Mais um trecho de "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust. Swann ouve a Sonata de Vinteuil inteira.
Mas o concerto recomeçou e Swann compreendeu que não mais poderia sair antes do final desse novo número do programa. Sofria por estar encerrado no meio dessas pessoas, cuja estupidez e ridicularias o magoavam tanto mais dolorosamente que, ignorando o seu amor, incapazes, se o tivessem conhecido, de se interessar por ele e proceder de outra forma que não dar um sorriso, como se se tratasse de algo pueril, ou de lastimá-lo, como se fosse uma loucura, faziam-no aparecer sob o aspecto de um estado subjetivo que para ele não existia, do qual coisa alguma exterior lhe afirmasse a sua realidade; sofria principalmente, e a ponto de que até o som dos instrumentos lhe dava vontade de chorar, por prolongar seu exílio naquele lugar aonde Odette jamais viria, onde ninguém nem nada a conhecia, de onde ela estava inteiramente ausente.
Mas, de súbito, foi como se ela tivesse entrado, e tal aparição foi para ele um sofrimento tão dilacerante que teve de levar a mão ao peito. É que o violino se erguera a notas altas onde permanecia, como que à espera, espera que se prolongava sem que ele deixasse de sustentá-las, na exaltação em que estava de já perceber o objeto de sua espera, que se aproximava, e com um esforço desesperado para tentar durar até a sua chegada, de acolhê-lo antes de morrer, de lhe manter, ainda por um momento, com todas as suas últimas forças, o caminho aberto para que ele pudesse passar, como a gente sustém uma porta, que sem isso cairia. E antes que Swann tivesse tempo de compreender e dizer a si próprio: "É a pequena frase da sonata de Vinteuil, não ouçamos!" -- todas as lembranças do tempo em que Odette o amava, e que até esse dia ele conseguira manter invisíveis nas profundezas de seu ser, iludidas por esse brusco luzeiro do tempo de amor que julgaram estar de volta, tinham despertado e, em vôo rápido, subiram para lhe cantar perdidamente, sem piedade pela sua desgraça atual, os refrões esquecidos da felicidade.
Em vez das expressões abstratas "tempo em que eu era feliz", "tempo que eu era amado", que ele muitas vezes pronunciara até então e sem muito sofrimento, pois sua inteligência só encerrara, do passado, pretensos extratos que não conservavam nada dele, Swann reencontrou tudo aquilo, que dessa felicidade perdida, fixara para sempre a essência volátil e específica; reviu tudo, as pétalas nivosas e frisadas do crisântemo que ela lhe lançara no carro, e que ele conservara entre os lábios -- o endereço, em relevo, da Maison Dorée na carta em que ele havia lido: "Minha mão treme tanto enquanto escrevo" -- a aproximação das sobrancelhas dela quando lhe dissera com ar súplice: "Não levará muito tempo para me fazer sinal?"; sentiu o cheiro do ferro do cabeleireiro, com o qual mandava alisar a escovinha enquanto Lorédan ia buscar a pequena operária, as chuvas tempestuosas que tinham caído com tanta freqüência naquela primavera; o retorno glacial na sua vitória, ao luar, todas as malhas de hábitos mentais, de impressões sazonais, de reações cutâneas, que haviam estendido numa série de semanas uma rede uniforme na qual seu corpo se achava preso. Naquele momento, Swann satisfazia uma curiosidade voluptuosa ao conhecer os prazeres das pessoas que vivem pelo amor. Achara que poderia parar por aí, que não mais seria obrigado a lhe conhecer os sofrimentos; e como agora o encanto de Odette representava pouco para ele, diante desse terror tremendo que o prolongava como um halo perturbador, essa angústia imensa de não saber o que ela havia feito em todos os momentos, de não possuí-la sempre e em toda parte! Infelizmente, ele se recordava do tom em que ela exclamara: "Mas poderei vê-lo sempre, estou sempre livre!", ela que já não o seria nunca mais! O interesse, a curiosidade que ela tivera pela vida dele, o desejo apaixonado de que ele lhe fizesse o favor -- aliás temido por ele, naquele tempo, como causa de transtornos aborrecidos -- de deixá-la penetrar em sua vida; como ela fora obrigada a lhe implorar para que ele se deixasse conduzir à casa dos Verdurin; e quando ele a fazia vir a sua casa uma vez por mês, como fora necessário, antes que se deixasse vencer, que ela lhe repetisse que delícia seria aquele costume de se verem todos os dias, coisa com que ela sonhava então, ao passo que para ele só lhe parecia uma preocupação fastidiosa, costume que depois a desgostara e com o qual rompera em definitivo, ao passo que ela se lhe tornara uma necessidade tão invencível e dolorosa. Não saberia dizer o quanto fora sincero quando, na terceira vez em que a vira, como ela lhe repetisse: "Mas por que não me deixa vir mais vezes seguidas?", dissera-lhe rindo, com um galanteio: "Por medo de sofrer." Agora, infelizmente, acontecia ainda que ela lhe escrevesse de um restaurante ou de um hotel, num papel timbrado; mas era como letras de fogo que o queimavam. "Este escrito do Hotel Vouillemont? Que é que ela pode ter ido fazer ali? Com quem? Que aconteceu?" Lembrou-se dos bicos de gás que eram apagados no bulevar dos Italianos quando a encontrara, contra toda expectativa, em meio às sombras errantes, naquela noite que lhe parecera quase sobrenatural e que, de fato -- noite de um tempo em que nem precisava se indagar se não a teria contrariado ao procurá-la, ao encontrá-la, de tanta certeza que tinha de que ela não teria maior alegria do que vê-lo e voltar para casa com ele -- pertencia a um mundo misterioso ao qual não se pode regressar jamais depois que suas portas se fecharam. E Swann percebeu, imóvel diante dessa felicidade revivida, um desgraçado que lhe causou piedade porque o não reconheceu de imediato, se bem que teve de baixar os olhos para que não vissem que estavam cheios de lágrimas. Era ele próprio.
Quando compreendeu aquilo, sua piedade cessou, mas teve ciúmes do outro eu que Odette havia amado, teve ciúmes daqueles de quem dissera muitas vezes, sem muito sofrer, "ela ama-os talvez", agora que havia mudado a vaga idéia de amar, na qual não existe amor, pelas pétalas do crisântemo e o "reservado" da Maison d'Or, que estavam cheios de amor. Depois, como seu sofrimento se tornasse muito acerbo, passou a mão pela testa, deixou cair o monóculo, enxugou as lentes. E, sem dúvida, se se visse naquele momento, o teria ajuntado à coleção daqueles cujos monóculos examinara, o monóculo que afastava como a um pensamento importuno e sobre cuja superfície embaciada experimentava apagar as preocupações com um lenço.
Existem no violino -- se, sem ver o instrumento, não podemos ligar o que ouvimos à sua imagem, a qual modifica a sonoridade -- acentos que lhe são tão comuns a certas vozes de contralto, que temos a ilusão de que uma cantora foi acrescentada ao concerto. Erguemos os olhos, vemos somente os estojos, preciosos como caixas chinesas, mas, por instantes, ainda somos enganados pelo chamado ilusório das sereias; às vezes, também, julgamos ouvir um gênio cativo que se debate no fundo da sábia caixa, feiticeira e fremente, como um demônio numa pia de água benta; às vezes, enfim, é no ar que o sentimos, como um ser sobrenatural e puro que passa desenrolando sua mensagem invisível.
Como se os instrumentistas muito menos tocassem a pequena frase que executavam os ritos exigidos por ela para que aparecesse, e procediam aos sortilégios necessários para obter e prolongar alguns instantes o prodígio de sua evocação, Swann, que não podia mais vê-la, como se ela pertencesse a um mundo ultravioleta, e como que desfrutava do frescor de uma metamorfose na cegueira temporária que o atingia ao se aproximar dela, Swann a sentia presente, como uma divindade protetora e confidente de seu amor, e que, para poder chegar até ele no meio da multidão e tomá-lo à parte para lhe falar, adotara aquele disfarce de uma aparência sonora. E enquanto ela passava, leve, calmante e murmurada como um perfume, dizendo-lhe o que tinha para dizer, e de quem ele escrutava todas as palavras, lamentando vê-las se evolarem tão depressa, Swann fazia involuntariamente com os lábios o movimento de beijar na passagem o corpo harmonioso e fugidio. Já não se sentia sozinho e exilado, visto que ela, que a ele se dirigia, lhe falara a meia voz de Odette. Pois, Swann já não tinha, como outrora, impressão de que Odette e ele eram ignorados da pequena frase. E ela fora tantas vezes testemunha de suas alegrias! É verdade que também muitas vezes o havia advertido da fragilidade dessas alegrias. E embora naquele tempo ele adivinhasse o sofrimento no sorriso, na sua entonação límpida e desencantada, hoje achava-lhe antes a graça de uma resignação quase alegre. Desses desgostos de que ela falava antigamente e que ele a via arrastar sorrindo em sua trajetória sinuosa e veloz, sem ser atingida por eles, desses desgostos que agora se haviam tornado os seus, sem que tivesse a esperança de jamais se livrar deles, ela parecia lhe dizer como outrora de felicidade: "Que é isto? Tudo isto não é nada." E o pensamento Swann dirigiu-se, pela primeira vez, a um impulso de piedade e ternura, para aquele Vinteuil, aquele irmão desconhecido e sublime que também devia ter sofrido tanto; como teria sido a sua vida? Do fundo de que mágoas pudera extrair essa força de um deus, essa potência ilimitada de criação? Quando era a pequena frase que lhe falava da vaidade de seus sofrimentos, Swann achava doce essa mesma sabedoria que, no entanto, há pouco lhe parecera intolerável quando acreditava lê-la nos rostos dos indiferentes que consideravam o seu amor como uma divagação sem importância. É que, ao contrário, a pequena frase, fosse qual fosse a opinião que pudesse ter sobre a brevidade desses estados de alma, via ali algo, não como o faziam todas essas pessoas, menos sério que a vida positiva, mas, opostamente, tão superior a ela que somente isso valia a pena ser expresso. Tais encantos de uma tristeza íntima era o que ela tentava imitar, recriar, e até mesmo a essência deles que, no entanto, é a de serem incomunicáveis e de parecerem frívolos a todo aquele que não os sente, a frase a captara e tornara visível. De modo que ela fazia confessar seu preço e desfrutar sua doçura divina por todos esses mesmos assistentes -- bastando que tivessem um mínimo de inclinação para a música -- que a seguir os desconheceriam na vida, em cada amor particular que vissem nascer perto deles. Sem dúvida, a forma sob a qual os codificara não podia se resolver em raciocínios. Porém, fazia mais de um ano que, revelando a si mesmo tantas riquezas de sua alma, o amor à música nascera-lhe, ao menos por algum tempo, e Swann considerava os temas musicais como verdadeiras idéias, de um mundo diverso, de uma outra ordem, idéias envoltas em trevas, desconhecidas, impenetráveis à inteligência, mas que nem por isso são menos distintas umas das outras, desiguais de valor e de significado entre si. Quando, depois do sarau dos Verdurin, mandara tocar de novo a pequena frase, procurava descobrir como, à maneira de um perfume ou de uma carícia, ela o aliciava e envolvia, e percebera que aquela impressão de doçura retraída e friorenta era devida à leve separação entre as cinco notas que a compunham e à evocação constante de duas delas; mas, na realidade, sabia que raciocinava assim não sobre a própria frase; porém, sobre simples valores, que substituíam, para comodidade de sua inteligência, a entidade misteriosa que ele havia percebido, antes de conhecer os Verdurin, naquela recepção onde ouvira a sonata pela primeira vez. Sabia que a própria lembrança do piano falseava ainda o plano em que via as coisas relativas à música, que o campo aberto ao músico não é um teclado mesquinho de sete notas, mas um teclado incomensurável, ainda quase totalmente desconhecido, em que apenas aqui e ali, separados por espessas trevas inexploradas, alguns dos milhões de toques de ternura, de paixão, de coragem, de serenidade que o compõem, cada um tão diferente dos outros como um universo de outro universo, foram descobertos por alguns grandes artistas que nos prestam o serviço, despertando em nós o correspondente do tema que encontraram, de nos mostrar quanta riqueza, quanta variedade, sem que saibamos, oculta essa grande noite impenetrada e desencorajadora da nossa alma que tomamos por vazio e nada. Vinteuil fora um desses músicos. Em sua pequena frase, conquanto apresentasse à razão uma superfície obscura, sentia-se um conteúdo tão consistente, tão explícito, ao qual dava uma força tão nova, tão original, que aqueles que a tivessem ouvido a conservariam em si no mesmo nível das idéias da inteligência. Swann se reportava a ela como a uma concepção do amor e da felicidade, cuja particularidade ele sabia logo, e muito bem, de que se tratava, assim como o sabia quanto à "Princesa de Cieves" ou ao "René", quando o seu nome se lhe apresentava à memória. Mesmo quando não pensava na pequena frase, ela existia latente em seu espírito, na mesma condição de certas outras noções sem equivalente, como as noções de luz, de som, de relevo, de volúpia física, que são as ricas posses com que se diversifica e ganha expressão o nosso domínio interior. Talvez as percamos, talvez elas se apaguem, se volvermos ao nada. Mas enquanto vivermos, e assim como ocorre quanto a qualquer objeto real, não podemos fazer de conta que não as conhecemos, como não podemos, por exemplo, duvidar da luz da lâmpada que acendemos diante dos objetos metamorfoseados de nosso quarto, de onde se escapou até a lembrança da escuridão. Por esse fato, a frase de Vinteuil, como determinado tema do "Tristão", por exemplo, que também nos representa uma certa aquisição sentimental, havia esposado nossa condição mortal, adquirido algo de humano que era bem tocante. Sua sorte estava ligada ao futuro, à realidade da nossa alma, de que ela era um dos ornatos mais particulares, mais bem diferenciados. Talvez esse nada é que seja verdadeiro, e todo o nosso sonho é inexistente, mas então sentimos que é necessário que semelhantes frases musicais, essas noções que existem, relativas a elas, também não sejam coisa alguma. Morreremos, mas temos como reféns essas prisioneiras divinas, que seguirão nosso destino. E, com elas, a morte possui algo de menos amargo, de menos inglório, talvez até de menos provável.
Portanto, Swann não estava errado em acreditar que a frase da sonata existisse realmente. Certo, humana sob este ponto de vista, ela no entanto, pertencia a uma ordem de criaturas sobrenaturais e que nunca vimos, mas que, apesar disso, reconhecemos deslumbrados quando algum explorador do invisível consegue captar uma, trazê-la do mundo divino a que teve acesso para brilhar por poucos momentos sobre o nosso. Fora o que Vinteuil fizera quanto à pequena frase. Swann sentia que o compositor se contentara, com seus instrumentos musicais, em revelá-la, torná-la visível, seguir e respeitar o desenho com mão tão macia, tão prudente, tão delicada e tão segura que o som se alterava a todo instante, esfumando-se para indicar uma sombra, revivendo quando lhe fosse necessário andar no encalço de um contorno mais arrojado. E uma prova de que Swann não se enganava ao crer na existência real dessa pequena frase, era que todo amador um tanto perspicaz perceberia de imediato a impostura, caso Vinteuil, tendo menos força para ver e reproduzir suas formas, tivesse procurado dissimular, acrescentando aqui e ali traços de sua lavra, as lacunas de sua visão ou a incapacidade de suas mãos.
Ela havia desaparecido. Swann sabia que retornaria no fim do primeiro movimento, depois de um longo trecho que o pianista da Sra. Verdurin sempre saltava. Ali havia idéias admiráveis que Swann não distinguira na primeira audição e que agora percebia, como se elas, no vestíbulo de sua memória, se tivessem desembaraçado do disfarce uniforme da novidade. Swann escutava todos os temas esparsos que entravam na composição da frase, como as premissas na conclusão necessária, assistia à sua gênese. "Oh, audácia tão genial, talvez", dizia consigo, "como a de um Lavoisier ou de um Ampère, audácia de um Vinteuil movimentando, descobrindo as leis secretas de uma força desconhecida, conduzindo através do inexplorado, rumo ao único fim possível, a aparelhagem invisível em que confia e que não verá jamais!" Que belo diálogo Swann ouviu entre o piano e o violino no princípio do último trecho! A supressão das palavras humanas, longe de deixar reinar ali a fantasia, como se poderia crer, eliminara-a; nunca a linguagem falada foi tão inflexivelmente fatal, não conheceu a esse ponto a pertinência das perguntas, a evidência das respostas. Primeiro o piano solitário se queixava, como um pássaro abandonado pela companheira; o violino o ouviu, respondeu-lhe como de uma árvore vizinha. Era como no começo do mundo, como se só existissem eles dois sobre a terra, ou melhor, naquele mundo fechado a tudo o mais, construído pela lógica de um criador, e onde só os dois existiriam para todo o sempre: aquela sonata. Era um pássaro, era a alma incompleta ainda da pequena frase, era uma fada aquele ser invisível e lastimoso cuja queixa o piano a seguir repetia com ternura? Seus gemidos eram tão repentinos que o violinista deveria se precipitar sobre seu arco para recolhê-los. Maravilhoso pássaro! O violinista parecia querer encantá-lo, aprisioná-lo, captá-lo. Já havia passado para sua alma, já a pequena frase evocada agitava, como a de um médium, o corpo verdadeiramente possuído do violinista. Swann sabia que ela ia falar uma vez mais. E tão bem se duplicara a personalidade dele que a espera do instante iminente em que iria se reencontrar diante dela sacudiu-o com um desses soluços que um belo verso, ou uma notícia triste nos provocam, não quando estamos sozinhos, mas quando a comunicamos a amigos nos quais nos sentimos refletidos como uma outra pessoa cuja provável emoção os enternece. Ela reapareceu, mas desta vez para suspender-se no ar e tocar por um momento sozinha, como que imóvel, e expirar depois. Portanto, Swann não perdia nada desse tempo tão curto em que ela se prolongava. Ela ainda estava ali como uma bolha irisada que se mantém. Assim como um arco-íris, cujo brilho se enfraquece, diminui, depois aumenta e, antes de se extinguir, se exalta por um instante como ainda não o fizera: às duas cores que até então deixara transparecer, acrescentou outras cordas matizadas, todas as do prisma, fazendo-as cantarem. Swann não ousava se mexer e gostaria de manter tranqüilas também as outras pessoas, como se o menor movimento houvesse podido comprometer o prestígio sobrenatural, delicioso e frágil que estava prestes a se desvanecer. Para dizer a verdade, ninguém sonhava em falar. A palavra inefável de um único ausente, talvez de um morto (Swann não sabia se Vinteuil ainda era vivo), evocando-se acima dos ritos daqueles oficiantes, bastava para manter em xeque a atenção de trezentas pessoas e transformava o estrado em que uma alma era daquele modo evocada num dos mais nobres altares em que se pudesse realizar uma cerimônia sobrenatural. De forma que, quando por fim a frase se desfez, flutuando em farrapos nos motivos seguintes que já tinham ocupado o seu posto, se Swann, no primeiro momento, se irritou por ver a condessa de Monteriender, célebre por sua ingenuidade, se inclinar para ele a fim de confiar-lhe suas impressões antes mesmo que a sonata estivesse concluída não pôde evitar um sorriso e talvez também achar um sentido profundo, que ela não percebia, nas palavras que empregara. Maravilhada com o virtuosismo dos instrumentistas, a condessa exclamou, dirigindo-se a Swann:
-- É prodigioso, nunca vi nada tão impressionante... -- Mas um escrúpulo de exatidão fê-la corrigir a primeira assertiva e acrescentou com reserva: -- Nada tão impressionante... desde as mesas giratórias!