sábado, 26 de janeiro de 2013

Quero Liberdade (cap. X), de Rose Wilder Lane


X

Esse caos americano de energias humanas liberadas vem acontecendo há mais de um século, menos de metade da história passada do país. Nesse período, criou a América e tornou a América o país mais rico do mundo. De onde veio essa riqueza?

Os americanos vêm explorando os recursos naturais de metade do continente. E essa exploração continua hoje e deve voltar a se acelerar, uma vez que nossa riqueza natural não aproveitada é enorme. O potencial elétrico, por exemplo, mal começou a ser explorado. A Química acabou de descobrir um novo universo de recursos naturais. Mas só os recursos naturais não explicam nossa maior riqueza relativa, já que, enquanto os americanos exploravam a América, os europeus exploravam a Ásia, a África, a América do Sul, as Índias Orientais, as Índias Ocidentais, a Austrália e os mares do sul.

Ninguém despejou riqueza nas mãos americanas como o México e o Peru deram à Espanha. Há minas na Birmânia, na China, na velha Rússia e na Austrália, assim como em Nevada. O ouro da Califórnia não equivale ao ouro e aos diamantes da África do Sul. Há carvão e ferro na Grã-Bretanha e no Saara, petróleo quase inexaurível na Pérsia, em Mossul, no Azerbaijão e na Venezuela. As grandes florestas do mundo não estão na América. Nenhum solo na Terra é tão produtivo como os do Egito e do Sudão. O café, a borracha, o açúcar, o rum, as especiarias, o coco seco e o estanho pagam dividendos. A Índia deu algum lucro e a Indochina não deu prejuízo à França, nem as Índias Orientais à Holanda. Acho difícil pensar que os americanos exploraram mais recursos naturais que os europeus.

Não são as terras de graça que explicam nossa riqueza. A riqueza não vem da terra, mas do trabalho sobre a terra. E talvez uma população subjugada trabalhe a terra com mais diligência que homens livres. Além disso, é um erro supor que a terra neste país não custou nada.

Grandes especuladores arrebataram este solo, a crédito, e o venderam a preços altos. A fúria da especulação com títulos de terra começou antes que nosso governo fosse criado. O Congresso Continental, em uma tacada, vendeu cinco milhões de acres em Ohio. A Virgínia vendeu, em blocos de mil acres, o Kentucky, as Carolinas, o Mississipi, o Tennessee e ninguém sabe que parte de Ohio, Indiana e Illinois. Houve um crash dessa especulação na década de 1790, com falências e tempos difíceis.

Depois da Compra da Louisiana, quando o salário por doze horas de trabalho duro era de vinte e cinco centavos, o Gabinete de Terras dos Estados Unidos, em um ano, vendeu cinco milhões de acres do baixo Missouri por um preço médio de cinco dólares o acre. Os especuladores compraram e os preços deram um salto. A especulação ficou maluca pelos lotes. Os promotores os vendiam por US$ 50,00; saltaram para US$ 250,00, US$ 500,00, US$ 800,00, US$ 1.000,00. O preço das fazendas foi para US$ 50,00 o acre. A bolha estourou com a crise bancária de 1819.

O Homestead Act foi aprovado em 1862, quando apenas o supostamente inabitável Grande Deserto Americano tinha sobrado. Vinte e oito anos depois a última parte do Grande Deserto Americano foi tomada na última corrida de terras. Duas décadas depois disso, eu mesma ajudei a vender a terra virgem da Califórnia, por preços que alcançavam US$ 800,00 o acre.

Talvez a América seja o país mais rico porque os americanos tomaram tanto território e fizeram dele um único país sem barreiras ao comércio. Talvez seja porque os americanos acolheram e exploraram a revolução industrial, a ciência aplicada e as máquinas como nenhum outro povo. E talvez tenham conseguido fazer isso porque não tinham fronteiras, distinções de classe e o peso das burocracias para atrapalhar, como os europeus sempre tiveram.

O fato de que a América é o país mais rico não é em si tão importante; a Inglaterra é rica, como a França e a Holanda; como era a Alemanha de antes da guerra e o Império Austríaco. Mais importante que isso é que os Estados Unidos da América são o país com a população mais rica do mundo.

Pela lógica, o egoísmo sem barreiras deveria construir uma enorme riqueza para uns poucos e afundar as multidões na pobreza mais sórdida. A mente lógica germânica de Marx viu isso. Ele enxergava e podia contar estatisticamente uma quantidade determinada de riqueza – tangível e sólida como uma maçã. Naturalmente, ele concluiu que quanto mais a classe alta tomasse dessa riqueza menos sobraria para as classes inferiores. Os ricos ficariam mais ricos e os pobres, mais pobres.

Na verdade, neste país, aconteceu o inverso. No aproveitamento da riqueza, existe menos disparidade agora, hoje, entre o americano mais rico e o operário médio do que havia entre Jefferson e Monticello e o colono médio do extremo oeste no Kentucky.

Parece que o individualismo tende a nivelar a riqueza, a destruir a desigualdade econômica. Marx, o europeu, não podia conceber as enormes energias criativas liberadas quando multidões de homens, libertos pela primeira vez do controle econômico, saem cada um do seu jeito para obter para si a maior quantidade possível de riqueza. Certamente, essa breve experiência de individualismo não apenas criou grande riqueza e multiplicou de maneira inimaginável as formas de riqueza em bens e serviços, mas também distribuiu essas formas de riqueza num grau nunca visto e nunca igualado em outros lugares. Expressamos isso dizendo que a América tem o mais alto padrão de vida do mundo.

Isso também parece ter acontecido por acidente. Todos sabemos que não foi planejado; ninguém pretendia isso. Cada um de nós está aí para conseguir o que puder de melhor para si e para sua família, “seguindo a regra simples e o velho e bom plano de que quem tem o poder deve usá-lo e quem conseguir deve mantê-lo”.http://www.libertarianismo.org/index.php/biblioteca/234-rose-wilder-lane/1074-quero-liberdade

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Trecho d'O Caminho de Guermantes


Trecho de O Caminho de Guermantes, terceiro volume de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust.

Quando Françoise, à noite, era gentil comigo, e me pedia licença para se sentar no meu quarto, parecia-me que seu rosto se tornava transparente e que nela eu percebia a bondade e a franqueza. Mas Jupien, que possuía queda para a indiscrição que só vim a conhecer mais tarde, revelou posteriormente que ela dizia que eu não valia a corda para me enforcar e que procurara lhe fazer todo o mal possível. Estas palavras de Jupien mostraram-me logo, sob uma luz desconhecida, uma prova de minhas relações com Françoise tão diferente daquela em que me comprazia muitas vezes em descansar os olhos e na qual, sem a mais leve indecisão, Françoise me adorava e não perdia ocasião de me celebrar, que compreendi que não é só o mundo físico que difere do aspecto sob o qual o vemos; que toda realidade é talvez tão dissemelhante da que julgamos perceber diretamente e que compomos com a ajuda de idéias que não se mostram mas são ativas, assim como as árvores, o sol e o céu não seriam tais como os vemos se fossem conhecidos por seres que tivessem olhos constituídos de maneira diversa da nossa, ou então, que possuíssem, para esse fim, órgãos diferentes dos olhos e que proporcionassem das árvores, do sol e do céu equivalentes não-visuais. Assim como ocorreu, essa brusca fugida que me abriu uma vez Jupien para o mundo real me aterrorizou. Mesmo assim, só se tratava ainda de Françoise, com quem pouco me preocupava. Seria assim em todas as relações sociais? E até que desespero aquilo poderia me levar um dia, se o mesmo ocorresse no amor? Era o segredo do futuro. Então, só se tratava ainda de Françoise. Pensaria ela sinceramente o que havia dito a Jupien? Dissera-o apenas para indispor Jupien comigo, talvez para que não tomassem a sobrinha de Jupien para substituí-la? O fato é que percebi a impossibilidade de saber de modo direto e seguro se Françoise me amava ou detestava. E assim, foi ela a primeira a me dar a idéia de que uma pessoa não é, como o acreditara, clara e imóvel diante de nós com suas qualidades, seus defeitos, seus projetos, suas intenções a nosso respeito (como um jardim que se contempla, com todas as suas platibandas, através de uma grade), e sim uma sombra onde jamais podemos penetrar, para a qual não existe conhecimento direto, a respeito de quem formamos numerosas crenças com o auxílio de palavras e até mesmo de ações, umas e outras nos dando apenas informações insuficientes e, aliás, contraditórias, uma sombra onde podemos, alternadamente, imaginar, com tanto maior verossimilhança, que brilham o ódio e o amor.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Coleção Pateta Faz História


Comprei agora, para minha filha, a coleção Pateta Faz História, da Editora Abril. Quando eu era criança, li os títulos que foram publicados na época. Lembro bem de Leonardo da Vinci, de Cristóvão Colombo e do Dr. Frankenstein.

Fiquei sabendo da coleção há alguns meses, mas já estava esgotada. Achei em uma banca o número 7 (Louis Pasteur e Dom Quixote de la Mancha). Ela leu e gostou. Vi que podia comprar no Mercado Livre, mas agora a Editora Abril relançou a coleção. Minha filha já leu o número 1 (Leonardo da Vinci e Isaac Newton) e também gostou muito.

É um prazer indescritível vê-la rindo de coisas das quais eu ri há uns trinta anos.

E a coleção é muito boa, engraçada e rica. Apresenta diversos personagens históricos e ficcionais que passam a fazer parte do repertório das crianças. Recomendo para quem tem crianças e para quem não deixou totalmente de ser criança.











sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Quero Liberdade (cap. IX), de Rose Wilder Lane

IX

Tenho olhado para a América há anos. Passei mais de trinta anos em meu país antes; viajei por ele e morei em muitos de seus estados, mas não o havia visto. Os americanos deveriam olhar para a América. Olhem para esta terra vasta, infinitamente variada, completamente não padronizada, complexa, sutil, apaixonada, forte, fraca, bonita, inorgânica e intensamente vital.

Como pudemos nos confundir tanto pelos livros e pelo desejo de nossa mente de criar um padrão, de modo que aplicamos a estes Estados Unidos a ideologia da Europa?

Com alguma aproximação grosseira aos fatos, os europeus conseguem pensar em termos de Trabalho, Capital, Sistema e Estado. Pode-se falar em Trabalho em Paris, onde a classe trabalhadora é rigidamente separada das outras classes; na Inglaterra, onde seu próprio modo de falar, suas roupas e sua escolarização os separam; em Roma, onde os operários tem orgulho de saber que até a vida ordeira de um operário serve à Itália; e em Veneza, onde apenas o filho de um gondoleiro pode ter permissão para se tornar gondoleiro.

Capitalista é uma palavra que tem algum sentido nesses países onde, dentro de uma estrutura social apenas levemente balançada, homens com dinheiro ascenderam aos níveis mais altos antes ocupados apenas pela aristocracia. Há um sistema de lucros em que os negócios se infiltraram e substituíram o sistema feudal. O Estado é uma abreviatura para muitos fatos onde as burocracias controlam uma ordem socioeconômica regulada.

Na América, um homem trabalha, mas não é “O Trabalho”. Cem milhões de homens trabalhando não são “O Trabalho”. São cem milhões de indivíduos com cem milhões de experiências de vida, caracteres, gostos, ambições e graus de habilidade. Cada um deles, em meio às incertezas, perigos, riscos, oportunidades e catástrofes de uma sociedade livre, criou sua própria vida e seu próprio status da melhor maneira que pôde.

Um americano planta trigo, mas não é “O Plantador de Trigo”. Em cada estado desta União, homens de todas as raças e circunstâncias e mentes, por toda a variedade possível de métodos e com as mais variadas necessidades e com diversas finalidades em vista, plantam trigo. Todos eles juntos não são “O Plantador de Trigo”. Homens plantam algodão, homens plantam laranjas, homens plantam soja; eles não são “A Agricultura”.

A Agricultura”, como palavra aplicada a seres humanos, significa uma classe de homens atrelada ao solo. Não existe essa classe na América. Excetuando-se apenas a velha aristocracia fundiária do sul, que já havia desaparecido quando Lincoln nasceu, nunca houve uma classe assim neste país. Em primeiro lugar, os americanos eram jogadores, especuladores. Especulavam com terras enquanto o jogo era bom com terras. Nunca se prenderam genuinamente ao solo, a um pedaço de terra, a estes campos, a esta floresta, a este rio, a este céu, a estas estações cambiantes que se tornaram deles porque eles os amavam e sua vida estava neles. Existe “O Camponês” europeu; nunca existiu “O Camponês” americano.

Um americano era fazendeiro se esperava ganhar dinheiro sendo fazendeiro. Vendia a terra quando achava que podia ter lucro vendendo-a. Hipotecava-a, se achasse que podia comprar mais terras numa alta do mercado, ou entrar numa boa especulação com trigo, petróleo, minas, gado ou Wall Street. Num mercado em baixa, ele saía como podia e tocava um posto de gasolina, vendia carros, montava uma doceria ou um restaurante. Seu filho podia se tornar qualquer coisa, de um Dillinger1 a um Henry Ford.

Não podemos encontrar “O Capitalista”; ele não existe. Homens com as mais diversas mentes e por propósitos variados, ou por acidente ou sorte ou a habilidade de um pirata, criaram imensos negócios e organizações financeiras e lutaram para fazê-las crescer e obter delas lucros maiores. Mas tudo aqui era fluido, cambiante e incerto; nada era estático e seguro. Aqui, não havia uma classe estabelecida solidamente, disposta numa ordem social e controlando as classes mais baixas como vacas a serem ordenhadas. Não era possível capturar o controle sobre as multidões americanas porque esse controle não existia para ser capturado.

Enquanto durar nossa forma de governo, esse controle não pode existir. Cada negócio e empreendimento financeiro devem servir à multidão imprevisível de homens comuns e adaptar-se rapidamente para servir às suas demandas e desejos variáveis, amanhã e amanhã e amanhã, ou seus rivais vão se levantar do meio dessa multidão e destruí-los.

Deve-se lutar constantemente pela propriedade e defendê-la e, exatamente nessa luta, a propriedade de grandes corporações se desmanchou; tornou-se tão espalhada e difusa entre a multidão, que ninguém pode dizer onde começa ou termina, e o destino final dos lucros da indústria, se existir, não pode ser descoberto.

Os interesses econômicos se entrelaçam, o devedor também é o credor, o produtor é o consumidor, a companhia de seguros planta trigo, o fazendeiro vende a descoberto na Câmara de Comércio. Tudo se encontra indo e voltando; ninguém entende nada e qualquer descrição clara e ordeira desse caos é falsa.

Alguns milhares de homens nessa luta e confusão aparentemente possuem enormes somas de dinheiro. Mas procure o dinheiro e ele não está lá; não é uma realidade sólida; não é a propriedade tangível, não hipotecada e segura de uma classe rentista, nem a possessão de um Junker2 de vastas extensões de terras e tantas aldeias. É o poder dinâmico fluindo através de negócios e indústrias e – assim como a potência que move uma máquina – se parar, desaparece.

As vastas fortunas existem apenas como poder dinâmico e também esse poder precisa servir às multidões. A riqueza americana é composta de inúmeras correntes de poder, alimentadas por fontes pequenas e grandes, fluindo através de mecanismos que produzem grandes quantidades de bens consumidos pelas multidões. E não se pode dizer que os homens que são considerados seus donos controlem nem mesmo a riqueza que é registrada como deles, pois sua simples existência depende de satisfazer desejos caóticos e agradar gostos imprevisíveis. Fortunas criadas fabricando-se grampos de cabelo desapareceram quando as americanas cortaram o cabelo.

Alguns milhares de homens na América direcionaram fragmentos do poder econômico da melhor maneira que puderam e extraíram das correntes desse poder dinâmico tanta riqueza tangível quanto eles e suas famílias podiam consumir. Alguns extraíram enormes quantias, além da capacidade de consumo de qualquer homem, e usaram essas quantias para construir bibliotecas, hospitais, museus ou para um serviço ímpar e inestimável à música, à ciência, à saúde pública.

Muitos deles gastaram de maneira estúpida e perdulária tanto quanto puderam gastar, nos modos de vida mais luxuosos e decadentes possíveis, e esse espetáculo é revoltante. Muitas vezes, quando minhas contas e minhas dívidas se acumulavam e meus mais frenéticos esforços não eram suficientes para tirar um dólar ou alguma esperança daquele caos, de modo que era mais difícil enfrentar as noites que os dias desesperados, eu pensava naquelas mulheres cobertas de joias despreocupadamente despejando punhados de ouro nas mesas de Monte Carlo ou naqueles colares tão charmosos que valiam cem mil dólares e os casacos de pele de apenas US$ 25.000,00. Eu disse revoltante? A palavra é amena.

Já fui revolucionária de coração e não há nada que alguém me possa dizer sobre pobreza, sofrimento, injustiças, fome e as crueldades aparentemente desnecessárias que existem de costa a costa neste país. Mas ninguém mais pode me dizer que essas coisas são resultantes de um sistema capitalista, porque não existe sistema aqui.

Todos esses homens que, de diversas maneiras, com diversos objetivos e com os mais variados resultados para o bem-estar e a felicidade dos outros, lutam para direcionar os esforços dos americanos, custam caro. Custam caro porque tiram grandes somas de dinheiro de verdade das correntes do poder produtivo e despejam parte dessas somas de volta nessas correntes, quando gastam dinheiro para seus próprios objetivos individuais.

Mas se esse caos fosse substituído por um sistema, por uma ordem social tão perfeita que não existisse nenhum traço de egoísmo nela, uma ordem que funcionasse perfeitamente apenas pelo objetivo de servir ao bem comum, esses homens seriam substituídos por uma burocracia. E uma burocracia também custa caro.

A burocracia que é necessária para controlar, em detalhe e de acordo com um planejamento criado por homens que possuem o poder econômico centralizado, todos os processos de negócios, indústrias, finanças e agricultura num estado moderno é estupendamente cara.

Tal burocracia é custosa não apenas pelas folhas de pagamento sempre crescentes, mas em energia humana. Porque ela tiraria uma quantidade grande e sempre crescente de homens da atividade produtiva e os colocaria para trabalhar arduamente entre rolos de fita vermelha e massas de papel, registrando o que os outros homens fizeram ou foram talvez autorizados a fazer, ou mandados fazer.

Além disso, as burocracias são obstáculos estúpidos e morosos a toda a gama de atividades humanas, como sabe qualquer um que tenha lutado para se mover sob o peso de suas engrenagens na Europa. As burocracias freiam, impedem e adiam a realização dos desejos da multidão, porque não são obrigadas, como neste caos americano os negócios e a indústria são obrigados, a servir a esses desejos ou perecer.

http://www.libertarianismo.org/index.php/biblioteca/234-rose-wilder-lane/1074-quero-liberdade


1 Ladrão de bancos dos anos 20 e 30 (NT).
2 Membro da aristocracia rural da Prússia (NT).

sábado, 12 de janeiro de 2013

Quero Liberdade (cap. VIII), de Rose Wilder Lane

VIII

Olhe este fenômeno: os Estados Unidos da América.

Por duzentos e cinquenta anos, a Europa coloniza este continente. Como resultado, a Espanha ocupa o Golfo e as Flóridas, o México, o Texas, o Novo México, o Arizona e a Califórnia. A Rússia está no norte. A França controla os Grandes Lagos e os rios navegáveis do vale do Mississipi, o comércio de peles e as minas do Missouri. Ao longo da costa atlântica, entre a região selvagem e o mar, estão espalhadas pequenas colônias inglesas.

Nem todas as colônias se rebelam contra a Inglaterra. O Canadá permanece fiel ao Rei e, entre as outras, apenas a Virgínia e Massachusetts têm real disposição de lutar. A guerra se arrasta – uma pequena guerra de fronteira que poucos rebeldes lutam com coragem e que a Inglaterra despreza, já que seus interesses vitais estão em outro lugar. Uma expedição de canhoneiros franceses ajuda a decidir a questão. A paz é assinada, e as treze colônias sem interesse comum não sabem se devem se unir ou se tornar nações separadas.

Nesse ponto, qual pareceria ser o futuro desse continente? Parece provável que essas colônias – divididas pela religião, estrutura social e interesses econômicos, brigando entre si por questões territoriais que ameaçavam irromper em guerras – parece provável que elas prevaleceriam contra as Grandes Potências já instaladas no solo da América? Não parece que, se elas pretendem simplesmente sobreviver, tem de se unir sob um governo extremamente poderoso?

Aconteceu justamente o contrário. Os homens que se reuniram na Filadélfia para formar um governo acreditavam que todos os homens nascem livres. Fundaram este governo sobre o princípio: Todo poder ao indivíduo.

Como pode tal princípio ser encarnado num governo? Não há como fugir do fato de que qualquer governo precisa ser um homem, ou poucos, com poder sobre uma multidão de homens. Como é possível transferir o poder do governante a cada homem nessa multidão? Não é possível.

Não era apenas o problema de permitir que o homem comum tivesse alguma voz nas assembleias de seus governantes, alguma força para impedir que os governantes usassem seu poder para prejudicar ou roubar o homem comum. A intenção era realmente dar o poder de governar a cada homem comum igualmente. De maneira que, na prática, o resultado político seria o mesmo da aldeia comunista, onde cada homem tem igual poder e luta por seu interesse até que um equilíbrio satisfatório seja alcançado. O poder de governo desta nova república estaria realmente nas multidões. O homem comum governaria a si mesmo.

Mas como é possível encarnar essa intenção nos mecanismos governamentais, uma vez que qualquer governo de multidões de homens precisa ser um homem, ou poucos, com poder sobre muitos? Não é possível.

O problema foi resolvido destruindo-se o próprio poder, até o ponto em que isso foi possível. O poder foi diminuído até o mínimo irredutível.

O poder de governar foi quebrado em três fragmentos, de maneira que jamais um homem pudesse possuir todo o poder. A função de governo foi cortada em três partes, cada uma delas verificada continuamente pelas outras duas. Qualquer governante é um ser humano e, num ser humano, pensar, decidir, agir e julgar são inseparáveis. Neste governo, nenhum homem teria permissão de funcionar como um ser humano completo. Os congressistas pensariam e decidiriam; o executivo agiria; os tribunais julgariam.

E foi colocada sobre esses três poderes uma declaração escrita de princípios políticos, que seria a mais forte verificação sobre todos eles, uma limitação impessoal sobre os seres humanos falíveis que teriam permissão de usar esses fragmentos de autoridade sobre multidões de indivíduos.

Não sem motivo, os europeus clamavam que esse governo era a anarquia solta no mundo. Não sem motivo, os governos mais antigos se recusaram a reconhecê-lo. Nenhum governo pode chegar mais perto da anarquia que isso e se tornar um governo. Nunca antes multidões de homens haviam sido libertadas para agir como quisessem.

Nessa ocasião, um Congresso Continental subornado havia vendido milhões de acres de terras públicas a especuladores, reivindicadas tanto por Connecticut quanto pela Virgínia. E o primeiro Congresso dos Estados Unidos, numa chicana inescrupulosa, roubou os soldados revolucionários comuns de seu magro pagamento e colocou o dinheiro no bolso dos congressistas e dos banqueiros nova-iorquinos.

Que futuro se poderia prever para tal falta de governo, em tal situação?

Em setenta anos, no tempo de uma vida, a França e a Rússia tinham desaparecido deste continente. A Espanha tinha cedido as Flóridas, o Texas, o Novo México, o Arizona e a Califórnia. A Inglaterra foi repelida no norte. Toda a vasta extensão deste país foi coberta por uma nação, uma tumultuosa multidão de homens sob o governo mais fraco do mundo. Como isso aconteceu?

A característica da história americana é que aparentemente tudo acontece por acidente. Nada parece planejado ou pretendido. Outras nações adotam políticas e as perseguem; sua história se forma pelo choque entre essas políticas e outras políticas planejadas em outro lugar. Mas a América se move como que sem direção. Sempre, nestes Estados Unidos, o não pretendido e o não planejado acabam sendo feitos.

Pense na conquista do vasto território entre o Rio Ohio e os Grandes Lagos, entre o Mississipi e as colônias litorâneas. Um homem fez isso: George Rogers Clark. Ele emprestou dinheiro e conseguiu a maioria dos seus homens com o governador espanhol e o povo francês do Missouri e Illinois; realizou uma das mais terríveis marchas de inverno da história e capturou em Vincennes o comandante das forças britânicas no oeste. Ninguém planejou isso; ninguém exceto George Rogers Clark e seu pequeno bando sabiam que isso estava sendo feito.

Nesse único golpe independente, um americano livre e empreendedor destruiu um plano que havia sido cuidadosamente amadurecido por dois anos em Londres e no Canadá. Levou os Estados Unidos até o Mississipi. E nem a Assembleia da Virgínia nem o Congresso dos Estados Unidos jamais pagaram os títulos que ele emitiu em St. Louis para os suprimentos militares que usou. Esses títulos não foram pagos; George Rogers Clark estava arruinado, o governador espanhol estava arruinado, os comerciantes de peles de St. Louis tiveram um prejuízo gigantesco e uma grande casa de comércio de peles faliu, porque os títulos não foram pagos. Mas o território noroeste era dos Estados Unidos.

Pense na colonização do Kentucky. A Companhia de Terras Henderson a fez. O governo desejava restringir e controlar a colonização do oeste; avançava rápido demais, era sem lei demais, ameaçava causar rebeliões contra os Estados Unidos e problemas com a Espanha. Qualquer homem inteligente no poder a teria impedido. Mas não havia nenhum homem no poder, porque não havia nenhum poder que um homem pudesse usar. E o juiz Henderson viu uma chance de enriquecer.

Ele vendeu a terra do Kentucky a crédito para os colonos e teria enriquecido se eles pagassem. Não pagaram; expulsaram a bala os cobradores das prestações. A Companhia de Terras Henderson faliu na depressão da década de 1790. Mas o Kentucky foi colonizado.

Pense na Compra da Louisiana, que levou os Estados Unidos do Mississipi até as Montanhas Rochosas. Ninguém tinha a intenção de comprar aquelas terras. Todos viam o Mississipi como a fronteira permanente dos Estados Unidos. O grande rio era um limite geográfico natural.

Como previsto, entretanto, o Kentucky estava dando problemas. Aqueles colonos ocidentais ameaçavam juntar-se à Espanha, que dominava o Golfo e os mantinha sem acesso a um porto marítimo. Jefferson percebeu que todo o Oeste – ou seja, a metade oriental do vale do Mississipi – seria perdido, a não ser que os Estados Unidos conseguissem um porto para o Golfo. Tudo que ele queria era um porto, só uma pequena baía.

Dois delegados americanos em Paris, sem nenhuma autoridade para fazê-lo, compraram a Louisiana inteira de Napoleão. Pertencia à Espanha, mas Napoleão a vendeu; seu exército poderia resolver a questão com a Espanha. E os dois americanos compraram, pagando quinze milhões de dólares por ela. Jefferson ficou horrorizado quando soube. Ficou a um passo de rejeitar o negócio.

Pense na questão vital da escravidão. Em todos os outros lugares no mundo ocidental, a escravidão foi abolida por uma legislação debatida e bem analisada. Todas as vezes que a questão foi apresentada aos americanos, uma maioria esmagadora votou contra a abolição.

Então, Lincoln foi eleito com uma plataforma que prometia terras de graça e uma estrada de ferro para o Pacífico. Uma antiga disputa sobre a divisão de poder entre os governos estaduais e o governo federal acabou provocando uma guerra que vinha sendo evitada havia meio século e, como medida de guerra, a escravidão foi abolida.

Ninguém pretendia expulsar os índios do Meio Oeste. De novo e de novo, de boa fé, os tratados dos Estados Unidos estabeleciam para sempre as tribos indígenas como estados-tampão permanentes. Era uma política racional, baseada em todas as probabilidades futuras que podiam ser vislumbradas na ocasião. De novo e de novo, tropas federais despejavam colonos brancos das terras garantidas aos índios pelos tratados. Mas não havia controle sobre o individualismo e os índios desapareceram.

A Califórnia foi arrancada do México numa aventura pessoal clandestina do general Fremont, com a conivência do senador Benton, do Missouri, que mandou dizer a ele que se movesse rápido antes que fosse impedido de continuar. Aconteceu numa época em que ninguém sonhava que houvesse ouro no pé daquelas colinas e os homens previdentes sabiam que o solo da Califórnia não tinha valor porque os Estados Unidos já tinham muito mais terras do que os americanos podiam usar e, nos séculos futuros, a população da costa do Pacífico não seria grande o bastante para se tornar um mercado para os produtos agrícolas.

Insuflados pela propaganda privada e egoísta e inspirados por ideais democráticos, os americanos se lançaram numa guerra para libertar Cuba da tirania imperial da Espanha e descobriram que estavam lutando contra os filipinos para impedi-los de se libertarem. Assim, os Estados Unidos se tornaram um império e uma potência mundial.

Esses exemplos se multiplicam às centenas, aos milhares. Em qualquer ponto da história americana que se olhe, eles estão lá. Não há plano, intenção, política fixa em parte alguma; é a anarquia, o caos. É o individualismo. Em menos de um século, criou nossa América.http://www.libertarianismo.org/index.php/biblioteca/234-rose-wilder-lane/1074-quero-liberdade

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Quero Liberdade (cap. VII), de Rose Wilder Lane


VII

Para cada um de nós, a resposta a essa pergunta é pessoal. Mas a resposta final não pode ser pessoal, já que a liberdade individual de escolha e de ação não pode existir por muito tempo, a não ser em meio a uma multidão de indivíduos que a escolheram e que estão dispostos a pagar por ela.


Multidões de seres humanos não o farão, a menos que sua liberdade valha mais do que custa, não apenas em valor para sua alma, mas também em termos de bem-estar geral e de futuro de seu país, o que significa bem-estar e futuro de seus filhos.

O teste do valor da liberdade pessoal, portanto, só pode ser o resultado prático dessa liberdade num país cujas instituições e modo de vida e de pensamento se desenvolveram a partir do individualismo. Só existe um país assim: os Estados Unidos da América.

Aqui, num continente novo, povos sem tradição comum fundaram esta república, baseada nos direitos do indivíduo. Este país foi o único no mundo ocidental com esta característica: foi colonizado por europeus do noroeste e sua cultura é predominantemente a deles. Para eles, a ideia de liberdade individual surgiu na história do mundo como um princípio político.

Se você pensar bem, é um fato estranho. Por que este território se tornou americano? Como aconteceu de aqueles colonos britânicos libertados da Inglaterra se espalharem por metade deste continente?

Os espanhóis estavam no Missouri antes que os ingleses chegassem à Virgínia ou a Massachusetts. Colônias francesas já eram antigas em Illinois. Minas francesas no Missouri forneciam balas para todo o mundo ocidental. Havia entrepostos comerciais franceses no Arkansas, meio século antes de os fazendeiros atirarem nos soldados britânicos em Lexington.

Por que os americanos, ao avançarem para o oeste, não encontraram um país povoado, uma colônia vigorosa para protestar na França contra a venda da Louisiana?

Este é um fato importante: os americanos eram os únicos colonos que construíam suas casas distantes umas das outras, cada um em sua terra. A América é o único país que já vi em que fazendeiros não vivem hoje em dia em aldeias agrupadas, seguras e fechadas. É o único país que conheço onde cada pessoa não sente uma solidariedade permanente, essencial a certa classe e a certo grupo dentro dessa classe. Os primeiros americanos vieram desses grupos na Europa, mas vieram porque eram indivíduos que se rebelavam contra os grupos. Cada um construiu sua casa do seu jeito, longe dos outros, no meio do mato da América. Isso é individualismo.

A diversidade natural dos seres humanos e a tendência natural do homem de avançar para o futuro como um explorador que descobre seu caminho foram libertadas naquelas colônias inglesas na costa atlântica. Homens das ilhas britânicas se precipitavam tão avidamente para a liberdade que o Parlamento e o Rei decidiram não abrir mais terra nenhuma para colonização; as estatísticas da época provam claramente que uma expansão das colônias americanas para o oeste teria despovoado a Inglaterra.

De qualquer maneira, antes que o chá fosse jogado ao mar no porto de Boston, os colonos sem lei haviam penetrado os picos e vales dos Apalaches e exploravam as terras proibidas além deles.

Ninguém planejou que esses jovens Estados Unidos algum dia cobririam metade do continente. O pensamento de Nova York e Washington estava muito aquém desse surto. Foram as energias liberadas dos indivíduos que se despejaram na direção oeste numa velocidade nunca imaginada, varrendo do mapa e subjugando assentamentos de povos mais coesos e alcançando o Pacífico no tempo em que Jefferson achou que levaria para colonizar Ohio.

Não tenho ilusões sobre os pioneiros. Meu próprio povo, por oito gerações, foi de pioneiros americanos. Quando criança, se eu recordasse com orgulho demais uma ancestralidade mais velha que Plymouth, minha mãe me lembraria de um tio-bisavô preso por roubar uma vaca.

Os pioneiros não eram, de maneira nenhuma, os melhores da Europa. Em geral, eram desordeiros das classes mais baixas. A Europa ficou feliz em se livrar deles. Não trouxeram grande inteligência ou cultura. Seu maior desejo era fazer o que bem entendessem e não eram idealistas. Quando não podiam pagar suas dívidas, fugiam de um dia para outro. Quando suas maneiras, hábitos pessoais ou opiniões normalmente ignorantes e expressas em voz alta ofendiam os bem-nascidos, comentavam: “É um país livre, né?” Uma frase que usavam bastante era “livre e independente”. Também diziam: “Vou experimentar cada coisa uma vez” e “Claro, vou arriscar a sorte!”.

Eram especuladores desenfreados; jogavam com terra, peles, madeira, canais e assentamentos. Vendiam cidades inteiras que ainda não existiam e que, na maioria das vezes, nunca se materializavam. Eram camponeses ignorantes, exploradores, professores e advogados autodidatas, políticos fanfarrões, impressores, lenhadores, ladrões de cavalos e de gado.

Cada um estava lá para conseguir o que pudesse para si mesmo e que o diabo levasse quem vinha atrás. Em qualquer situação de adversidade, era cada um por si; havia piedade humana e bondade, mas nem sinal de espírito de comunidade. O pioneiro tinha um senso para os cavalos, um senso para as cartas e um senso de dinheiro, mas nem uma partícula de senso social. Os pioneiros eram individualistas. E aguentaram o tranco.

Esse era o material humano da América. Não é o que se escolheria para fazer uma nação ou um caráter nacional admirável. E os americanos de hoje são o povo mais descuidado e sem lei que existe. Também somos o povo mais imaginativo, mais temperamental e mais infinitamente variado. Somos o povo mais bondoso da terra; bons uns com os outros todos os dias e reagimos com solidariedade a qualquer rumor de desgraça. É só na América que os carros param para emprestar um macaco a um estranho. Só os americanos fizeram milhões de pequenos sacrifícios pessoais para despejar prosperidade em todo o mundo, aliviando o sofrimento em lugares tão distantes como a Armênia e o Japão.

Em toda parte, em lojas, ruas, fábricas, elevadores, estradas e fazendas, os americanos são o povo mais amigável e cortês. Existe mais riso e mais música na América que em qualquer outro lugar. São alguns dos valores humanos que nasceram do individualismo enquanto o individualismo criava esta nação.

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