quantas vezes a democracia seja tentada, ela sempre desmorona em despotismo em pouco tempo. Ou, se uma aristocracia ou monarquia surgia e, em seguida se desmanchava, não poderia ser criada outra para substituí-la, porque não seria possível voltar no tempo para garantir uma linha de descendência. Mas uma república federal sem o elemento hereditário na estrutura política sempre pode ser reconstituída por um projeto com os mesmos princípios e bases.

Quem quer que tenha a felicidade de ser um cidadão americano participa da maior herança de que o homem já desfrutou. Teve o benefício de todos os esforços heróicos e intelectuais que os homens fizeram por muitos milhares de anos, enfim concretizados. Se os americanos derem meia-volta e se submeterem outra vez à escravidão, isso será uma traição tão abjeta que talvez a raça humana preferisse perecer. A oportunidade é igualmente grandiosa para justificar a fé que animou o longo e penoso esforço e legou aos americanos uma herança tão nobre e feliz.



[1] Wagner Act: Ato Nacional de Relações Trabalhistas, legislação trabalhista americana, aprovada em 1935. Garante o direito dos trabalhadores se organizarem em sindicatos, participarem de negociações coletivas e tomarem ações coletivas, incluindo greves. (N. do T.)
[2] Líderes trabalhistas acreditaram erroneamente que conquistaram uma vitória quando o que eles chamam de “yellow dog contracts” [N. do T.: “Yellow dog contract”: contrato de trabalho que proíbe o empregado de pertencer a um sindicato.] foram proibidos. Não entenderam a natureza da lei. O “yellow dog contract” era um acordo entre empregadores para não negociar com sindicatos. Embora isso seja desagradável para os sindicalistas, esse acordo é exatamente do mesmo tipo que o “closed shop contract” [N. do T.: “Closed shop contract” acordo entre um empregador e um sindicato que obriga todos os empregados desse empregador a pertencerem a um sindicato.]; se a lei pode proibir aquele tipo de acordo, então o “closed shop contract” também pode ser proibido. Alguns contratos feitos entre sindicatos e empregadores já foram anulados por esse poder, contra a vontade tanto do sindicato como do empregador. (N. da A.)
[3] Empréstimos feitos por um governo a outro não atendem a nenhuma das condições adequadas de crédito. O dinheiro emprestado pertence ao povo da nação que concede o empréstimo, não às autoridades que o concedem; e tornam-se uma obrigação do povo da nação que toma o empréstimo, não das autoridades que o negociam e gastam o dinheiro. Não há garantias, nem meios de cobrança por ação civil. Se a dívida não for paga, a guerra ou a ameaça de guerra são os únicos recursos. Enquanto isso, a produção privada naufraga; a economia da nação que emprestou tem de cobrir a perda do capital; enquanto a economia da nação que tomou o empréstimo é oprimida pelo peso morto dos projetos governamentais (prédios, exércitos, etc.) nos quais o dinheiro foi gasto. É uma fórmula infalível para o desastre. (N. da A.)

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Seminário Safety-Critical Systems

Participei do seminário Safety-Critical Systems - Pragmatic solutions for today's safety critical systems development, em São José dos Campos, realizado pelas empresas Konatus, LDRA e Atego. 

O tema do dia era MBSE - Model Based System Engineering. A maior parte das palestras foi dada pelo pessoal da Atego, fabricante da ferramenta de modelagem Artisan Studio. Andrea Sanchez, gerente de canais, falou na abertura e no fechamento do dia. Fabrizio Pugnetti, gerente de produtos, fez quatro apresentações técnicas sobre aspectos do Artisan Studio.

A palestra do Dr. Marcelo Lopes de Oliveira e Souza, professor do INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, foi sobre desenvolvimento de requisitos. Ele destacou diversos desafios que as empresas de tecnologia enfrentam no cenário atual. Um dos maiores é a falta de mão-de-obra capacitada para utilizar as tecnologias que surgem quase que diariamente. Até a China, com sua população gigantesca, está sofrendo com falta de pessoal especializado em muitas áreas. O Brasil não tem cultura de engenharia de sistemas. É difícil justificar, dentro de uma empresa, os custos que sua aplicação envolve. Pior que isso, as empresas brasileiras não costumam ter dados confiáveis sobre os projetos que desenvolvem. Ao aplicar metodologias em cima de dados incompletos, imprecisos ou simplesmente errados, os resultados podem ser opostos aos desejados.

Wagner Schalch, arquiteto de sistemas da Alstom Transport, descreveu a experiência de implantação do MBSE na empresa em nível mundial. O processo começou em 2009. A empresa decidiu propor a todas as suas unidades que a modelagem enfocasse as visões Operacional, Funcional e Construcional e que se padronizasse a utilização da linguagem de modelagem de sistemas SysML e da ferramenta Artisan Studio. Isso necessariamente é um processo gradativo. Depois de 5 anos, 75% das unidades adotaram as três visões propostas. 61% utilizam SysML e 54% o Artisan Studio. Os requisitos ainda são gerenciados em uma ferramenta à parte. O uso intensivo da modelagem SysML está sendo aprovado pelos seus clientes. Em alguns casos, na Europa, já houve editais que pedem que as propostas sejam apresentadas nesse formato.

Fernando da Silva, da PTC, apresentou o portfólio de produtos da empresa. A PTC adquiriu recentemente a Atego. As ferramentas das duas empresas já tinham um bom nível de integração, mas essa integração deve se tornar muito mais completa em breve. A atividade original da PTC era CAD mecânico. Depois que comprou a MKS, em 2009, entrou na área de PLM - Product Lifecycle Management. Com a aquisição da Atego, a PTC passa a atuar em ALM - Application Lifecycle Management e SLM - Systems Lifecycle Management.

Salvador Ronconi, da Konatus, expôs algumas das questões envolvidas na certificação de um dispositivo aviônico com base em testes feitos com um modelo. Em muitos casos, não é possível testar completamente o dispositivo em condições reais e parte da certificação é feita com base em simulações. Salvador explicou que não é possível provar que essas simulações são 100% confiáveis. A partir de certo ponto, a aprovação tem de se basear em julgamentos subjetivos.

Andrea Sanchez fez considerações sobre a adoção do MBSE em uma empresa. Disse que a ordem natural das coisas é focar primeiro nas pessoas, depois nos processos e, por último, nas ferramentas que auxiliarão a implantar esses processos. Ela apresentou uma lista muito curiosa das piores práticas na implantação do MBSE. Dentre essas, a pior de todas seria começar pela compra de uma ferramenta.

O seminário foi muito proveitoso para se tomar contato com as técnicas mais avançadas para o desenvolvimento de sistemas que envolvem hardware e software.