Gostaria de recomendar um livro que li no ano passado:
The Case for Israel, de Alan Dershowitz, publicado em 2003. Existe uma tradução brasileira, com o título de "Em Defesa de Israel", publicada pela Editora Nobel em 2004, e esgotada. Pode ser
encontrada em sebos.
Publico a introdução da edição brasileira.
Introdução
A nação judaica de Israel é acusada pela justiça internacional. As incriminações incluem a de ser um Estado criminoso e violador dos direitos humanos, uma imagem especular do nazismo e de ser a barreira mais intransigente para a paz no Oriente Médio. Pelo mundo todo, das comissões da ONU aos campi das universidades, Israel é discriminado com condenações, despojamentos, boicotes e demonizações. Seus líderes são ameaçados de processos como criminosos de guerra. Seus amigos são acusados de dupla lealdade e provincianismo.
Chegou a hora de uma defesa proativa de Israel ser apresentada na corte da opinião pública. Neste livro apresento tal defesa – não de qualquer política ou ação israelense, mas do direito básico de Israel à existência. De proteger seus cidadãos do terrorismo e de defender suas fronteiras de inimigos hostis. Mostro que Israel há muito tempo deseja aceitar a existência de dois Estados, propostos no “mapa da estrada” para a paz, e que foi a liderança árabe que persistentemente se recusou a aceitar qualquer Estado judeu – não importa quão pequeno – nas regiões palestinas com maioria judaica. Também procuro apresentar um quadro realista de Israel, com seus defeitos, como uma democracia multiétnica florescente, em muitos aspectos parecida com os Estados Unidos, que oferece a todos os seus cidadãos – judeus, muçulmanos e cristãos – oportunidades e condições de vida muito melhores do que as oferecidas por qualquer nação árabe ou muçulmana. Acima de tudo, afirmo que todos que escolhem Israel como único alvo de uma crítica, que não é dirigida contra países com registros muito piores de violações de direitos humanos, são eles próprios culpados de intolerância internacional. Essa é uma acusação séria e eu a comprovo. Permitam-me esclarecer que eu não estou acusando todos os críticos de Israel de anti-semitismo. Eu mesmo tenho criticado políticas específicas e ações de Israel ao longo dos anos, como fizeram quase todos os que apóiam Israel, praticamente todo cidadão israelense, e muitos judeus americanos. Mas também critico outros países, inclusive o meu, bem como nações da Europa, Ásia e Oriente Médio. Na medida em que a crítica é comparativa, contextual e justa, ela deve ser encorajada e não inibida. Mas, quando a nação judaica é a única a ser criticada por erros que são muito mais graves em outras nações, essa crítica atravessa a linha entre o certo e o errado, e vai do aceitável ao anti-semita.
Thomas Friedman, do New York Times, acertou quando disse que “criticar Israel não é anti-semitismo, e afirmar isso é mau. Mas condenar Israel por infâmia e sanção internacional – desproporcionalmente em relação a qualquer outra parte no Oriente Médio – é anti-semitismo e não admiti-lo é desonestidade”1. Uma boa definição usual de anti-semitismo é tomar uma característica ou uma ação largamente difundida, se não universal, e culpar apenas os judeus por ela. Foi isso que Hitler e Stalin fizeram e foi o que o antigo presidente da Universidade de Harvard A. Lawrence Lowell fez nos anos 1920 ao tentar limitar o número de judeus a serem admitidos em Harvard porque “os judeus trapaceiam”. Quando um aluno de destaque fez objeção a isso, argumentando que não-judeus também trapaceiam, Lowell respondeu: “Você está mudando de assunto; eu estou falando sobre judeus”. Da mesma maneira, quando aqueles que escolhem apenas a nação judaica para fazer crítica são questionados por que não criticam também os inimigos de Israel, eles respondem: “Você está mudando de assunto; estamos falando de Israel”.
Este livro prova não apenas que o Estado de Israel é inocente das acusações contra ele levantadas, mas que nenhuma nação na história que tenha enfrentado desafios semelhantes segue padrões mais elevados de direitos humanos, é mais sensível à segurança de civis inocentes, esforça-se mais para seguir as leis ou tem estado mais disposta a assumir riscos pela paz. Esta é uma reivindicação audaz e eu a apóio com fatos e números, alguns dos quais vão surpreender aqueles que recebem informações de fontes tendenciosas. Por exemplo, Israel é a única nação no mundo cujo sistema judiciário reforça ativamente a lei contra seus militares, mesmo em tempo de guerra2. É o único país na história moderna a devolver território disputado, capturado numa guerra defensiva e crucial para sua própria defesa, em troca da paz. E Israel matou menos civis inocentes, em comparação ao número dos seus civis mortos, do que qualquer país comprometido com uma guerra similar. Desafio os acusadores de Israel a apresentar dados em apoio à sua afirmação de que, como foi dito por um acusador, Israel “é o exemplo primeiro dos violadores de direitos humanos no mundo”3. Não serão capazes de fazê-lo.
Quando o melhor é acusado de ser o pior, o foco deve mudar para os acusadores que, eu afirmo, podem ser culpados de intolerância, hipocrisia ou, no mínimo, de uma ignorância abismal. São eles que devem estar no banco dos réus da história, junto com outros que também escolheram o povo judeu, sua religião, sua cultura ou a nação judaica para uma condenação sem igual e imerecida.
A premissa deste livro é que uma solução de dois Estados para as reivindicações palestinas e israelenses é, ao mesmo tempo, inevitável e desejável. A forma final precisa dessa solução é, naturalmente, objeto de muita disputa – como prova o fracasso das negociações de Camp David e Taba em 2000-2001 para alcançar uma solução aceitável por ambas as partes e pelas disputas em torno do “mapa da estrada” de 2003. Existem, na verdade, apenas quatro alternativas possíveis para um Estado judeu e um Estado palestino viverem em paz, lado a lado.
A primeira é a solução preferida dos palestinos, defendida pelo Hamas e outros, que rejeitam o direito de Israel existir (geralmente denominados de recusantes): especificamente exigem a destruição de Israel e a eliminação total de um Estado judeu em qualquer parte do Oriente Médio. A segunda alternativa é preferida por um pequeno número de fundamentalistas judeus e expansionistas: a anexação permanente da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e a expulsão ou integração dos milhões de árabes que atualmente habitam essas áreas. A terceira alternativa já foi a preferida dos palestinos, mas eles não mais a aceitam: algum tipo de federação entre a Cisjordânia e um outro Estado árabe (isto é, a Síria ou a Jordânia). A quarta, que sempre tem sido um pretexto para tornar Israel um Estado palestino de fato, é a criação de um único Estado binacional. Nenhuma dessas alternativas é aceitável atualmente. Uma resolução que reconheça o direito de autodeterminação por israelenses e palestinos é o único caminho razoável para a paz, apesar de não estar livre de riscos.
A solução de dois Estados também parece ser um dos poucos pontos de consenso para o conflito árabe-palestino-israelense que, de outra forma, é um dilema insolúvel. Qualquer consideração razoável de como resolver pacificamente essa disputa prolongada deve começar a partir desse consenso. A maior parte do mundo atualmente advoga uma solução de dois Estados, incluindo a grande maioria dos norte-americanos. Uma maioria expressiva de israelenses, há muito, já aceitou esse compromisso. É hoje a posição oficial da Autoridade Palestina e dos governos do Egito, da Jordânia, da Arábia Saudita e do Marrocos. Apenas os extremistas entre os israelenses e palestinos, bem como os Estados recusantes da Síria, do Irã e da Líbia, desejam que todo território do que atualmente é Israel, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza sejam permanentemente controlados apenas por Israel ou apenas pelos palestinos.
Alguns opositores acadêmicos de Israel, como Noam Chomsky e Edward Said, também rejeitam a solução de dois Estados. Chomsky afirmou: “Não creio que seja uma boa idéia”, apesar de reconhecer que possa ser “a melhor das várias idéias ruins que andam por aí”. Há muito, Chomsky tem preferido, e aparentemente ainda prefere, um Estado único binacional baseado nos modelos do Líbano e da Iugoslávia4. O fato de ambos esses modelos terem falhado lamentavelmente e terminado em sangrento fratricídio é ignorado por Chomsky, para quem a teoria é mais importante do que a experiência. Said opõe-se firmemente a qualquer solução que deixe Israel existir como um Estado judeu: “Não creio numa solução de dois Estados. Creio numa solução de um Estado”5. Como Chomsky, ele é a favor de um Estado secular binacional – uma solução elitista e impraticável que teria de ser imposta a ambos os lados, uma vez que virtualmente nenhum israelense ou palestino iria aceitá-la (exceto como trama para destruir a outra nação).
Com certeza, os resultados de pesquisas em favor de uma solução de dois Estados variam com o tempo, especialmente de acordo com as circunstâncias. Em períodos de conflito violento, mais israelenses e mais palestinos rejeitam o compromisso, mas a maioria das pessoas razoáveis percebe que, apesar do que indivíduos possam teoricamente esperar ou mesmo reivindicar como direito divino, a realidade é que nem israelenses nem palestinos sairão ou aceitarão a solução de um só Estado. Conseqüentemente, a inevitabilidade – e correção – de algum tipo de compromisso de dois Estados é um começo útil para qualquer discussão que busque uma solução construtiva desse conflito perigoso e doloroso.
Um ponto de partida concordante é essencial porque cada parte dessa longa disputa inicia a narrativa de sua reivindicação relativa ao território em um ponto diferente da história. Isso não deveria ser surpreendente, uma vez que nações e povos em conflito geralmente escolhem como início de sua narrativa nacional o ponto que melhor serve para apoiar suas reivindicações e queixas. Quando os colonizadores americanos procuraram obter a separação da Inglaterra, sua Declaração de Independência deu início à narrativa com uma história de “repetidas injustiças e usurpações” cometidas pelo “rei de então”, tais como “taxação sem a nossa concordância” e “alojamento de muitas tropas armadas entre nós”. Aqueles que se opuseram à separação começaram sua narrativa com os erros dos habitantes da colônia, como sua recusa em pagar determinados impostos e as provocações aos soldados ingleses. De modo similar, a Declaração de Independência de Israel começa sua narrativa com a terra de Israel sendo “o local de nascimento do povo judeu”, onde “eles pela primeira vez alcançaram a cidadania... e legaram ao mundo o eterno Livro dos Livros”. A genuína carta da Constituição palestina começa com a “ocupação sionista” e rejeita qualquer “reivindicação de ligações históricas ou espirituais entre os judeus e a Palestina”, a divisão da Palestina pela ONU e o “estabelecimento do Estado de Israel”.
Qualquer tentativa de desvendar as controvérsias históricas de disputas complexas e, em última análise, não comprováveis dos extremistas israelenses e árabes somente conduz a argumentos não-realistas de ambos os lados. Evidentemente é necessário ter alguma descrição da história – antiga ou moderna – dessa terra e de sua demografia em constante mutação, nem que seja para começar a entender como pessoas razoáveis podem chegar a conclusões tão opostas a partir dos mesmos fatos básicos. A realidade, é claro, é de que há concordância em apenas parte dos fatos. Muito é defendido e considerado a verdade absoluta por alguns, enquanto outros crêem exatamente no contrário.
Essa disparidade tão acentuada de percepção resulta de vários fatores. Às vezes é uma questão de interpretação de algum acontecimento. Por exemplo, quando chegarmos ao capítulo 12, veremos que ninguém nega o fato de que centenas de milhares de árabes que viviam onde hoje é Israel não vivem mais lá. Apesar de haver disputa sobre o número preciso, a maior discordância é se todos, a maioria, alguns ou nenhum desses refugiados foi expulso de Israel. Se cada um partiu porque os líderes árabes lhe deram a ordem ou se houve alguma combinação desses e de outros fatores. Também há discordância sobre quanto tempo esses refugiados realmente viveram nos lugares depois abandonados, uma vez que a ONU definiu um refugiado palestino – ao contrário de qualquer outro refugiado na história – como qualquer um que tenha vivido no território que se tornou Israel durante apenas dois anos antes de partir.
Pelo fato de ser impossível reconstruir a dinâmica precisa e as condições que acompanharam a guerra de 1948, deflagrada pelos Estados árabes contra Israel, a única conclusão sobre a qual se pode ter absoluta certeza é que jamais alguém saberá – ou convencerá seus opositores – se a maioria dos árabes que abandonou Israel foi expulsa, abandonada ou sofreu alguma combinação de fatores que a levou de um lugar para outro. Recentemente, Israel abriu muitos dos seus arquivos históricos para os estudiosos, e novas informações conduziram a compreensões e interpretações mais amplas, mas não terminaram – e jamais terminarão – com as discordâncias.6
De modo similar, a maioria dos 850 mil judeus sefardis que viviam nos países árabes antes de 1948 foram para Israel, porque foram forçados a sair, abandonados ou experimentaram algum tipo de temor, tiveram alguma oportunidade ou foram em busca de um ideal religioso. Novamente, o movimento dinâmico e preciso da história jamais será conhecido, especialmente porque os países árabes dos quais saíram não mantêm registros e arquivos históricos ou recusam-se a fornecê-los.
Cada lado faz jus à narrativa que lhe é conveniente, embora reconheça que outros possam interpretar os fatos de modo algo diferente. Algumas vezes a disputa é mais sobre a definição de termos do que sobre a interpretação dos fatos. Por exemplo, os árabes freqüentemente argumentam que Israel recebeu 54% do território da Palestina apesar de apenas 35% dos residentes serem judeus7. Os israelenses, por outro lado, argumentam que os judeus eram uma clara maioria nas regiões da terra alocada a Israel quando a ONU fez a partição do território em disputa. Como se vê, as definições precisas podem algumas vezes estreitar as disparidades.
Um outro ponto de partida deve incluir algum tipo de lei de caducidade para ressentimentos antigos. Assim como a questão a favor de Israel não pode mais basear-se exclusivamente sobre a expulsão dos judeus da terra de Israel no primeiro século, também a questão dos árabes não pode se basear com segurança em acontecimentos que supostamente ocorreram há mais de um século. Uma razão para uma lei de caducidade é o reconhecimento de que, à medida que o tempo passa, se torna cada vez mais difícil reconstruir o passado com algum grau de precisão e as memórias políticas endurecem e substituem os fatos. Como já foi dito, “há fatos e há fatos verdadeiros”.
Com relação aos acontecimentos que precederam a primeira Aliyah em 1882 (a imigração inicial de refugiados judeus europeus para a Palestina), existem mais memórias políticas e religiosas do que fatos reais. Sabemos que sempre houve uma presença judaica em Israel, principalmente nas cidades santas de Jerusalém, Hebron e Safed, e que sempre houve uma pluralidade ou maioria em Jerusalém por séculos. Sabemos que judeus europeus começaram a se mudar para onde hoje é Israel em números significativos durante a década de 1880 – só pouco depois da época em que australianos descendentes de ingleses começaram a deslocar os aborígines australianos, e americanos descendentes de europeus começaram a se mudar para alguns territórios ocidentais, originalmente habitados por americanos nativos.
Os judeus da primeira Aliyah não deslocaram os residentes locais por conquista ou por intimidação, como fizeram os americanos e australianos. Legal e abertamente compraram terras – boa parte das quais considerada não-cultivável – de proprietários ausentes. Ninguém que aceite a Austrália como sendo legitimamente uma nação cristã de língua inglesa, ou a América ocidental como parte dos Estados Unidos, pode questionar a legitimidade da presença judaica onde hoje é Israel, de 1880 até o presente. Mesmo antes da divisão feita pela ONU, em 1947, tratados e leis internacionais reconheceram que a comunidade judaica existia na Palestina como questão “de direito”, e qualquer discussão racional do conflito deve ter como premissa que o “conflito fundamental” é de “direito com direito”. Tais conflitos são freqüentemente os mais difíceis de resolver, já que cada lado deve ser persuadido a comprometer-se com o que acredita ser uma absoluta questão de direito. A tarefa torna-se ainda mais desalentadora quando há alguns de cada lado que vêem a sua reivindicação com base num mandato divino.
Inicio a questão a favor de Israel por uma breve revisão da história do conflito entre árabes, muçulmanos e judeus e depois entre árabes, palestinos, muçulmanos e israelenses, com ênfase na recusa dos líderes palestinos em aceitar uma solução de dois Estados (ou duas pátrias) em 1917, 1937, 1948 e 2000. Focalizo os esforços pragmáticos de Israel para viver em paz dentro de fronteiras seguras, apesar dos repetidos esforços dos líderes árabes para destruir o Estado judeu. Saliento os erros de Israel, mas argumento que foram geralmente cometidos num esforço bem-intencionado (apesar de algumas vezes mal orientado) de defender a sua população civil. Finalmente, argumento que Israel procurou cumprir a lei basicamente em todas as suas atividades.
Apesar da minha forte crença de que deve haver uma lei de caducidade para ressentimentos, levantar a causa a favor de Israel requer uma breve viagem ao passado relativamente recente. Isso é necessário porque a causa contra Israel, nos dias atuais sendo levantada em campi universitários, na mídia e no mundo todo, baseia-se em distorções propositais dos registros históricos, a começar com a chegada dos primeiros europeus à Palestina, no final do século XIX, e continuando com a divisão feita pela ONU, o estabelecimento do Estado judeu, as guerras entre Estados árabes e Israel, culminando no atual terrorismo e nas reações diante dele. Os registros históricos devem ser bem estabelecidos para evitar a advertência do filósofo Santayana de que aqueles que não lembram o passado estão condenados a repeti-lo.
Cada capítulo deste livro começa com a acusação apresentada contra Israel, citando fontes específicas. Respondo à acusação com fatos reais embasados em provas aceitáveis. Ao apresentar os fatos geralmente não me baseio em fontes pró-Israel, mas principalmente em fontes objetivas e, algumas vezes, para enfatizar algum ponto, em fontes anti-Israel.
Provo, sem sombra de dúvida, que as ações de Israel têm sido julgadas por um duplo padrão pernicioso: que mesmo quando Israel foi o melhor entre os melhores do mundo, tem sido muitas vezes acusado de ser o pior entre os piores. Também provo que esse duplo padrão não tem sido apenas injusto com o Estado judeu, mas tem prejudicado o código da lei, ferido a credibilidade de organizações internacionais como a ONU e encorajado terroristas palestinos a cometer atos de violência para provocar reações exageradas de Israel e assegurar a condenação unilateral de Israel pela comunidade internacional.
Na conclusão do livro, argumento que é impossível entender o conflito no Oriente Médio sem aceitar a realidade de que, desde o início, a estratégia da liderança árabe tem sido a eliminação da existência de qualquer Estado judeu e mesmo de uma substancial população judaica onde hoje se situa Israel. Mesmo o professor Edward Said, o mais destacado defensor acadêmico dos palestinos, reconhece que “o nacionalismo palestino foi integralmente baseado na expulsão dos israelenses [querendo dizer judeus]”8. Esse é um fato simples, não sujeito a um questionamento razoável. As provas verbais e escritas vindas de líderes árabes e palestinos são esmagadoras. Várias táticas têm sido usadas para esse fim, inclusive a mentirosa reescrita da história da imigração de refugiados judeus para a Palestina e a história demográfica dos árabes na região. Outras táticas têm incluído o ataque a civis judeus vulneráveis a partir da década de 1920, o suporte palestino a Hitler e ao genocídio nazista nos anos 1930 e 1940 e a oposição violenta à solução de dois Estados proposta pela Comissão Peel, em 1937, e depois pela ONU, em 1948. Ainda uma outra tática foi a criação e posterior exacerbação e exploração da crise dos refugiados.
Para alguns, a simples idéia de um Estado palestino ao lado de um Estado judeu tem sido uma tática em si – um primeiro passo – para a eliminação de Israel. Entre 1880 e 1967, na verdade, nenhum porta-voz árabe ou palestino falou a favor de um Estado palestino. Em vez disso, queriam que a área chamada pelos romanos de Palestina fosse incorporada à Síria ou à Jordânia. Como Auni Bey Abdul-Hati, um proeminente líder palestino, disse à Comissão Peel em 1937, “não existe tal país... Palestina é um termo que os sionistas inventaram... nosso país foi, durante séculos, parte da Síria”. Portanto, os palestinos rejeitaram a pátria independente proposta pela Comissão Peel porque também traria consigo uma pequena pátria judaica. O objetivo sempre permaneceu o mesmo: eliminar o Estado judeu e transferir a maioria dos judeus para fora da área.
Os realistas árabes agora reconhecem que esse objetivo é inatingível – pelo menos em um futuro previsível. A esperança é que o pragmatismo predomine sobre o fundamentalismo e que o povo palestino e seus líderes finalmente cheguem a compreender que a causa a favor de um Estado palestino é fortalecida pela aceitação de um Estado judeu. Quando os palestinos desejarem seu próprio Estado mais do que desejam a destruição do Estado judeu, a maioria dos israelenses receberá pacificamente o Estado palestino como bom vizinho. O acordo que deverá seguir o “mapa da estrada” e os apertos de mão, bem como promessas trocadas em Acaba, em 4 de junho de 2003, representam alguma esperança de que a solução de dois Estados – há tempos aceita por Israel – se torne finalmente uma realidade.
Acolho a discussão vigorosa sobre a questão a favor de Israel que defendo neste livro. De fato, espero gerar um debate honesto e contextual sobre um assunto que se tem polarizado por argumentos extremistas. Certamente haverá discordâncias sobre as conclusões a que chego e as inferências que faço dos fatos históricos. Mas não pode haver discordância razoável sobre os fatos básicos: os judeus europeus que se juntaram aos seus primos sefardis onde hoje é Israel, no final do século XIX, tinham um direito absoluto de procurar refúgio na terra de seus ancestrais; estabeleceram com o suor do rosto uma pátria judaica em partes da Palestina que justamente compraram de proprietários ausentes; deslocaram bem poucos felás (árabes que trabalhavam a terra) locais; aceitaram propostas baseadas na lei internacional para uma pátria judaica repartida em áreas com maioria judaica; e, pelo menos até recentemente, quase todos os líderes palestinos e árabes categoricamente rejeitaram qualquer solução que incluísse um Estado judeu ou a autodeterminação judaica. Esses fatos indiscutíveis estabeleceram as bases do conflito que acompanhou o estabelecimento de Israel e que continua até hoje. É importante apresentar esses fatos históricos como parte da atual questão a favor de Israel porque essa distorção ou omissão fundamental na história dolorosa é um elemento da questão muitas vezes levantada contra o Estado judeu.
Decidi escrever este livro depois de acompanhar de perto as negociações de paz de Camp David e Taba, de 2000-2001, e depois de ver como tantas pessoas no mundo se voltaram contra Israel quando as negociações falharam e os palestinos retornaram ao terrorismo. Eu estava lecionando na Universidade de Haifa, em Israel, durante o verão de 2000, e pude observar em primeira mão o entusiasmo e a expectativa com os quais tantos israelenses aguardavam o resultado do processo de paz iniciado com os acordos de Oslo em 1993 e que parecia estar a caminho da aceitação de uma resolução de dois Estados, com Israel e Palestina finalmente convivendo pacificamente depois de tantos anos de violento conflito.
À medida que o processo se encaminhava para a resolução, o primeiro-ministro israelense Ehud Barak surpreendeu o mundo ao oferecer aos palestinos praticamente tudo que demandavam, inclusive um Estado com sua capital em Jerusalém, o controle do Monte do Templo, a devolução de aproximadamente 95% da Cisjordânia e toda a Faixa de Gaza e um pacote de compensação de 30 bilhões de dólares para os refugiados de 1948. Como poderia Yasser Arafat rejeitar essa oferta histórica? O príncipe Bandar, da Arábia Saudita, que estava servindo de intermediário entre as partes, exortou Arafat a “aceitar este negócio”. Você poderia alguma vez conseguir “um negócio melhor”?, perguntou. Você preferiria negociar com Sharon? Como Arafat vacilou, Bandar advertiu-o: “Espero que o senhor se lembre do que eu lhe disse. Se perdermos esta oportunidade será um crime”9.
Observei com horror como Arafat cometeu esse crime, rejeitando a oferta de Barak e abandonando as negociações de paz sem nem mesmo fazer uma contraproposta. Mais tarde o príncipe Bandar iria caracterizar a decisão de Arafat como “um crime contra os palestinos – de fato, contra toda a região”. Considerou Arafat pessoalmente responsável por todas as mortes resultantes dos conflitos entre israelenses e palestinos.10 O presidente Clinton também colocou toda a culpa pelo fim do processo sobre Arafat, como o fizeram quase todos que participaram das negociações. Mesmo alguns europeus ficaram furiosos com Arafat por abandonar essa oferta generosa. Finalmente, parecia que a opinião pública mundial estava abandonando os palestinos, que haviam novamente rejeitado a solução de dois Estados, e voltando-se para os israelenses, que haviam feito uma proposta para a saída do impasse violento.
Mas em poucos meses a opinião pública internacional novamente mudou a favor dos palestinos e contra Israel, desta vez com uma vingança. Repentinamente Israel era o pária, o vilão, o agressor e o destruidor da paz. Em campi universitários ao redor do mundo era Israel – o país que tinha acabado de oferecer tanto – o único objeto das petições de despojamento e boicote. Como tantas pessoas inteligentes puderam esquecer tão depressa quem era culpado pelo fim do processo de paz? Como o mundo podia tão depressa transformar Arafat, o vilão de Camp David, num herói e Israel, que heroicamente tinha oferecido tanto, num vilão? O que aconteceu nesse breve período para produzir uma mudança tão dramática na opinião pública?
Fiquei sabendo que o que aconteceu foi precisamente aquilo que o príncipe Bandar havia predito a Arafat que aconteceria se rejeitasse a proposta de paz de Barak: “Você tem apenas duas alternativas. Ou você aceita esta proposta ou haverá guerra”. Arafat escolheu ir à guerra. De acordo com seu próprio ministro das Comunicações, “a Autoridade Palestina começou a preparar-se para o início da atual revolta nacionalista dos palestinos a partir do retorno das negociações de Camp David, a pedido do presidente Yasser Arafat”11.
A desculpa para a escalada das explosões suicidas foi a visita de Ariel Sharon ao Monte do Templo. Mas, como o ministro das Comunicações alardeou, “Arafat... havia previsto o início da intifada como um passo complementar à resistência palestina nas negociações, e não como um protesto específico contra a visita de Sharon ao Al-Haram Al-Sharif [o Monte do Templo]”. De fato, a escalada do terrorismo havia começado alguns dias antes da visita de Sharon, como parte “das instruções da Autoridade Palestina” às “forças políticas e facções para conduzir todos os elementos da intifada”. Em outras palavras, em vez de mostrar “firmeza nas negociações” fazendo contrapropostas à generosa oferta de Barak, Arafat decidiu fazer a sua contraproposta na forma de explosões suicidas e aumento da violência. O príncipe Bandar acusou Arafat de responsável pelo banho de sangue resultante: “Ainda não me recuperei... da magnitude da oportunidade perdida”, declarou ele a um repórter. “Mil e seiscentos palestinos mortos até agora. E setecentos israelenses mortos. No meu julgamento, nenhuma dessas mortes de israelenses e palestinos é justificada”12.
Então, de que maneira este homem, responsável por essas mortes evitáveis, que escolheu rejeitar a proposta de paz de Barak e instruiu seus subordinados a reiniciar a violenta intifada como um “estágio complementar” às negociações, conseguiu mudar a opinião pública mundial tão depressa em favor dos palestinos e contra Israel? Essa pergunta desalentadora necessitava de uma resposta, e foi a resposta assustadora que me levou a escrever este livro.
A resposta vem em duas partes. A primeira é bastante óbvia: Arafat jogou a comprovada carta do terrorismo, que funcionou para ele tantas vezes através de sua longa e tortuosa carreira como terrorista diplomata. Ao fazer de alvo civis israelenses – crianças ou ônibus escolares, mulheres grávidas em shopping centers, adolescentes numa discoteca, famílias num jantar de Pessach, estudantes universitários numa cafeteria –, Arafat sabia que podia fazer com que Israel tivesse uma reação exacerbada, primeiro elegendo um primeiro-ministro mais sagaz para substituir o manso Ehud Barak, depois instigando os militares a tomar atitudes que inevitavelmente resultariam na morte de civis palestinos. Funcionou perfeitamente, como no passado. De repente, o mundo estava vendo imagens perturbadoras de soldados israelenses atirando em multidões, parando mulheres em pontos de controle e matando civis. Arafat havia “dominado” uma “dura aritmética da dor”, como foi dito por um diplomata: “As perdas palestinas contam a seu favor e as perdas israelenses também. A não-violência não compensa”13.
Para muitos, a simples aritmética era suficiente: mais palestinos do que israelenses estavam mortos, e só esse fato já provava que Israel era o vilão. Era ignorado o fato de que, apesar de “apenas” 800 israelenses terem sido mortos (até junho de 2003), os terroristas palestinos haviam tentado matar milhares mais e não haviam conseguido só porque as autoridades israelenses haviam frustrado “aproximadamente 80% das tentativas” de ataques terroristas.14 Também foi ignorado o fato de que entre os aproximadamente dois mil palestinos mortos havia centenas de homens-bomba, fabricantes de bombas, atiradores de bombas, comandantes terroristas e mesmo supostos colaboradores mortos por outros palestinos. Quando se contam apenas os civis inocentes, morreram significativamente mais israelenses do que palestinos15. De fato, Israel matou menos civis palestinos inocentes durante as décadas que tem combatido o terrorismo do que qualquer outra nação na história diante de tal violência, e essas mortes trágicas foram conseqüências não-intencionais do combate ao terrorismo, mais do que o objeto da violência.
Por que então tantas pessoas na comunidade internacional – diplomatas, homens de mídia, estudantes, políticos, líderes religiosos – caíram na trama transparente e imoral de Arafat? Por que não culpavam Arafat pela escalada da violência, como fizeram o príncipe Bandar e outros? Por que culpavam Israel tão apressadamente? Por que líderes morais e religiosos, que geralmente traçam uma clara distinção entre aqueles que propositalmente alvejam civis inocentes e aqueles que inadvertidamente matam civis, num esforço de proteger seus próprios civis, eram incapazes de fazer essa importante distinção quando se tratava de Israel? Por que não compreenderam como a liderança palestina estava manipulando e explorando a aritmética da morte? Por que não podiam ver além da contagem de corpos e focalizar o correto cálculo moral: quantas pessoas inocentes foram deliberadamente transformadas em alvos e mortas de cada lado?
Procurando responder a essas perguntas perturbadoras, tornou-se claro para mim que forças obscuras estavam em jogo. A mudança dramática e quase total nas percepções do público num período tão curto de tempo não podia ser explicada com base exclusiva em princípios da lógica, moralidade, justiça – mesmo política. As respostas estavam, pelo menos em parte, no fato de Israel ser o Estado judeu e o “judeu” entre os Estados do mundo. Uma total compreensão das reações bizarras do mundo à generosa proposta israelense de paz e a violenta resposta palestina requer o reconhecimento da longa e difícil história mundial no julgamento do povo judeu por padrões diferentes e muito mais exigentes.
O mesmo ocorre com a nação judaica. Pouco após o seu estabelecimento como primeiro Estado judaico moderno do mundo, Israel tem sido avaliado segundo um duplo padrão de julgamento e crítica de suas ações ao defender-se contra ameaças à sua própria existência e à sua população civil. Este livro é sobre este duplo padrão – a sua injustiça em relação a Israel e, mais importante, seu pernicioso efeito ao encorajar o terrorismo palestino e outros.
Se o tom deste livro algumas vezes pode parecer contencioso, é porque as acusações atuais contra Israel freqüentemente são estridentes, intransigentes, unilaterais e exageradas: “tipo nazista”, “genocida”, “exemplo clássico de violadores de direitos humanos no mundo”, e assim por diante. Essas falsas acusações devem ser respondidas direta e verdadeiramente antes de se poder restaurar um tom de compromisso e reconhecimento mútuo de erros, e os assuntos serem debatidos nos seus méritos e deméritos freqüentemente complexos. Mas, com demasiada freqüência, o debate atual, especialmente nos campi universitários, é caracterizado por acusações contenciosas e unilaterais feitas por aqueles que desejam demonizar Israel. São freqüentemente respondidas pelo reconhecimento bastante mais franco de erros por defensores de Israel e um tom de desculpa que muitas vezes serve aos acusadores.
O avanço em direção à paz somente virá quando ambos os lados quiserem reconhecer seus próprios erros e culpas e ir além das acusações do passado para um futuro de compromisso mútuo. Uma atmosfera favorável a tal compromisso não será alcançada se o ar não for purificado das acusações falsas, exageradas e unilaterais que agora poluem a discussão em tantas colocações. A finalidade deste livro é ajudar a purificar o ar, fornecendo defesas diretas e verdadeiras a falsas acusações. O tom dessas defesas, algumas vezes, necessariamente espelha o tom das acusações. A principal característica dos meus escritos, discursos e aulas durante anos sempre foi ser direto e não criar intrigas ou preocupar-me em ofender aqueles que, com base em suas ações intolerantes e falsas acusações, merecem ser ofendidos. Procuro seguir esse caminho neste livro.
Uma vez purificado o ar dos poluentes da intolerância e da falsidade, um debate mais diferenciado pode ser iniciado sobre políticas especificamente israelenses – bem como sobre políticas especificamente palestinas. Este livro não é parte desse debate, apesar de eu ter minhas próprias opiniões sobre muitas dessas questões. Enquanto Israel for particular e falsamente acusado de ser o principal infrator, a primeira obrigação daqueles comprometidos com a verdade e a justiça é refutar essas acusações – de modo firme e inequívoco.
Freqüentemente, perguntam-me como, na qualidade de civil defensor do livre-arbítrio e liberal, posso apoiar Israel. A implicação por trás da pergunta é que devo estar comprometendo meus princípios ao apoiar um regime tão “repressivo”. A verdade é que apóio Israel precisamente porque sou um civil defensor do livre-arbítrio e liberal. Também critico Israel sempre que suas políticas violam o rigor da lei. Tampouco procuro defender ações chocantes de Israel ou de seus aliados, tais como as matanças de 1948 por tropas irregulares de civis em Deir Yassin, o massacre falangista de palestinos em 1982 no campo de refugiados de Sabra e Shatila ou os assassinatos em massa de muçulmanos orando por Baruch Goldstein em 1994. Como em qualquer outra democracia, Israel e seus líderes deveriam ser criticados sempre que suas ações deixem de atingir padrões aceitáveis, mas o criticismo deveria ser proporcional, comparativo e contextual, como deveria ser também em relação a outras nações.
Defendo a causa de Israel com base em considerações liberais e de defesa da liberdade civil, apesar de acreditar que os conservadores também deveriam apoiar o Estado judeu com base em valores conservadores. Não peço a ninguém que faça concessões a seus princípios. Antes, o meu pedido é que todas as pessoas de boa vontade simplesmente apliquem ao Estado judeu de Israel os mesmos princípios de moralidade e justiça que aplicam a outros Estados e povos. Se aplicassem um só padrão de justiça, a causa a favor de Israel se resolveria por si. Mas, como tantas pessoas insistem em ser mais exigentes em relação a Israel, eu agora defendo a causa segundo a qual, num julgamento por qualquer padrão racional, Israel merece o apoio – embora, certamente, não o apoio sem crítica – de todas as pessoas de boa vontade que atribuem valor à paz, à justiça, à honestidade e à autodeterminação.
1. Thomas Friedman, “Campus hypocrisy”,
New York Times, 16 de outubro de 2002.
2. V. capítulo 28.
3. V. capítulo 28.
4. A preferência de Chomsky por um modelo federal “ao longo das linhas da Iugoslávia” é articulada em
Middle east illusions (Oxford, Rowman & Littlefi eld, 2003), pp. 105-106. A sua defesa do Líbano como um modelo vem de um debate comigo em 1970.
5.
Atlantic unbound (publicação on-line no
Atlantic Monthly). Entrevista de Said por Harry Bloom, 22 de setembro de 1999,
www.theatlantic.com/unbound/interviews/ba990922.htm.
6. V. Benny Morris,
Righteous victims (Nova York: Vintage Books, 2001), p. XIV.
7. V. capítulo 9.
8.
Atlantic unbound, 22 de setembro de 1999.
9. V. capítulo 17.
10. V. capítulo 17.
11. V. capítulos 16 e 17.
12. V. capítulo 17.
13. James Bennet, “Arafat’s edge: violence and time on his side”,
New York Times, 18 de março de 2002.
14. Bruce Hoffman, “The logic of suicide terrorism”,
Atlantic Monthly, junho de 2003, p. 45.
15. V. capítulo 18.