domingo, 25 de outubro de 2015

Entrevista com Renan Santos, acampado em frente ao Congresso Nacional



O Movimento Brasil Livre está acampado no gramado do Congresso Nacional desde 18 de outubro, para pressionar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a dar uma resposta sobre a admissibilidade dos pedidos de impeachment de Dilma Rousseff. Conversei com Renan Santos, um dos coordenadores nacionais do MBL, sobre essa ocupação.

Renan Santos
Reaçonaria: Renan, fale sobre o objetivo do acampamento.

Renan Santos: O objetivo fundamental é o seguinte: a gente quer trazer de volta a agenda do impeachment para uma imprensa que só quer falar do Eduardo Cunha. A imprensa quer negar que seis milhões de pessoas saíram às ruas nas manifestações. Quer negar que o brasileiro quer o impeachment da Dilma, e só fala do Eduardo Cunha. Então, já que eles querem ignorar a gente, a gente vai ter que tornar isso extremamente incômodo. A gente abriu uma faixa que já foi colocada aqui no Congresso pedindo “Impeachment Já!”, uma faixa gigante, de 60 metros. Estamos acampados e o acampamento não pára de crescer. Ao longo dessa semana a gente cobriu uns 70% do gramado, já. Aí, como é que eles vão poder ignorar?

O objetivo é pautar e, pautando, obter a resposta do Eduardo Cunha, positiva ou negativa, com relação ao acolhimento do pedido de impeachment. Se for negativa, ele vai ter um problema bem na porta dele. Se for positiva, vamos pressionar também para que o impeachment seja votado o mais rápido possível e que a gente obtenha a vitória.

Não sou da opinião de que a gente tenha que fazer mega manifestações novamente nos fins de semana, com todo o respeito pela história que a gente construiu. Mas já está muito claro para todo mundo que o brasileiro está insatisfeito. Não precisa fazer outro grande evento para provar que, em todas as regiões do Brasil, as pessoas não querem mais a Dilma Rousseff. Acho que agora a gente precisa fazer uma pressão incômoda mesmo.

Reaçonaria: Você concorda comigo que é necessário pressionar em qualquer lugar, pegar as pessoas de surpresa, fazer atos que sejam constrangedores para seus alvos?

Renan: Sim, concordo. Tanto que a gente está subindo o tom um pouco. No termômetro de pressão, a gente vai aumentar um pouco agora. A gente teve um pequeno conflito com o Renan Calheiros para conseguir, mas a gente hoje tem autorização do Congresso para estar aqui. É uma coisa inédita. Ninguém nunca fez isso antes. É a primeira vez na história do Brasil que acampam no gramado do Congresso Nacional. 

Reaçonaria: Quantas pessoas mais ou menos estão aí hoje? 

Renan: Agora, umas 50.

Reaçonaria: E como esse número tem variado no tempo? Aumenta e diminui?

Renan: Não, está em progressão. Começou com 15 pessoas que invadiram. Nem todo mundo quer participar de uma invasão, sabendo que pode ter confronto com a polícia. Depois, as pessoas vão vendo que o acampamento está estável, tem banheiro químico, tem até sofá agora! O pessoal de Brasília cada hora vai trazendo uma coisa.

Reaçonaria: O banheiro químico foi fornecido por algum governo?

Renan: Não, não! Pedimos doação e um empresário arrumou e colocou. Igual ao gerador. Pedimos um gerador e já tem um gerador aqui. O tempo todo chegam pessoas trazendo doações. Perguntam, “o que é que eu posso trazer?” e vão ajudando.

Reaçonaria: Tem outros grupos acampados também? Tem muita gente que não é do MBL?

Renan: Acampadas com a gente estão muitas pessoas que são entusiastas da causa e tem os coordenadores do MBL. Tem bastante gente do MBL. Como a gente tem filiais ao redor do Brasil, as pessoas dessas filiais acabam vindo para apoiar. A gente está incentivando todo mundo que defenda o impeachment a vir aqui. Temos sido refratários com relação a alguns loucos que defendem intervenção militar, que tentaram vir aqui. A gente pegou uma autorização para estar aqui.

Reaçonaria: Tem defensores da intervenção militar acampados?

Renan: Não com a gente.

Reaçonaria: Eles estão acampados em algum lugar?

Renan: Tem um outro acampamento em uma praça lá para trás com uns maníacos da intervenção. A gente não tem, nem quer ter contato com eles.

Reaçonaria: A maior parte do pessoal que esteve na Marcha pela Liberdade está com vocês?

Renan: Exato, quase todo mundo. Hoje, chegaram mais dois e é bem legal esse tipo de encontro de todo mundo. A galera da Marcha está em peso aqui, estão vindo muitos coordenadores do MBL, vão chegar mais. A equipe da Bahia chega amanhã, a equipe de Pernambuco chega durante a semana e o resto do pessoal de São Paulo também, hoje chegou gente do Mato Grosso do Sul. É uma confederação, aqui. Tem gente do Brasil inteiro.

A gente sabe, desde a época da Marcha, que existem circunstâncias muito específicas que fazem com que o brasileiro vá para a rua. Tem muita gente que só pode de final de semana. O nosso público é diferente do que foi às ruas em 2013, não é uma molecada que só quer lutar contra tudo e contra todos. Nosso público é um pouco mais responsável. As pessoas têm emprego, estão fazendo faculdade. Então, não podem se envolver em circunstâncias um pouco mais dramáticas como a Marcha ou o acampamento. Mas a gente entende que alguns vão ter que fazer mais sacrifício que os outros. A gente está estimulando as pessoas a virem para se juntar ao acampamento. A velocidade de crescimento está muito boa. Na Marcha, foram 18 pessoas que ficaram do começo até o fim, mas a quantidade foi aumentando. Muita gente começou a aderir a partir de Goiás e tínhamos quase 200 pessoas nos últimos cinco dias. Aqui, como as pessoas já viram que tem água, comida e não vamos ser expulsos, as pessoas estão vindo de forma mais fácil. E, lógico, não precisa andar. É bem mais confortável.

Reaçonaria: Vocês foram hostilizados por alguém, autoridades ou militantes?

Renan: Às vezes passam uns caras meio de longe aqui, do PT, xingam e vão embora. A gente nem dá bola. Políticos, vieram só os da oposição e comeram um pão de queijo na barraca. A gente sabe da responsabilidade de fazer esse processo. Se este gramado estiver cheio, vai ser uma pressão insuportável sobre o Eduardo Cunha. Não vai ter muito como segurar.

Reaçonaria: Como as pessoas podem ajudar? O que você pediria aos leitores da Reaçonaria?

Renan: Primeiro, vir. Vem, acampa, é seguro. Literalmente, a Polícia do Legislativo está cuidando da segurança do pessoal aqui. A gente está conseguindo arrumar comida e água para todo mundo. Tem comida à vontade para a galera. Vir é a primeira coisa.

A segunda coisa é a campanha que colocamos em destaque na página do MBL no Facebook, chamada Adote um Herói. Tem uma conta para doações em dinheiro. Tem pessoas que moram longe e não têm dinheiro para comprar a passagem para vir até aqui. A gente vai lá e compra a passagem para o pessoal vir. Isso já aconteceu com vários. Então, as pessoas que quiserem doar dinheiro, a gente está usando esse dinheiro majoritariamente para comprar passagem para as pessoas virem a Brasília. O povo de Brasília está ajudando bastante o resto da galera que está aqui. A população está sendo super bacana.

E também compartilhar material. É muito importante divulgar na Internet o que está acontecendo aqui. Mas quem quiser ajudar mesmo, ou vem, ou manda dinheiro para pagar a passagem de quem quer vir e não tem.

Reaçonaria: O que você espera do momento político do Brasil?

Renan: O MBL está muito focado nessa briga com a imprensa. Há cerca de quatro semanas, o Eduardo Cunha está claramente sendo alvo de um ataque para destruí-lo e assim enfraquecer a tese do impeachment e permitir que o Lula venha com um possível acordão. É claro que isso não o exime da culpa que ele tem no cartório. E a imprensa ignora tudo o que a gente veio fazendo ao longo do ano para bater na tecla só do Eduardo Cunha. Não gosto de parecer teórico da conspiração, odeio isso, mas é verdade. A imprensa está trabalhando para o governo de uma maneira que eu nunca vi antes. É ostensivo. A imprensa já é uma tropa de choque do governo. A gente tem que virar esse jogo agora. Ocupar o Congresso é uma atitude drástica. Estamos em um local que nunca foi ocupado antes, uma área de segurança nacional. A gente pretende, ao longo das próximas duas semanas, virar a chave da pauta política. Se houver atos todos os dias quando a presidente estiver na frente da Câmara dos Deputados ou do Senado, eles não vão poder ignorar.

Reaçonaria: As pessoas não se dão conta disso, mas nós já vivemos num ambiente ditatorial. Vocês estão aí fazendo um movimento com essa força e a imprensa esconde isso como se aqui fosse a Venezuela ou a Coréia do Norte.

Renan: Vou te dar um exemplo. A gente chamou a imprensa internacional outro dia. A BBC e a France Presse cobriram. Não teve SBT, não teve Globo, não teve Folha, ninguém! Os caras estiveram aqui, cobrem um evento que para eles é menor, mas fazem seu trabalho e a imprensa do Brasil não cobre? É a primeira vez na história que acampam aqui no Congresso. A gente vai fazer com que eles cubram porque a gente vai gerar fatos. A gente pretende mudar a forma como a imprensa está cobrindo porque ela não vai poder ignorar quando a gente começar a fazer barulho na frente do Congresso durante as sessões.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Preconceito contra as Armas, de John Lott Jr.

Chegou às livrarias no mês passado mais um excelente lançamento da Vide Editorial, Preconceito contra as Armas: Por que quase tudo o que você ouviu sobre o controle de armas está errado, de John Lott Jr, traduzido por Flavio Quintela. O autor é talvez o mais importante pesquisador das relações entre criminalidade e as diferentes legislações sobre controle de armas. Sua principal obra é More Guns Less Crime: Understanding Crime and Gun Control Laws, publicada originalmente em 1998.

Em Preconceito contra as Armas, publicado nos Estados Unidos em 2003, Lott analisa diversos aspectos das distorções de informação sobre o assunto de controle de armas. O livro é dividido em duas partes. Na primeira, ele expõe a maneira como as armas são tratadas pela imprensa, pelas entidades governamentais dos Estados Unidos e como os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 influenciaram o debate. Na segunda, discute procedimentos corretos e errôneos para pesquisas sobre armas e analisa três questões sensíveis para o público americano: 1) ataques armados de um atirador contra múltiplas vítimas, 2) segurança de armas em casa e 3) a influência das feiras de armas e da venda de armas de assalto na criminalidade.

O título original é The Bias against Guns. É difícil traduzir “bias” exatamente. Eu também escolheria “preconceito” para o título, mas “bias” significa “viés”, “tendenciosidade”. Existe um tratamento tendencioso de tudo o que se refere à propriedade, posse, porte e uso de armas pelo cidadão comum e até por policiais ou militares. Esse viés é generalizado na imprensa e nos órgãos de governo. Existem inúmeras ONGs desarmamentistas nos Estados Unidos e no Brasil. Grande parte dos argumentos apresentados por essas pessoas e entidades é simplesmente falsa e Lott vai desmontando-os um a um.

Em abril de 2000, o jornal The New York Times publicou uma pesquisa sobre “assassinatos de fúria”, ou seja, assassinatos não políticos de duas ou mais pessoas em locais públicos. Concluiu que esse tipo de crime parecia estar aumentando, que o acesso a armas seria um fator crucial para facilitá-lo e que esse fator podia ser afetado pela legislação. Foram relacionados 100 crimes, dos quais 51 ocorreram entre 1949 e 1999 e 49 entre 1995 e 1999. O fato é que a maioria dos crimes anteriores a 1995 foi simplesmente deixada de fora. John Lott questionou sistematicamente o jornal e os jornalistas envolvidos nas reportagens. Recebeu como resposta apenas tergiversações. Esse é um caso entre muitos. Segundo uma pesquisa que o livro cita, embora apenas metade dos americanos seja favorável a uma legislação mais restritiva contra armas, 78% dos jornalistas a apóiam. O único órgão de imprensa que não é francamente contrário às garantias da Segunda Emenda é a Fox News.

O governo americano, por meio de suas diversas agências, patrocina muitas pesquisas sobre violência, criminalidade e acidentes com armas. Todas elas, sem exceção, procuram estabelecer o mal que as armas podem causar. Não há pesquisas patrocinadas pelo governo que procurem descobrir se, em algum caso, as armas podem causar algum bem. De maneira mais clara, não se pesquisa o uso defensivo das armas. Lott realizou algumas pesquisas detalhadas sobre esse tipo de uso entre 2001 e 2002. Ele afirma que houve 2.300.000 casos de usos defensivos de armas no ano de 2002. Esse tipo de história é ignorado pelo governo e pela imprensa. Os dados estão no livro. Afirmar sistematicamente que ter armas é perigoso, que as armas devem ser mantidas escondidas, desmuniciadas e ou travadas impede em muitos casos o uso defensivo delas e coloca a população em perigo.

Sobre os ataques armados de atiradores contra múltiplas vítimas, Lott afirma que só existe uma medida eficaz para prevenir esse tipo específico de crime e minimizar suas conseqüências. É permitir que os cidadãos portem armas de maneira oculta. Vemos constantes ataques desse tipo em escolas, onde as armas são proibidas.

O livro traz uma comparação muito interessante entre tipos de acidente. Em 1999, 31 crianças menores de 10 anos morreram em acidentes com armas. No mesmo período, o número de crianças nessa faixa etária que morreu por afogamento foi de 750. 523 morreram por queimaduras. 92 morreram por quedas. 81 morreram em acidentes de bicicleta. 1636 em acidentes de automóvel. Que tal proibir as bicicletas?

Estes são apenas alguns exemplos. O livro é muito rico em informações. Tive alguma dificuldade em acompanhar as estatísticas que ele apresenta. Há muitas tabelas para embasar os argumentos. É perfeitamente possível ler o texto sem se preocupar com elas, mas quem estiver procurando dados detalhados vai encontrar.

No Brasil, o debate sobre armas é muito mais conspurcado que nos Estados Unidos. Lá, a Segunda Emenda é um valor respeitado, embora sob ataque. Aqui, em que pese o trabalho hercúleo do Movimento Viva Brasil em fazer esse debate, a voz daqueles que defendem a liberdade do cidadão praticamente não se ouve. Livros como este são fundamentais para permitir que a discussão exista. O povo demonstrou sua opinião no referendo de 2005 e continua demonstrando a cada pesquisa ou enquete que se faz sobre armas. É hora dessa opinião passar a ser considerada pelo Congresso Nacional.

Recomendo Preconceito contra as Armas a qualquer pessoa que queira conhecer mais sobre armas e sua relação com a defesa da vida.

John Lott Jr.