sábado, 29 de setembro de 2012

Inteligência, segundo Ayn Rand

Inteligência é a faculdade de lidar com uma ampla gama de abstrações. Qualquer que seja o dom natural de uma criança, o uso da inteligência é uma habilidade adquirida. Tem de ser adquirido pelo esforço próprio da criança e automatizado por sua própria mente, mas os adultos podem ajudá-la ou atrapalhá-la neste processo crucial.

http://aynrandlexicon.com/lexicon/intelligence.html

sábado, 22 de setembro de 2012

Burke e Paine - IV


Thomas Paine planejava escrever sobre a Revolução Francesa. Queria produzir uma obra que fosse, para os franceses, como Senso Comum foi para os americanos. Esse livro nunca foi escrito. Mas Reflexões sobre a Revolução na França lhe deu a oportunidade e o entusiasmo de expressar suas ideias revolucionárias para o povo inglês.



Embora Direitos do Homem se apresente como uma resposta a Reflexões (seu subtítulo é Resposta ao Ataque do Sr. Burke à Revolução Francesa), Paine não se deu ao trabalho de ler atentamente o livro de Edmund Burke. Em diversas passagens, Paine cita Reflexões erroneamente, demonstrando que não entendeu o argumento de seu adversário. Como muitos revolucionários, ele acreditava que quem não concordasse com suas ideias era evidentemente mau e perverso e seus argumentos não mereceriam maior atenção. Ajudou a espalhar o boato de que Burke havia sido comprado pelo governo inglês, escrevendo em troca de uma pensão.

A Revolução Francesa, para Paine, era algo muito simples. Um governo baseado nos princípios errados foi substituído por outro baseado nos princípios corretos. A Assembleia Nacional encarnava a razão e o iluminismo. Quem se opusesse a ela era um inimigo da razão.

Imaginando os homens vivendo antes do surgimento da sociedade, Paine começa chamando de "direitos" as faculdades inerentes ao ser humano, seu poder de ação. Em seguida, ele diz que a sociedade amplia os direitos do homem. Na verdade, se vivendo isolado um homem teria direitos ilimitados, ao fazer parte de uma sociedade, seus direitos são limitados pelos direitos dos outros. O poder da sociedade é maior que a soma do poder dos indivíduos isolados e isso dá aos membros da sociedade vantagens e benefícios.  O raciocínio simplificador e abstrato de Paine é o exemplo perfeito do que Burke criticava.

Os objetivos de Direitos do Homem são basicamente: 1) afirmar que nenhum governo é legítimo se não tiver como base o consentimento dos cidadãos; e 2) limitar a competência do governo em se imiscuir em questões de opinião e consciência dos indivíduos. Ele tem razão nessas afirmações.

Paine também afirma que o Estado deve garantir determinados benefícios aos cidadãos. Seu ponto de vista é uma antecipação do Estado de Bem-Estar Social.

Ele ataca a Monarquia, a nobreza, a ligação entre Igreja e Estado, a origem da dinastia inglesa. Em todos esses pontos, ele está correto.

Em resumo, a intenção de Paine não é exatamente responder a Edmund Burke. O que ele queria realmente era ser reconhecido como um autor revolucionário. Ele não compreende a argumentação de Reflexões. Portanto, não a refuta. Simplesmente, trata seu adversário como um renegado. Isso não impede que, em muitos pontos, Paine defenda a ideia correta com argumentos simplistas e Burke a errada com argumentos profundamente elaborados, meditados e fundamentados.





quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Burke e Paine - III




Edmund Burke tem razão ao dizer que não houve um "contrato social" original para criar a sociedade ou o estado. Faz sentido afirmar que a sociedade e o estado são realidades naturais anteriores à História. A sociedade é um bem, promove a proteção e o bem-estar de seus membros. Para existir, precisa de regras e precisa ser defendida. Essas regras não podem ficar simplesmente à mercê das maiorias ocasionais.


O raciocínio de Burke sobre o valor de instituições antigas é correto, mas não pode ser um critério absoluto. Existem instituições antigas que são absurdas, destestáveis e devem ser abolidas. Por exemplo, a pena de morte. Ele tem razão em desconfiar de fórmulas que nunca foram testadas em nenhum lugar ou baseadas simplesmente na razão abstrata, mas existem casos em que instituições criadas assim funcionaram de maneira surpreendente.

Concordo que a razão humana é limitada e imperfeita e que temos que recorrer também à paixão, aos sentimentos naturais, ao diálogo e à experiência para auxiliá-la.

O Estado deve ser defendido de ataques irresponsáveis, mas o cidadão deve ser defendido do Estado. A doutrina de "Direitos do Homem" pode mesmo ser usada para contestar qualquer governo, mas os governos precisam ser contidos. Para haver a liberdade pessoal, que Burke prezava, é necessário haver uma área em torno do indivíduo que o Estado seja obrigado a respeitar.

Várias conclusões de Burke são difíceis até de entender em nosso tempo, quanto mais de aceitar. A relação entre governantes e governados não deve ter por base os valores da cavalaria, mas é necessário que haja decoro. O governo hereditário é algo que não faz nenhum sentido hoje, assim como a ligação entre Igreja e Estado e a existência de uma aristocracia. Porém, concordo que é mais importante que sejam respeitados os verdadeiros direitos do homem, como Burke os chama, que a forma como é escolhido um governante. Seria melhor viver numa monarquia absolutista que garantisse o império da lei, a justiça, a propriedade e a liberdade pessoal, que em uma Venezuela de Chávez, com eleições e sem o respeito a esses direitos.

domingo, 16 de setembro de 2012

Burke e Paine - II



Continuo lendo Burke, Paine, and the Rights of Man - A difference of political opinion, de R. R. Fennessy. Passei pelo capítulo em que Fennessy analisa aspectos do livro de Edmund Burke, Reflexões sobre a Revolução na França.

Reflexões é uma resposta ao discurso proferido pelo Reverendo Richard Price num evento da Revolution Society. Na ocasião, o Dr. Price elogiou a Revolução Francesa e a comparou à Revolução Gloriosa, ocorrida em 1688, na Inglaterra.

O livro de Burke tem a forma de uma longa carta a um jovem francês chamado Depont. Depont havia escrito a Burke pedindo sua opinião sobre a Revolução. Na ocasião, Burke respondeu de maneira política e evasiva, expressando algumas dúvidas, mas sem desaprovar expressamente o que seu amigo esperava que ele elogiasse. O recurso literário de escrever em forma de uma carta a um estrangeiro permitiu que Burke atingisse diversos objetivos. Ele acreditava que os ingleses de sua época não entendiam bem a Constituição da Inglaterra. Fingindo explicá-la a um francês, podia iluminar seus compatriotas sobre suas virtudes. Podia expor suas próprias ideias como sendo típicas do sistema político inglês. Podia representar seus adversários como defensores de pontos de vista inconstitucionais e opostos aos valores ingleses. Por último, quis estimular o sentimento nacional, elogiando continuamente a superioridade da Constituição inglesa.

Burke critica a doutrina de "Direitos do Homem" encarnada na Revolução Francesa. Em primeiro lugar, ele discorda da ideia de "contrato social" como um evento ocorrido em um momento distante no tempo, em que os homens, de comum acordo, resolveram estabelecer um governo e passaram a viver em sociedade. Se assim fosse, a sociedade seria o resultado de um acordo entre pessoas e poderia ser modificada livremente pela simples vontade de uma maioria. Para Burke, se existiu originalmente esse evento, ele não é relevante para o que ocorreu depois que a sociedade foi estabelecida. As regras que mantém a sociedade coesa são permanentes, não estão submetidas à vontade das maiorias. Burke acredita que existe uma relação moral entre os homens, que é a verdadeira base da vida em sociedade. As instituições humanas encarnam essa relação moral. Essas instituições podem ser imperfeitas e devem evoluir com o tempo. Porém, destruí-las simplesmente ou reformá-las radicalmente significa jogar fora o esforço das gerações passadas que as construíram, sem que seja possível colocar rapidamente no lugar algo que possa substituí-las.

Para Burke, o Estado é tanto "natural", como "artificial". É "artificial" porque todas as instituições que o compõem são criações humanas. É "natural" porque todos os homens nascem vivendo em sociedade e as obras humanas fazem parte da natureza, uma vez que o homem também é parte da natureza. O Estado é um acordo, uma parceria, entre os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram. Protegê-lo é tarefa de todos. Burke acredita que o Estado deve ser defendido contra ataques irresponsáveis e até mesmo contra um escrutínio demasiadamente crítico.

Para Burke, a doutrina de "Direitos do Homem" poderia ser usada para contestar qualquer governo, o que ele considera um mal. Aos "Direitos do Homem" abstratos, imaginados pelos revolucionários, contrapõe o que chama de verdadeiros direitos do homem. São eles, entre outros, o direito ao império da lei, à justiça, à segurança da propriedade e da herança, à educação, à religião, à liberdade pessoal e aos benefícios gerados pela vida em sociedade. É uma questão complexa combinar a liberdade pessoal com o império da lei. Burke afirma que a vontade da maioria NÃO É a lei. Os governantes, eleitos ou não, têm o dever de agir no interesse do povo. Não devem necessariamente obedecer o povo, mas devem levar em consideração o que as pessoas pensam. No sistema inglês, existiria uma influência importante dos sentimentos da cavalaria. Os governantes devem agir conscientes de suas obrigações para com o povo, de seu dever e com cortesia. O povo deve ter para com os governantes sentimentos de respeito, devoção e lealdade. Os verdadeiros direitos do homem, para Burke, constituem o que um indivíduo tem como obrigação com todos os outros indivíduos em virtude da lei natural. Para uma determinação precisa de um direito em particular, seria necessário recorrer a regras, convenções, costumes e ao direito positivo.

Como conservador, Burke acredita que mudanças e reformas podem ser desejáveis e necessárias. Mas não deve ser muito fácil fazê-las. Ele acredita que a aristocracia produz bons governantes, defende ardorosamente o direito de propriedade e vê um valor político na religião.

Boa parte do argumento de Burke consiste em rejeitar o que ele chama de pensamento "metafísico" em política. Ele usa a palavra "metafísica" de maneira pejorativa ao longo do livro, no sentido de raciocínios individuais abstratos aplicados a solução de problemas políticos concretos. Em primeiro lugar, ele entende que a realidade é mais complexa que qualquer teoria e as particularidades de cada situação não podem ser ignoradas. Muitas vezes, quando mais sutil e elaborado é um raciocínio abstrato, mais inadequado à situação concreta. Burke também acha que a razão humana é imperfeita e que o ser humano possui outros recursos para corrigi-la: a paixão, os sentimentos naturais, o diálogo e a ação. Para resolver um problema abstrato, a razão procura simplificá-lo. Para resolver um problema político, é necessário que a solução seja tão abrangente quanto possível. O pensador que utiliza a razão num problema político ou social deve ter em mente que ele também é parte da sociedade. Por isso, alguns aspectos do problema podem escapar a sua percepção. Além disso, o pensador tem a responsabilidade de não minar as fundações da sociedade a que pertence. Para Burke, o pensamento "metafísico" leva a discussões intermináveis e inconclusivas e é irrelevante para a solução de problemas políticos concretos. Ele considera que "igualdade" e "direitos do homem" são exemplos típicos de ideias abstratas aplicadas indevidamente. O direito de autodeterminação também seria uma abstração falsa e particularmente perigosa, porque pode ser invocado para contestar qualquer governo, bom ou mau, legítimo ou ilegítimo, justo ou injusto.

Fennessy termina o capítulo criticando alguns pontos que Burke ignora em sua argumentação. Havia, de fato, uma demanda muito forte por mudanças radicais na França. O governo monárquico não deu nenhuma resposta aceitável a essa demanda. Houve muitos esforços para reformar o sistema de maneira mais suave e controlada, mas sem sucesso. A nobreza e o alto clero resistiram encarniçadamente a abrir mão de privilégios. Todos esses fatores podem ter contribuído para a Revolução tanto quanto o pensamento que Burke chama de "metafísico". Segundo Fennessy, Burke parece esquecer que também houve transformações violentas no governo da Inglaterra, com um rei tendo sido decapitado no século XVII, por exemplo. Ele nunca menciona que pode haver desvantagens em uma religião estabelecida pelo estado e não considera o problema dos opositores de consciência. Além disso, Fennessy menciona que Burke procura organizar o pensamento de seus adversários segundo seus critérios, criando um sistema de pensamento que seus opositores não reconheceriam como sendo deles. Ou seja, Burke faz uso da falácia do espantalho.

Vou expor minha opinião sobre esses pontos em outro post.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A Queda, de Diogo Mainardi


Li, de uma tacada, A Queda - As memórias de um pai em 424 passos, de Diogo Mainardi. No dia em que comprei, fui dar uma folheada e parei na página 37. Não conseguia largar o livro. Três dias depois, peguei outra vez e só parei quando terminei.

O texto é muito forte, contundente, visceral. Mescla o depoimento pessoal carregado de emoção a referências históricas e culturais, distanciadas e irônicas, eruditas e chocantes.

Veneza é um personagem central do livro. Tito nasceu em Veneza, num hospital que funciona onde foi a Scuola Grande di San Marco, arquitetada por Pietro Lombardi, em 1489. Há muitas referências a Pietro Lombardi, a outros prédios de Veneza, ao jogo Assassin's Creed (que se passa em Veneza), a Marcel Proust (Veneza tem um papel importante no final de seu Em Busca do Tempo Perdido), a John Ruskin (que escreveu As Pedras de Veneza). Outro personagem central é a deformação física, especialmente por paralisia cerebral. Ele fala sobre o músico Neil Young, que tem dois filhos com paralisia, sobre a comediante Francesca Martinez e o escritor Christy Brown, portadores de paralisia, sobre o autor Giacomo Leopardi, deficiente físico, sobre Ricardo III que, segundo Shakespeare, tinha "uma perna menor do que a outra", membros "mirrados como ramos secos", uma corcunda "igual a uma montanha" e era "desproporcional em todas as partes do corpo".

Há alguns capítulos sobre o nazismo, a política de extermínio de deficientes físicos e as experiências macabras de Josef Mengele.

E, em meio a tudo isso, a história de Tito. O drama do parto, os primeiros sintomas da doença aos seis meses de idade, suas dificuldades, suas superações. Muitas visitas a diferentes médicos que deram os mais diversos prognósticos e recomendações. A vitória na justiça italiana no processo contra o hospital.

Reproduzo abaixo dois capítulos.



82

Passei o dia na UTI.

Acariciei o rosto de Tito. Ele permaneceu morto. Acariciei o peito de Tito. Ele permaneceu morto. Acariciei a perna de Tito. Ele permaneceu morto. Acariciei as costas de Tito. No momento em que acariciei suas costas, deu-se o inesperado. Subitamente, ele contorceu o corpo e arqueou a coluna.

Tito ressucitou.

Chorei por meia hora. Depois de ter chorado por meia hora, chorei por uma hora. Depois de ter chorado por uma hora, chorei por duas horas.



119

Agora estamos na praia da Enseada, em Bertioga.

Em 7 de fevereiro de 1972*, entrando no mar, na praia da Enseada, Josef Mengele teve um derrame cerebral e morreu.

Vim até aqui, com meus filhos Tito e Nico, seguindo o rastro de Josef Mengele. Quero entrar no mar em que ele morreu. Quero tripudiar sobre seu cadáver. Quero comemorar o valor da vida de um filho inválido.

Sou o Simon Wiesenthal da paralisia cerebral.

Josef Mengele está morto. Tito está vivo.



* Mengele, na verdade, morreu em 7 de fevereiro de 1979.

sábado, 1 de setembro de 2012

Burke e Paine - I


Estou lendo um livraço, recomendado pelo João Pereira Coutinho: Burke, Paine, and the Rights of Man - A difference of political opinion, de R. R. Fennessy. O livro foi publicado em 1963 e, aparentemente, está esgotado. Porém, consegui comprar um exemplar barato e novíssimo de um antiquário na Holanda (www.keerkring.com). Tenho a impressão de que eles continuam publicando esse livro.

O assunto é a famosa controvérsia entre o conservador Edmund Burke e o libertário Thomas Paine.

Um ano após o início da Revolução, Burke, assustado com o rumo dos acontecimentos na França, publicou Reflexões sobre a Revolução na França. Ao contrário do que indica o título, o livro não é uma análise distanciada e serena dos fatos históricos. É uma crítica contundente e apaixonada à ideia de que é possível, a partir da razão abstrata, projetar um novo tipo de sociedade e subverter a sociedade pré-existente. Burke previu, muito antes da execução de Luís XVI, do Terror e de Napoleão, que a França seria submetida a repressão e violência cada vez maiores, podendo culminar num governo militar.

Imediatamente, diversos autores escreveram diversos livros contestando Burke. A resposta mais popular e mais feroz é Direitos do Homem, de Thomas Paine. Paine havia se tornado mundialmente conhecido por escrever Senso Comum, no início de 1776. Esse best-seller conclamava os americanos a declararem indepedência e foi um catalisador das opiniões nas colônias, contribuindo decisivamente para que a decisão de se separar da Grã-Bretanha fosse tomada.

Ainda vou escrever outros posts com mais comentários sobre o livro.