domingo, 26 de julho de 2015

Por Trás da Máscara, de Flavio Morgenstern

Para mim, o melhor livro do ano é, sem dúvida, Por Trás da Máscara, de Flavio Morgenstern. Sou amigo e grande admirador do Flavio. Encontrei-o pela primeira vez no lançamento do Guia Politicamente Incorreto da América Latina, de Leandro Narloch e Duda Teixeira, em 2011. Abordei-o na fila. Flavio disse que não costumava ser reconhecido em filas. Muita coisa mudou de 2011 para cá.

Estivemos juntos contra os comunistas que impediram que Yoani Sanchez falasse, em fevereiro de 2013. Estivemos juntos na manifestação de 15 de março contra Dilma. Estivemos juntos em inúmeros eventos em livrarias. Gosto muito de seu estilo e da sua técnica de esgotar os argumentos sobre o assunto de que trata. Invejo sua capacidade de produzir e seu talento. OK, ele é são-paulino. Ninguém é perfeito.

Li Por Trás da Máscara com o mesmo prazer com que aprecio seus artigos. Trata-se, na verdade, de um artigo um pouco mais longo que o habitual. Mas essas quase 600 páginas são sucintas demais.

O mês de junho de 2013 foi particularmente doloroso para mim. Meu pai sofreu um acidente em 31 de maio e faleceu em 2 de julho de 2013. Não pude prestar muita atenção nas manifestações, embora tenha sofrido as conseqüências delas, como todo mundo. Enquanto lia o livro, procurava relembrar o que fiz em cada um daqueles momentos. O detalhismo do Flavio compõe com clareza cada evento daqueles dias conturbados.

O livro começa analisando o que foi o Occupy Wall Street, o movimento de protesto que se instalou no Parque Zuccotti, em Nova York, entre 17 de setembro e 15 de novembro de 2011. A partir de um grupo inicialmente pequeno, composto exclusivamente por militantes, o protesto cresceu enormemente por causa de uma mentira, o boato plantado por um dos organizadores de que haveria um show do Radio Head no parque. Com uma quantidade suficiente de pessoas, realizou-se um ato de caos planejado, a marcha na ponte do Brooklin, que isolou a ilha de Manhattan do restante da cidade. Apesar dos esforços da polícia de evitar ao máximo o enfrentamento, o movimento acabou conseguindo o que queria: imagens de confronto entre policiais e manifestantes. Manipulando as narrativas, conquistou o apoio popular e permaneceu perturbando os cidadãos nova-iorquinos por dois meses. A tática era não declarar qual era sua pauta, quais os seus objetivos. Funcionou.

O principal argumento para o uso da força para desalojar os acampamentos foi a sujeira que produziram. Os manifestantes defecavam em todos os lugares…

Flavio expõe as origens do Movimento Passe Livre, formado por militantes do partidos de extrema esquerda: PSTU, PSOL, PCO e PCB, informação que não se acha na imprensa. Esses grupos não precisam de uma pauta de reivindicações, mas de pretextos para protestar e adquirir poder, forçando o aumento do papel do Estado em supostamente resolver problemas reais ou inventados. Qualquer coisa serve: racismo, ciclo ativismo, LGBTXYZ, liberação da maconha, o que for. Os transportes são um grave problema real das cidades brasileiras e se encaixaram perfeitamente nas necessidades dos militantes extremistas.

A dinâmica das manifestações é descrita com todos os detalhes relevantes. Desde os primeiros atos, houve um grau de violência assustador por parte dos militantes, o que colocou a imprensa e a população contra eles, num primeiro momento. Então, aproveitando-se de alguns erros cometidos pela polícia, exatamente como aconteceu em Nova York, os organizadores conseguiram atrair a simpatia da opinião pública, explorando imagens de confrontos. As pessoas naturalmente tendem a dar razão a quem parece mais fraco.

Flavio lembra de alguns cartazes dos manifestantes, como “Me chama de Copa e investe em mim!”, “Pelo fim do funk alto no busão”, “Só paramos quando o Kinder Ovo voltar a ser R$1,00” e “Vendo Palio 98”. O mais simbólico de todos foi “The jiripoca is going to pew-pew”. São frases auto-referentes que não dizem nada, só expressam o vazio de idéias dos protestos. Flavio propõe mais algumas: “Estou aqui pela mesma coisa do cara do meu lado”, “Piquet foi melhor do que Senna”, “Subsidiem o que eu gosto, proíbam o que eu não gosto” e outras 18 que você encontra no livro.

Um evento chama a atenção na narrativa: a invasão do prédio do Itamaraty, em 20 de junho. Uma multidão havia cercado o Congresso Nacional. De lá, passou pelo Palácio do Planalto e pelo Ministério da Justiça e seguiu, direcionada por empurrões estratégicos, para o Ministério das Relações Exteriores. A segurança desse prédio não é feita por policiais, mas pela Marinha. Os organizadores queriam um confronto contra as Forças Armadas. Diz Flavio Morgenstern:
“Se um único agente das Forças Armadas fosse flagrado dando um croque na cabeça de um manifestante, qual seria a narrativa nos jornais do dia seguinte? Algo melhor do que ‘Exército vai às ruas para reprimir manifestação pacífica’? Nosso país poderia ter-se tornado completamente diferente caso apenas um vidro a mais fosse quebrado. O primeiro que conseguisse se apresentar como liderança do protesto, então, conseguiria ter poderes muito maiores do que os outorgados pelo AI-5.”

Foi esse o risco que corremos em junho de 2013.

O último capítulo trata do assassinato do jornalista Santiago Andrade, atingido por um rojão disparado por dois black blockers, em fevereiro de 2014. Houve muitas mortes causadas pelos protestos, mas essa foi a primeira que claramente partiu dos manifestantes. 

Além da narrativa precisa e da análise das causas e conseqüências do movimento, o leitor é brindado com explicações preciosas sobre o pensamento de Elias Canetti, Ortega y Gasset, Eric Hoffer, Ayn Rand, Kuehnelt-Leddihn, sobre a experiência Milgram e sobre a oposição entre os significados originais das palavras democracia e república. Só esses trechos já valeriam o livro.

Senti falta de uma bibliografia no final. Também seria muito útil um índice onomástico (que imagino que aumentaria muito o número de páginas e talvez o custo do livro).

É curioso que, embora tenha sido publicado agora em 2015, o texto certamente estava pronto há mais ou menos um ano. Não há menção aos protestos contra Dilma, que começaram em 1º de novembro de 2014.

Já tem o seu? Não? O que está esperando? Corra para comprar Por Trás da Máscara!

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Ebenezer Fox, veterano da Revolução Americana


Esta resenha é sobre um livro realmente antigo. Tomei conhecimento dele porque é citado por Rose Wilder Lane em The Discovery of Freedom. The Adventures of Ebenezer Fox in the Revolutionary War foi escrito em 1838, quando seu autor tinha 75 anos. Seus netos sempre perguntavam sobre as histórias que ele viveu no tempo da guerra de independência dos Estados Unidos. Ebenezer Fox resolveu colocá-las no papel para poder passar mais facilmente a eles essas experiências. Não imaginou que tomariam a forma de um livro.

Não é um texto muito longo. São 240 páginas de uma leitura agradabilíssima. Encontrei de graça na Play Store. Existe em outros lugares para download e foi publicado recentemente em papel, em edições fac-similares (ISBN 978-1-230-43194-9 e 978-1-4076-8914-2).

Quando Ebenezer tinha sete anos, seu pai decidiu que já era tempo para ele se sustentar sozinho e arranjou-lhe um emprego na casa de um fazendeiro. O menino ficou trabalhando lá por cinco anos. Achando que estava sendo explorado, resolveu deixar a cidade, em Massachussets, e procurar trabalho em um navio. Juntou o que pôde para essa aventura, alguns alimentos e cinqüenta centavos de dólar e fugiu junto com um amigo, na noite de 18 de abril de 1775. Poucas horas depois de sua fuga, muito perto de onde ele morava, foi lutada a Batalha de Lexington, que deu início à Revolução Americana.

Conseguiu emprego em um navio mercante e viajou até Santo Domingo, onde o capitão comprou uma carga de café. Voltando para Boston, já bem próximos da costa, foram abordados por um navio inglês. O capitão se entregou e Ebenezer e seus companheiros marinheiros pularam e nadaram até a praia. Por algum tempo, voltou para a casa de seus pais.

Um combate naval
Foi para a guerra mais duas vezes, como voluntário. Seu patrão, que era barbeiro, foi convocado para lutar e Ebenezer se ofereceu para substituí-lo. Alistou-se em um navio e participou de alguns combates, muito bem descritos no livro. Foi capturado e ficou talvez dois anos prisioneiro dos ingleses. Parte desse tempo, ficou no navio-prisão Jersey, em condições muito duras. Cerca de oito mil rebeldes americanos morreram nessa masmorra flutuante na vizinhança de Nova York, que acabou afundada ao final da guerra.

Foi levado para a Jamaica. De lá, no episódio mais interessante da narrativa, fugiu de barco para Cuba, junto com outros quatro companheiros, três americanos e um irlandês.

Salta à vista, ao longo do livro, a grande pobreza em que viviam os americanos na época da Independência. Foram mesmo esses colonos subdesenvolvidos e caipiras que lutaram contra o maior império militar e naval de sua época e venceram? Também vemos a crueldade do colonizador e a indignação e a revolta que essa opressão criou. É difícil de acreditar na situação desumana em que eram mantidos os prisioneiros do Jersey.

O infame navio-prisão Jersey
Também achei surpreendente a qualidade do texto e da linguagem de Ebenezer Fox, que parece não ter tido grande educação formal. O arquivo da Play Store foi digitalizado a partir de uma edição de 1847. Ao contrário do que acontece com a maioria dos livros recém-lançados que compro, não achei um erro de ortografia ou de gramática. Há belas ilustrações por todo o volume.

Ebenezer aproveita que está escrevendo para pedir a seus ex-companheiros de infortúnios que o procurem, caso ainda estejam vivos. Ele nunca mais soube nada do garoto que o acompanhou na fuga aos 12 anos, ou dos companheiros da viagem da Jamaica para Cuba. Mas recebeu a visita, depois da publicação da primeira edição do livro, de um tenente do navio em que lutou. Também teve notícias do capitão desse navio, a quem muito admirava.

Estou pensando em traduzir o livro para o português. Vai entrar na fila. Essas histórias hoje são totalmente desconhecidas. Estamos acostumados a sempre pensar nos Estados Unidos como o país mais rico e poderoso do mundo. Ninguém sabe o quanto já foram pobres e quanto trabalho deu enriquecer.

Aquele veterano de guerra possuía uma profunda consciência da importância da liberdade e da responsabilidade que a liberdade traz. Se você é livre, só você é responsável por si mesmo, ninguém mais. Essa é a principal mensagem de Ebenezer Fox.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Dois Anos

Hoje faz dois anos que meu pai parou de sofrer. Acho que ele nem sofreu tanto assim. Na verdade, sempre me lembro dele rindo.

Já faz um bom tempo que o vejo quando me olho no espelho. Ouvi a voz dele nestes dias, muitas vezes. Chamando minha mãe: “Merce!” Me chamando, quando eu era criança e ele queria brigar comigo, de “pandorga” ou de “cabeça de porongo”, coisas que nunca ouvi ninguém mais dizer. Ele falava isso rindo, brincando de estar bravo.

Esta foto é do aniversário dele de 71 anos, em 2004. Gosto de lembrar dele assim, feliz.