domingo, 27 de julho de 2014

Cinqüenta Anos Esta Noite, de José Serra

José Serra lançou recentemente o livro Cinqüenta Anos Esta Noite: o Golpe, a Ditadura e o Exílio. Conta toda a sua experiência traumática de líder estudantil, cujo curso e cujos projetos pessoais e políticos foram interrompidos bruscamente pelo golpe de 64.

Li seu relato com grande curiosidade e, para falar a verdade, com grande espanto. Nasci sete anos depois do golpe. Quando comecei a me interessar por notícias, a anistia já era uma realidade. Provavelmente, fui prestar atenção em Serra quando ele se candidatou a prefeito de São Paulo, em 1988. Conhecia muito pouco de sua carreira como líder estudantil.

A primeira coisa que me chocou foi a reunião, que abre o livro, entre o presidente João Goulart e os dirigentes da Frente de Mobilização Popular (FMP), em um apartamento em Ipanema, num domingo de outubro de 1963. Quem conduz a reunião é Leonel Brizola, que liderava a ala radical da FMP. A ala moderada era ligada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). José Serra, presidente da UNE, com 21 anos, disse a Jango:

“— Presidente, nós defendemos que o pedido de estado de sítio seja retirado. Ele vai suprimir as garantias constitucionais e fortalecer a direita. Vai acabar se voltando contra o povo, contra o seu governo e contra o senhor mesmo.”

É um fato completamente exótico que o presidente da República participe de uma reunião secreta com representantes de organizações regulares e clandestinas para discutir a suspensão da ordem constitucional.

Pelo que Serra conta ao longo do livro, ele certamente não estava preparado, aos 21 ou 22 anos, para dar opiniões embasadas sobre a organização política nacional. Mas fazia isso com desembaraço. Tinha se mudado de São Paulo para o Rio de Janeiro para presidir a UNE. Tinha parado de assistir aulas do curso de engenharia na Poli e voltava a São Paulo apenas para fazer provas e visitar a família. É recebido por Jango para discutir assuntos políticos e educacionais. É convocado pelo Congresso para explicar as atividades da UNE. Discursou no Comício da Central, em 13 de março de 64.

Seis dias depois desse comício, houve a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Serra reconhece que a maioria das pessoas que participou desse ato foi de boa-fé, com medo das ameaças de comunismo que rondavam o Brasil. Conheço gente apolítica que esteve na Marcha, achando que era um tipo de procissão. Serra está convencido que essas pessoas temiam uma ameaça irreal. Não tenho a mesma certeza. Menciona grupos paramilitares de direita e diz que não havia paramilitares de esquerda. Minimiza a importância das Ligas Camponesas de Francisco Julião e dos Grupos dos Onze de Brizola. Não tenho conhecimento suficiente para avaliar essa questão. A sensação que tenho é que a ordem institucional estava sendo claramente ameaçada pelos dois lados. Talvez a esquerda de fato não tivesse força para ser vitoriosa em um golpe. Mas me parece claro que setores importantes dela tinham essa intenção e que as pessoas tinham motivos para ter medo.

É evidente que a ditadura militar brasileira foi uma violência sem tamanho contra toda uma geração de brasileiros. Ninguém deveria ter sido obrigado a fugir do Brasil. Ninguém deveria ter sido preso sem o devido processo legal. Ninguém deveria ter sido torturado, morto sob custódia, desaparecido. Os militares se aproveitaram da ameaça percebida contra a democracia para tomarem o poder e ficarem por lá por 21 anos, traindo as pessoas que os apoiaram.

Então, ocorre o golpe militar e Serra foge. A UNE foi invadida e incendiada. Muitas pessoas foram presas. Depois de vagar por algum tempo sem saber direito para onde ir, Serra se refugia na Embaixada da Bolívia. Muitos outros refugiados passam por lá e, rapidamente, conseguem o salvo-conduto para saírem do Brasil. Ele fica por 80 dias, mas finalmente consegue ir para a Bolívia e, de lá, para a França. Conseguiu uma bolsa em uma universidade francesa, mas passou pouco tempo por lá. Antes do final de 64, falsificou um passaporte brasileiro e, em janeiro de 1965, voltou para a América, para o Chile, com o documento falso. Passando pela Argentina e pelo Uruguai, entrou clandestinamente no Brasil, em fevereiro. Quem o ajudou a cruzar a fronteira foi Brizola, que tentava organizar uma resistência armada ao regime, a partir de Santa Catarina. Quem o ajudou no Uruguai foi Andrés Cultelli, que Serra diz ter sabido depois que era um dos líderes do Movimento de Libertação Nacional, os Tupamaros. Cultelli participou do assassinato de um agente da CIA em Montevidéu. Serra se espanta em descobrir que o “homem cordial e paciente” que o recebeu era um líder Tupamaro.

Escondido em São Paulo, Serra foi ajudado por dois companheiros da Ação Popular (AP), Egídio Bianchi e Sérgio Motta.  Em março, houve uma reunião nacional da AP em São Paulo. Serra queria ir. Os companheiros pediram que ele não se arriscasse e foram à reunião no lugar dele. O Dops interrompeu o evento e prendeu todo mundo. Bianchi e Motta passaram nove dias na prisão, mas não foram torturados. A polícia apreendeu uma pasta de Bianchi, com a correspondência cifrada que ele mantinha com Betinho (Herbert de Souza) e Aldo Arantes, exilados no Uruguai. Os papéis mencionavam contatos com Brizola, que tentava montar uma guerrilha de padrão cubano. A polícia não entendeu os textos cifrados e não deu importância à papelada. Serra resolveu sair novamente do Brasil e foi para o Chile.

No Chile, estudou economia. Conseguiu uma graduação, dava aulas, conheceu sua esposa e teve dois filhos. Trabalhou para o governo chileno.

Sobre o governo de Salvador Allende, Serra narra as arbitrariedades cometidas contra diversos setores da economia e reconhece parte dos erros de Allende. Mas também acusa a oposição de tentar inviabilizar o governo dele. Se o que ele narra acontecesse em meu país e eu fosse a oposição, também tentaria inviabilizar um governo que cometesse aqueles absurdos.

Em agosto de 1973, Serra foi a Moscou, a convite da Federação Mundial da Juventude. Lá, num encontro com Luís Carlos Prestes, ficou sabendo que o general Pinochet havia substituído Carlos Pratts no comando do Estado-Maior das Forças Armadas chilenas. Voltou ao Chile acreditando que logo haveria um golpe, mas não conseguiu sair do país com sua família antes que ocorresse. Ficou seis meses na Embaixada da Itália, até obter um salvo-conduto para deixar o país, em maio de 74. Morou nos Estados Unidos até 1977. Nesse momento, a abertura estava em andamento no Brasil e ele voltou para cá. Chegou a ser interrogado algumas vezes, mas não foi realmente perturbado pelo regime militar a partir de então.

Percebo, nas opiniões expressas por José Serra por todo o livro, que as opiniões dele são diferentes das minhas sobre quase todos os assuntos. Ele é um homem de esquerda, que tem uma visão de esquerda sobre qualquer questão política e econômica. Não é marxista e não apoiou o regime da União Soviética, mas sempre defendeu a intervenção do Estado na vida das pessoas. Gostaria que os meus prezados amigos de esquerda, com quem tenho o prazer de debater, lessem este livro e me contassem em que pontos discordam do autor. Não diferencio o que ele diz do que eles dizem.

O que vou dizer agora vai soar desrespeitoso, mas não posso evitar. Considero Serra um homem sério e acho que seus governos no Município e no Estado de São Paulo foram excelentes. Considero-o um grande administrador. Acho que ele conseguiu seu objetivo no exílio, de ser um dos políticos mais preparados de sua geração. Porém, por todo o livro, ele está sempre se encontrando com comunistas, com terroristas, com guerrilheiros. Acho que ele não tentou de fato participar da luta armada. Mas não vejo uma expressão mais clara de arrependimento ou repúdio por esses contatos, por voltar clandestino ao Brasil, pelas atividades de Betinho ou de Brizola. Não consigo deixar de lembrar do personagem de Casseta e Planeta, o Wanderney, que estava sempre em uma sauna gay com o Peludão, mas declarava aos brados: “— Estou aqui, mas eu não sou gay! Eu não sou gay!”

A declaração de guerra do Império Austro-Húngaro à Sérvia

A Primeira Guerra Mundial começou oficialmente em 28 de julho de 1914, quando o Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia, exatamente um mês depois do assassinato do Arquiduque Francisco Fernando.

Uma corrente política dentro do Império Austro-Húngaro considerava que o crime era um excelente pretexto para por em prática seus planos de guerra contra a Sérvia. A Alemanha também se preparava para lutar contra a França e a Rússia e acreditava que aquele era o melhor momento, porque seus inimigos não estariam tão prontos para um conflito. Os partidários da guerra acreditavam que conseguiriam a vitória antes do Natal de 1914.

Depois de intensas mobilizações diplomáticas dos dois lados durante o mês de julho, o Império Austro-Húngaro enviou um ultimato à Sérvia, em 23 de julho, com dez exigências:

  1. Suprimir todas as publicações que “incitem ódio e desprezo pela Monarquia Austro-Húngara” e que “sejam dirigidas contra sua integridade territorial”. 
  2. Dissolver a organização nacionalista sérvia Narodna Odbrana (“A Defesa do Povo”) e todas as outras sociedades semelhantes na Sérvia.
  3. Eliminar imediatamente dos livros escolares e documentos públicos toda “propaganda contra a Áustria-Hungria”.
  4. Excluir da administração civil e militar da Sérvia todos os funcionários que o Governo Austro-Húngaro exigir.
  5. Aceitar na Sérvia “representantes do Governo Austro-Húngaro” para a supressão de “movimentos subversivos”.
  6. Levar a julgamento todos os envolvidos no assassinato do Arquiduque e permitir que autoridades austro-húngaras tomem parte das investigações.
  7. Prender o Major Vojislav Tankosić e o funcionário público Milan Ciganović, apontados como participantes no plano de assassinato.
  8. Cessar a cooperação de autoridades sérvias no “tráfico de armas e explosivos pela fronteira”; demitir e punir as autoridades do serviço de fronteira de Šabac e Loznica, “culpados de auxiliarem os perpetradores do crime de Sarajevo”.
  9. Apresentar “explicações” ao Governo Austro-Húngaro sobre “autoridades sérvias” que manifestaram, em entrevistas, “hostilidade ao Governo Austro-Húngaro”.
  10. Notificar o Governo Austro-Húngaro “sem demora” da execução das medidas que compõem o ultimato.

O governo da Sérvia deveria responder em 48 horas. Extremamente pressionada, a Sérvia aceitou os pontos 1 a 4 e 7 a 10. Pediu maiores esclarecimentos sobre o ponto 5, manifestando a intenção de também aceitá-lo. Recusou o ponto 6, afirmando que violava sua Constituição. Winston Churchill, então Primeiro Lord do Almirantado da Grã Bretanha, escreveu que o ultimato era “o documento mais insolente jamais escrito em sua categoria”. O kaiser da Alemanha, Guilherme II, ao ler a resposta da Sérvia, disse que isso eliminava as razões para a guerra e que a Sérvia havia capitulado da maneira mais humilhante possível. Ele acreditava que as mínimas restrições que a Sérvia havia feito poderiam ser resolvidas por negociações.

Infelizmente, o Império Austro-Húngaro não queria um motivo, mas um pretexto. O chanceler da Alemanha, Theobald von Bethmann-Hollweg, também manobrou para esconder as dúvidas e as propostas de conciliação de Guilherme II, no que foi bem-sucedido.

Em 28 de julho, o Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia. Em 1º de agosto, a Alemanha declarou guerra à Rússia, que se mobilizava para proteger a Sérvia. Em 2 de agosto, a Alemanha invadiu Luxemburgo, como preparação para invadir a Bélgica e poder atacar a França. Em 3 de agosto, declarou guerra à França. Em 4 de agosto, invadiu a Bélgica, sem declaração formal de guerra. Isso provocou a declaração de guerra da Grã-Bretanha à Alemanha.


Imperador Francisco José,
do Império Austro-Húngaro
Nikola Pašić, Primeiro-Ministro da Sérvia

Kaiser Guilherme II, da Alemanha Theobald von Bethmann-Hollweg,
Chanceler da Alemanha
Czar Nicolau II, da Rússia

domingo, 6 de julho de 2014

A Morte e a Donzela, de Ariel Dorfman

Li, meio por acaso, a peça A Morte e a Donzela, de Ariel Dorfman. Tinha assistido o filme há muitos anos. Levei meus filhos à biblioteca municipal e vi o livro e peguei emprestado. Peças de teatro são curtas, li no mesmo dia.

Ariel Dorfman é um autor chileno conhecido pela obra Para Ler o Pato Donald, escrita em parceria com Armand Mattelard. É uma coleção de bobagens sobre o universo Disney, que li também há muitos anos.

A Morte e a Donzela se passa no Chile (ou em algum país latino-americano), pouco depois do fim de uma ditadura militar. Os três personagens são: Paulina Salas, uma mulher que, 15 anos antes, foi torturada pela ditadura; Gerardo Escobar, advogado, marido de Paulina; e Roberto Miranda, um médico. Gerardo tem um problema com o carro e, por acaso, Roberto o ajuda e o leva para casa. Paulina acredita reconhecer Roberto como o principal dos seus torturadores e o seqüestra. Essa é a situação em que a peça se desenvolve.

Ariel Dorfman não diz quase nada sobre as convicções políticas de Paulina. Ela é A Vítima. É forte, corajosa. Está abalada por tudo o que passou, mas sabe o que está fazendo. Nunca denunciou Gerardo enquanto era torturada. Podemos presumir que seja comunista, mas só sabemos que, quando foi presa, ajudava outras pessoas perseguidas a saírem do país.

Roberto Miranda é o vilão evidente. A peça não deixa realmente claro se ele era culpado. Pode ser tudo uma ilusão de Paulina, mas isso é improvável. É óbvio que um torturador é uma figura odiosa. Ele é obrigado por Paulina a gravar e a escrever uma confissão, na qual conta que seu pai teve um infarto quando os comunistas expropriaram sua fazenda, que resolveu se juntar aos militares para minorar o sofrimento dos presos, mas tomou gosto pela coisa e se aproveitou de muitas mulheres torturadas. É totalmente asqueroso, mas não temos certeza se é ele mesmo.

O maior vilão da peça é mesmo Gerardo Escobar, que representa as forças democráticas que assumiram o governo. Ele é covarde, mentiroso, ambicioso, egoísta, hipócrita. Mente para Paulina na primeira cena, negando que já tenha aceito o convite do presidente da República para comandar uma comissão para investigar crimes contra os direitos humanos. Diz a ela que só aceitará se ela concordar, mas já aceitou. Enquanto ela estava presa, sendo torturada, Gerardo arranjou outra mulher. Também mente para Paulina sobre isso. Só pensa em sua carreira, não em Paulina, nem no povo. Sobre Gerardo, não temos dúvidas. Ariel Dorfman quer nos convencer de que não devemos confiar naqueles que defendem a democracia e de que a violência sofrida pelos torturados justifica qualquer coisa.

Por último, uma palavra sobre a anistia, que é o grande tema da peça. Se for possível derrotar uma ditadura pela força, não é necessária nenhuma anistia. Punem-se todos os membros do antigo regime à vontade. Caso contrário, considera-se que o melhor para o país é deixar de lado os crimes cometidos pelos agentes da ditadura, como condição para o fim do arbítrio. Uma anistia não perdoa esses crimes. Considera que esquecê-los é um mal menor, em troca do bem maior que é a conquista da liberdade. Sendo assim, as anistias devem ser respeitadas.

Evidentemente, os outros países não têm nada a ver com isso. Não é por que houve uma anistia no Brasil que Fernando Gabeira ou Franklin Martins poderão algum dia por os pés nos Estados Unidos, depois de terem seqüestrado o embaixador americano. Da mesma forma, os torturadores brasileiros correm grande risco de prisão se saírem do Brasil. Isso é normal e correto. O que não é normal nem correto é brasileiros continuarem tentando reverter o pacto que nos trouxe liberdade política.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Um ano

Hoje faz um ano que a agonia do meu pai terminou.

Prefiro lembrar das coisas boas que das ruins. Poderíamos ter feito mais coisas juntos, mas fico feliz pensando no que fizemos de bom.

Não sei se ele sabia o quanto me influenciou, o quanto é importante na minha vida. Meu pai amava os livros, tinha lido coisas bem diferentes e tinha muita curiosidade. Estava sempre sorrindo, adorava conversar com qualquer pessoa que o escutasse. Procurou, na medida em que pôde, fazer o que achava certo, muitas vezes se prejudicando. Vai ser sempre um exemplo para mim, em muitos sentidos.

Quando eu comprar um livro, é claro que vou pensar que meu pai também gostaria de ler aquele livro. Se meus filhos tiverem um evento na escola, sempre vou lembrar que ele gostaria de estar presente. Mas esses pensamentos não são tristes. Não. Sei que ele teve uma vida boa, que me amava e amava minha mulher e meus filhos, que sabia que nós o amávamos também. O que mais posso querer?

Aos meus amigos, peço um favor. Aos que são religiosos, façam uma oração por ele. Aos que são católicos, lembrem-se dele nas intenções da próxima missa a que assistirem. Aos que não são religiosos, pensem na lembrança que têm dele, se o conheceram. A todos, reflitam por um momento sobre seu pai, vivo ou falecido, próximo ou distante, e procurem algo que os faz parecidos com ele.

Obrigado pelas orações e pelo carinho de todos.