Marco Antonio Villa tem uma impressionante capacidade de escrever muitos livros bons em pouco tempo. Depois de Mensalão, Década Perdida e Ditadura à Brasileira, o mais recente é Um País Partido - 2014: A Eleição Mais Suja da História.
Villa começa relatando brevemente todas as vinte e nove eleições da República antes de 2014. Dessas, oito foram indiretas: a primeira, de Deodoro da Fonseca, em 1891, a de Getúlio Vargas, em 1934, e as seis da ditadura militar. Certamente, nenhuma das vinte e nove foi tão disputada como a de 2014.
A narrativa da eleição atual começa em fevereiro, com o início do ano legislativo e do ano judiciário. Dilma trocou alguns ministros por causa das eleições. Em março, foi divulgado o escândalo da compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras. Em 30 de abril, a presidente ocupou uma rede nacional de rádio e televisão, por ocasião da véspera do Dia do Trabalho, para fazer propaganda de seu governo. Anunciou um aumento de 10% nos valores do Bolsa Família e a correção da tabela do imposto de renda. A Justiça Eleitoral não se incomodou com isso.
Em julho, o Banco Santander divulgou a uma parcela de seus clientes uma avaliação pessimista da conjuntura econômica do Brasil relacionada à perspectiva de vitória de Dilma. Lula e o PT exigiram a demissão dos autores dessa avaliação. O Santander cedeu. Em seguida, o PT reclamou ao Tribunal Superior Eleitoral contra textos de propaganda da consultoria Empiricus, com o mesmo tipo de opiniões. Conseguiu proibir a divulgação dos anúncios.
Os escândalos não paravam. A revista Época mostrou que uma nora de Lula e a esposa do deputado cassado e condenado pelo mensalão João Paulo Cunha eram funcionárias fantasmas do SESI. A Veja divulgou que as perguntas feitas aos diretores da Petrobras na CPI, incluindo a presidente Graça Foster, foram combinadas previamente. Num movimento inédito de uso da máquina pública a serviço de interesses particulares, o Advogado Geral da União, Luís Inácio Adams, foi ao Tribunal de Contas da União fazer uma defesa da presidente da Petrobras.
Villa narra detalhadamente as entrevistas de Aécio Neves e Eduardo Campos ao Jornal Nacional, com grande pressão dos entrevistadores sobre os candidatos.
Voltando da entrevista, aconteceu a grande tragédia da eleição, o acidente fatal com o avião de Eduardo Campos. Marina Silva é escolhida a nova candidata do PSB. Em vez de Dilma ir ao Jornal Nacional, o Jornal Nacional vai até ela, entrevistando-a no Palácio do Alvorada, em condições vantajosas em relação a seus adversários.
Com o início do horário eleitoral gratuito, Marina disparou nas pesquisas. Aproveitando-se do bom momento, a candidata do PSB fez várias exigências e entrou em polêmicas com membros históricos do partido. Vários deles abandonaram sua campanha. Descobriu-se que a situação do avião que transportava Eduardo Campos era completamente irregular. Marina foi bastante questionada por isso, especialmente em sua entrevista ao Jornal Nacional, e sempre se esquivou do assunto.
Como Villa conta cada lance da eleição em ordem cronológica, intercalando com os resultados de cada pesquisa eleitoral, estamos sempre acompanhando a evolução do processo. Vêm os rumores da delação premiada de Paulo Roberto Costa, depois as notícias, depois a delação de Alberto Youssef. Villa fala sobre cada debate do primeiro turno, com a participação preponderante dos candidatos nanicos.
A campanha do PT faz acusações violentas e infundadas contra Marina Silva. Isso dá resultado. Dilma começa a se recuperar e Marina a cair. Aécio tem uma recuperação lenta, mas contínua.
Dilma defendeu o diálogo com o Estado Islâmico, que decapita, estupra e fuzila em massa suas vítimas. Foi criticada por isso, mas a maior parte da população desconhece totalmente esse assunto. Marina, por sua vez, elogiou o impopular prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, como um exemplo de nova liderança.
Acontece o primeiro turno e, contrariando as pesquisas, Aécio tem grande vantagem sobre Marina e passa para o segundo turno. Consegue os apoios do PSB, de Renata Campos, viúva de Eduardo Campos, e de Marina Silva. Nas primeiras pesquisas, está à frente de Dilma. Com os ataques contínuos do PT, cai um pouco e Dilma passa à frente.
Villa narra cada um dos debates e publica na íntegra o último, na Globo. É muito interessante ter esse documento. Não nos esqueceremos de Dilma recomendando que uma economista desempregada fizesse um curso técnico no Pronatec. Nem da fala de Aécio: “Existe uma medida que está acima de todas as outras e não depende do Congresso Nacional. Para acabarmos com a corrupção no Brasil, vamos tirar o PT do governo.”
Villa relata o resultado final da eleição e acrescenta alguns comentários. Este trecho vale o livro:
«E mais uma vez, caso único na nossa história, tivemos como protagonista de uma eleição presidencial — pela sétima vez consecutiva — Luiz Inácio Lula da Silva. Ele representa o que há de mais atrasado na política brasileira. Tem uma personalidade que oscila entre Mussum e Stálin. Atacou as elites — sem defini-las — e apoiou José Sarney, Jader Barbalho e Renan Calheiros. Falou em poder popular e transferiu bilhões de reais dos bancos públicos para empresários aventureiros. Fez de tudo para que esta eleição fosse a mais suja da nossa história. E conseguiu.
Sob o seu domínio — mais que liderança — o PT desmoralizou as instituições. A compra de maioria na Câmara dos Deputados, que deu origem ao processo do mensalão, foi apenas o primeiro passo. Tivemos a transformação do STF em um puxadinho do Palácio do Planalto. O Executivo virou um grande balcão de negócios e passou a ter controle dos outros dois poderes. Tudo isso foi realizado às claras, sem nenhum pudor. E teve influência direta no resultado da eleição de 2014.»
Quando Villa diz que esta foi a eleição mais suja da história, não posso deixar de me lembrar de que quase todas as eleições indiretas foram completamente manipuladas. Mas acho que ele se refere ao nível de ataques infundados contra adversários e de transgressões impunes à legislação eleitoral. É curioso que ele não diga nada sobre o uso político dos Correios na eleição que, se comprovado, resultaria na cassação dos mandatos de Dilma e de Michel Temer. Também não diz nada sobre as suspeitas contra as urnas eletrônicas e os relatos de problemas com elas, no primeiro e no segundo turnos.
Independentemente disso, Um País Partido é um grande livro, para ler e guardar.
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