A Vide Editorial lançou o livro Violência e Armas: A Experiência Inglesa, da pesquisadora americana Joyce Lee
Malcolm. O prefácio é de Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil. Bene deu uma palestra para apresentar o
livro, em São Paulo, no dia 7 de outubro.
O tema do desarmamento é um
daqueles cujo debate é interditado no Brasil. Se enquadram nessa categoria a
responsabilização penal de menores de 18 anos, a descriminação das drogas, as
cotas raciais e muitos outros. A imprensa, em geral, age como se houvesse um
consenso envolvendo toda a sociedade, e não dá praticamente nenhum espaço para
as vozes discordantes. É o chamado multilateralismo de um lado só.
A Vide Editorial decidiu entrar
nessa arriscada seara, com uma obra que expõe uma visão diferente da questão.
Optou pelo livro da Dra. Joyce, que estudou a relação entre armas e
criminalidade na Inglaterra, desde a Idade Média até o século 20, considerando
o efeito de guerras, de variações econômicas e de mudanças na legislação penal.
Bene Barbosa está envolvido com
a discussão sobre o desarmamento há muito tempo. Em 1986, com 16 anos, se
interessou por um editorial de uma revista especializada em armas, escrito em
forma de carta de um pai a um filho. O pai dizia que havia comprado uma arma de
presente para o filho, mas pedia que este jamais revelasse o fato a ninguém.
Bene ficou intrigado com isso. Estudou muito tentando entender por que existe
essa ampla mobilização contrária a posse e ao porte de armas pelo cidadão
respeitador das leis. Concluiu que o desarmamento é uma doença da sociedade. Se
não tivermos o diagnóstico correto desse mal, não encontraremos nunca a cura.
É muito fácil perceber que a
única maneira de parar um malfeitor armado é ter outra pessoa armada em seu
caminho. Recentemente, em Oklahoma, um homem de 30 anos, recém convertido ao
islamismo, atacou os funcionários de seu antigo local de trabalho com uma faca.
Degolou a sra. Colleen Hufford, de 54 anos, e esfaqueou várias vezes a sra.
Traci Johnson, de 43 anos. Em seguida, foi baleado pelo presidente da empresa,
Mark Vaughan. Se Vaughan não estivesse armado, o assassino continuaria o
massacre pelo tempo que quisesse.
Em 2012, um homem vestido de
Coringa disparou contra o público que assistia Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge em um cinema em Aurora, no
Colorado, matando 12 pessoas e ferindo 70. Havia um shopping ao lado da casa do
assassino, passando o mesmo filme, com uma sala maior e lotado. Porém, o criminoso
escolheu dirigir por 20 minutos para ir até uma sala do Cinemark. Por quê?
Porque o Cinemark proíbe seus espectadores de entrar portando armas. O
assassino tinha certeza de que seria a única pessoa armada na sala.
A palestra falou menos sobre o
livro e sobre a Inglaterra, focando-se mais na história do desarmamento no
Brasil. Sobre o caso inglês, Bene disse que a Dra. Joyce demonstra que o
desarmamento provocou uma escalada do crime, levando o país a se tornar o mais
violento da Europa, depois de ter tido taxas baixíssimas de criminalidade
quando as armas eram livres. É freqüente, hoje, que um policial desarmado, de
bicicleta, aborde um suspeito e descubra um criminoso com uma metralhadora. O
objetivo do controle de armas é, e sempre foi, o controle social de algum
grupo. Os católicos foram impedidos de ter armas em certos momentos. Os
ingleses desarmaram a Índia quando a colonizaram. O estopim da Revolução
Americana foi a tentativa da metrópole de desarmar as colônias na América.
No Brasil Colônia, os
portugueses puniam com a morte os brasileiros que fabricassem armas. A
preocupação, evidentemente, não era com a criminalidade, mas com o controle
social. Com a nossa Independência, foi criada a Guarda Nacional e extintas as
milícias de cidadãos. É exatamente o contrário do que foi feito pelo Bill of Rights, nos Estados Unidos. Os
americanos declararam que a responsabilidade pela defesa da Constituição e da
integridade nacional é de todos os cidadãos que, para essa finalidade, podem
constituir milícias armadas. Como disse Bene, o Império Brasileiro declarou que
a defesa da Constituição era atribuição exclusiva do Papai-Estado. Nesse
período, os brasileiros de pele branca podiam possuir armas. Os negros, mesmo
libertos, eram proibidos. A única exceção eram os capitães-do-mato. Mais uma
vez, ninguém estava preocupado com o crime. O que se pretendia era evitar
potenciais rebeliões de escravos.
No início da República, dois
fenômenos marcam o interior do Brasil: o coronelismo e o cangaço. Os coronéis
montavam grandes forças de jagunços, com capacidade militar muito superior à do
Exército. E o cangaço era um flagelo que se abatia sobre a população. O governo
usou o argumento de que era necessário desarmar os coronéis para evitar que
suas armas caíssem nas mãos dos cangaceiros. Isso soa familiar, não? Ouvimos
hoje que é necessário desarmar os cidadãos para evitar que suas armas caiam nas
mãos dos criminosos. Era falso então e é falso hoje. A principal fonte de armas
para o crime não é, nem nunca foi o roubo.
Mas os coronéis foram enganados
e muitos entregaram seu arsenal ao governo. Lampião agradeceu a colaboração das
autoridades com sua atividade. Não havia mais quem se opusesse a ele. O único
lugar que resistiu a Lampião sem ajuda militar foi Mossoró. O bando atacou a
cidade em 1927 e foi recebido a bala pelos cidadãos armados e organizados, que
prenderam e justiçaram o líder cangaceiro José Leite de Santana, o Jararaca.
Na época da Revolução de 32, não
havia armas restritas. Os cidadãos podiam ter qualquer tipo de armamento. A
polícia de São Paulo possuía tanques e aviões de combate. O ditador Getúlio
Vargas sentiu na prática o perigo de haver armas de qualquer tipo à disposição
de rebeldes em potencial e emitiu o Decreto 24.602, em 06/07/1934, restringindo
calibres e tipos de armamento.
Mais recentemente, os governos
Fernando Henrique, Lula e Dilma criaram os Planos Nacionais de Direitos Humanos
nº 1, 2 e 3, respectivamente. Cada um mais restritivo que o anterior, atingindo
inclusive os agentes de segurança públicos e privados, os colecionadores e os
atiradores esportivos. Fernando Henrique conseguiu a aprovação da Lei 9.437,
que restringiu a posse e o porte e transformou em crime a posse e o porte
ilegais. Lula conseguiu a aprovação do Estatuto do Desarmamento, a Lei
10.826/03.
Foi convocado o Referendo de
2005, que recebeu como resposta um sonoro NÃO
da população. Os desarmamentistas acreditaram em pesquisas manipuladas por
desarmamentistas e imaginaram que o povo partilhava de seus falsos raciocínios.
Seus argumentos foram completamente desmontados nas discussões que antecederam
o Referendo. Bene conta que participou de um debate com Luiz Eduardo Greenhalgh,
em um sindicato. Quando o evento terminou, muitas pessoas presentes, de um
público a princípio hostil, o procuraram para tirar fotos, pedir autógrafos,
manifestar apoio. Nesse dia, ele percebeu que não havia como perder nas urnas.
Desde o Referendo, não houve novas restrições às armas. Mas os desarmamentistas
não desistem.
A bancada contrária ao desarmamento
tem crescido enormemente. Eram apenas 8 deputados em 2005. São mais de 100 na
legislatura atual e, no Congresso eleito, serão muitos mais. É um fato evidente
que o desarmamento não trouxe os efeitos que prometeu. E está tramitando o PL
3722/12 que, se aprovado, será o primeiro passo no sentido contrário ao que o
Brasil percorreu até aqui.
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