domingo, 31 de agosto de 2014

ESC Brazil 2014


Cláudio Sampaio, falando sobre impressoras 3D
Estive no segundo dia da Embedded Systems Conference 2014. Infelizmente, não pude estar no primeiro. Foi a quarta edição do evento, composto por uma feira e um conjunto de palestras.

A feira é bem pequena, bastante focada no desenvolvimento de sistemas embarcados. Mostra algumas novidades e traz informações interessantes, mas o principal é encontrar os amigos que trabalham nesse ramo. As palestras são variadas, desde treinamentos específicos sobre tecnologias determinadas até apresentações muito originais sobre pesquisas ou tecnologia de uma maneira bem geral.

Jon "Maddog" Hall, presidente da Linux International
Assisti a cinco palestras, buscando principalmente assuntos sobre os quais sei pouco. A primeira foi sobre impressoras 3D, com Cláudio Sampaio, da Patola. Aprendi que o principal projeto de impressora 3D foi patenteado em 1989 e essa patente durou 20 anos. Quando expirou, em 2009, os preços das impressoras 3D caíram para um nível cerca de 100 vezes mais baixo. As pessoas se prepararam para a queda dessa patente, formando uma comunidade de desenvolvedores, nos moldes da comunidade do Linux. Outras patentes vem caindo de lá para cá, aumentando a quantidade de projetos sob domínio público. É possível criar os mais diversos tipos de peças, objetos e dispositivos usando impressoras 3D. Um modelo básico custa hoje cerca de US$ 3.500,00 nos Estados Unidos, possibilitando que qualquer americano médio tenha uma em casa. Em breve, qualquer brasileiro médio também terá a sua.

Luke Dubord, da NASA
A segunda palestra foi com o Keynote Speaker Luke Dubord, da NASA, falando sobre a Curiosity. Ele explicou várias das dificuldades que envolvem uma missão a Marte. Esse planeta se aproxima da Terra uma vez a cada dois anos. Nessas ocasiões, há uma janela de cerca de duas semanas para se lançar um foguete. Se esse prazo for perdido, se alguma coisa não estiver pronta, esperam-se mais dois anos. O foguete demora mais de oito meses para chegar até lá. Marte está a uma distância aproximada de 14 minutos-luz da Terra. Qualquer informação da missão leva 14 minutos para chegar aqui. Qualquer comando para a missão leva 14 minutos para chegar lá. O pouso inteiro demora 7 minutos. Todos os sistemas precisam de extrema autonomia.

Luke explicou o complicado sistema que permitiu o pouso de uma sonda de 900kg. Baseando-se na idéia de um helicóptero carregando outro pendurado por cabos, pousando-o suavemente no chão e soltando os cabos, a NASA desenvolveu um equipamento propelido por foguetes no qual a Curiosity foi pendurada. Esse equipamento freou a queda, deixou a sonda no chão e chocou-se contra o solo a uma distância segura.

Ao final da palestra, perguntei se as fracassadas missões soviéticas não-tripuladas e as missões americanas que levaram as sondas Viking I e II não poderiam ter contaminado Marte com vida terrestre. Ele respondeu que o risco existe, mas ele acredita que seja muito pequeno. Disse que a NASA tomou muito cuidado para evitar isso. Não sabemos que cuidados tomaram os russos. Como as missões soviéticas todas fracassaram, talvez uma possível contaminação tenha sido destruída no pouso. Perguntei também se era verdade que a tecnologia das missões Apolo à Lua foi perdida e que a NASA não seria capaz hoje de refazer essa viagem. Ele disse que sim, seria necessário desenvolver novamente a tecnologia. Segundo ele, infelizmente houve uma decisão política, no final dos anos 70, de desfazer o programa Apolo.

A terceira palestra foi com o Professor Francisco Fambrini, que tem pesquisas com matrizes de microeletrodos para o estudo de sinais gerados por neurônios vivos, de ratos. Ele mostrou um sistema desenvolvido por sua equipe, para amplificação desses sinais e exportação para um PC via USB. Os sinais tem amplitude da ordem de 5 microvolts. Eles desenvolveram um soquete para a matriz de microeletrodos, para não terem de importar essa peça da Alemanha, a um custo de US$ 15.000,00. A versão nacional custa R$ 300,00. Desenvolveram e patentearam um circuito para simular a rede de neurônios e testar os circuitos amplificadores. Aparentemente, uma empresa alemã se interessou por esse dispositivo. Parece que a Universidade não tem interesse em comercializá-lo, não entendi bem por quê.

A quarta foi com o Fabio Estevam, da Freescale, sobre como contribuir com o kernel do Linux. Qualquer pessoa pode propor alterações ao kernel do Linux. Se forem consideradas úteis, são incorporadas à versão oficial corrente. As alterações podem ser bastante simples, como eliminação de warnings de compilação (o exemplo que ele fez durante a palestra foi assim) ou bem mais complexas, como o desenvolvimento de um device driver completo. Fabio mostrou o roteiro para contribuir com o Linux e deu algumas dicas sobre a etiqueta dos e-mails, por exemplo.

A palestra de Clive "Max" Maxfield
A última palestra foi a mais interessante de todas. Robot Apocalypse: Trends in Embedded Systems, com Clive "Max" Maxfield. Max demonstrou, com um grande número de exemplos, como é difícil e ingrato tentar fazer previsões sobre o futuro. Os gregos, na Antigüidade, inventaram uma máquina a vapor. Mas não conseguiram transformá-la em algo útil. Ela teve de ser inventada novamente 2000 anos depois. O que seria do mundo se a República Romana tivesse essa tecnologia? Estamos completamente acostumados com celulares touch screen e acelerômetros. Parece que usamos essa interface desde sempre. O iPhone foi lançado em 2007. Não poderíamos imaginá-lo em 2006, há 8 anos.

Este chapéu com chifres ganhou o prêmio
Existem dispositivos que são capazes de obter o conteúdo de uma conversa em uma sala pela análise das vibrações de uma folha de papel na sala, a partir de imagens dessa folha. Cada vez mais, nossas informações pessoais são conhecidas por empresas como Google e Facebook, que sabem a que horas acordam as pessoas que moram na minha rua, onde trabalham, de que tipo de música ou livros gostam, quem são seus amigos. As câmeras hoje são onipresentes. É cada vez mais uma realidade o reconhecimento de fala e de rostos, a sintetização da fala, os sistemas de inteligência artificial. As ameaças não são apenas de a tecnologia se voltar contra nós, mas também de a tecnologia ser subvertida por terroristas ou por um governo totalitário.

Ele propôs uma brincadeira ao público. Disse que talvez os robôs rebelados estivessem nos esperando do lado de fora da sala e que a única maneira de nos protegermos seria fazer chapéus de papel alumínio. Ofereceu R$ 250,00 para quem fizesse o melhor chapéu. Acho que todo o público participou, menos eu. Não queria perder nada de sua exposição.

Infelizmente, não pude conversar mais com o Max. Disse que gostaria de fazer algumas perguntas e ele respondeu que tinha de correr para tomar o avião. Quem sabe na próxima.

O Incidente Gleiwitz

Placa comemorativa do Incidente Gleiwitz
Estação de Rádio de Gliwice
- Local da provocação nazista
31 de agosto de 1939
Há exatos 75 anos, em 31 de agosto de 1939, forças nazistas atacaram uma estação de rádio alemã, em Gleiwitz, simulando uma agressão polonesa. Esse foi o pretexto para a invasão à Polônia no dia seguinte, que desencadeou a Segunda Guerra Mundial.

O que se sabe hoje sobre o Incidente Gleiwitz baseia-se principalmente no depoimento de Alfred Naujocks nos Julgamentos de Nuremberg. Ele confessou ter organizado a operação por ordem de Reinhard Heydrich, chefe do Gabinete de Segurança do Reich, e Heinrich Müller, chefe da Gestapo. Naujocks foi solto após os julgamentos e morreu em 1966.

Alfred Naujocks, o chefe da operação
Na noite de 31 de agosto, um pequeno grupo de agentes alemães vestidos com uniformes poloneses e liderados por Naujocks tomou a rádio Sender Gleiwitz e divulgou uma curta mensagem antigermânica em polonês. Para tornar o ataque mais convincente, levaram com eles Franciszek Honiok, um alemão simpatizante dos poloneses que havia sido preso pela Gestapo. Honiok foi morto no local e seu corpo deixado lá, para parecer que havia tomado parte no ataque.

Na manhã seguinte, 1º de setembro de 1939, a Alemanha lançou a operação Fall Weiss, invadindo a Polônia pelo norte, sul e oeste. Os poloneses resistiram bravamente até 17 de setembro, quando o leste foi invadido pelos soviéticos. Nos primeiros dias, os alemães sofreram grandes perdas, incluindo uma divisão inteira de blindados, milhares de soldados e um quarto de sua força aérea. Depois da invasão soviética, a situação polonesa ficou insustentável. Porém, os poloneses jamais se renderam oficialmente. A resistência polonesa foi um dos maiores movimentos de luta contra os nazistas em toda a Europa ocupada.

Franciszek Honiok, a primeira vítima
da guerra
Os poloneses acabaram sendo traídos pelos aliados e o país terminou a guerra como um satélite da União Soviética. A Polônia só terminou de lutar a Segunda Guerra Mundial em 4 de junho de 1989, quando eleições gerais terminaram com o governo comunista do general Jaruzelski.

Instalações da Sender Gleiwitz

Militares nazistas e soviéticos se cumprimentam
 após a Invasão da Polônia

terça-feira, 19 de agosto de 2014

O Sonho de um Homem Ridículo, de Fiódor Dostoiévski

O Sonho de um Homem Rídiculo é mais um conto fascinante de Dostoiévski.

Assim como em Memórias do Subsolo, temos um narrador sem nome, o Homem Ridículo, que mora sozinho e tem dificuldades de relacionamento com as outras pessoas. Ele decide se suicidar e tem uma arma preparada para isso. Os dias passam, mas ele não se resolve a por seu plano em prática. Numa noite especialmente fria e escura, após ver uma estrela, decide que chegou a hora. Enquanto caminha para sua casa, é abordado por uma menina que pede socorro, pois sua mãe está morrendo. Ele enxota a menina. Porém, continua pensando nela quando chega em casa.

Fica novamente hesitando sobre o suicídio. Sua intenção de se matar vinha do fato de que achava que não se importava com absolutamente nada. Percebe que se importa, pelo menos um pouco, com a menina. Adormece e tem o sonho que dá nome ao conto.

Não vou contar o que acontece daí em diante. Gostei muito da maneira com Dostoiévski constrói o Homem Ridículo e a narrativa. O conto suscita uma discussão profunda sobre a origem do mal, sobre a possibilidade de vivermos num Éden na Terra, sobre a capacidade do homem de amar ao próximo como a si mesmo.

E encerra com a dúvida sobre a nossa possibilidade de fazermos alguma coisa para mudar nossa realidade.

sábado, 16 de agosto de 2014

Trecho de Muita Retórica - Pouca Literatura, de Rodrigo Gurgel


Em Muita Retórica - Pouca Literatura, falando sobre Inocência, do Visconde de Taunay, diz Rodrigo Gurgel:

“Questões biográficas à parte, Inocência tem recebido encômios dos principais críticos brasileiros, algumas vezes com evidente hipérbole. Trata-se de prática rotineira entre nós, infelizmente, chamar de genial o apenas razoável, como se o país, destituído de um número de gênios que corresponda ao tamanho do seu território, se dispusesse a criá-los à força, ainda que, para tanto, fosse obrigado a edulcorar a verdade. E não há exagero em minhas palavras. Leiam os cadernos culturais: aqui, nasce um gênio a cada semana. É pena que a quase absoluta maioria tenha vida efêmera — muitos não resistem à primeira troca de fraldas; poucos, cujos amigos estão nos postos certos, ganham sobrevida de uma década.”


sábado, 2 de agosto de 2014

Memórias do Subsolo, de Fiódor Dostoiévski

Memórias do Subsolo, de Fiódor Dostoiévski, não é uma obra fácil. É curta, pouco mais de cem páginas. Mas é muito densa. Não recomendo ler num ambiente desfavorável à concentração.

O narrador sem nome, o Homem do Subsolo, é um personagem profundamente atormentado. Muda de idéia o tempo todo, corrige o que acabou de dizer, confessa que mentiu. Na primeira parte, falando do seu tempo presente, nos conta que tem quarenta anos, está doente, abandonou um cargo público humilde porque recebeu uma herança modesta e vive isolado da sociedade. Conhecemos sua visão de mundo. É culto, instruído, inteligente. Tem um profundo desprezo pelas pessoas e pela sociedade, mas tem um desprezo maior por si mesmo, pelo fracasso de sua vida. Na segunda parte, narra três histórias que aconteceram com ele catorze anos antes, e que ilustram suas dificuldades em se relacionar com as pessoas.

Temos vontade de voltar a São Petersburgo de 1860 e socar o Homem do Subsolo. Como ele pode ser tão idiota? Como pode dar tanto valor ao que é irrelevante e prejudicar tanto a si mesmo e aos outros?

Porém, não temos como discordar de parte das idéias que ele defende. E defende em seus atos, de maneira especialmente dolorosa para si mesmo, embora possamos perceber que ele sente satisfação em sofrer. O Homem do Subsolo faz talvez a melhor defesa que eu já vi do livre-arbítrio. O ser humano pode saber o que é melhor para si mesmo, mas desejar o que é pior. Como diz Ovídio, nas Metamorfoses, “video meliora proboque deteriora sequor”. “Vejo o que é melhor e o aprovo, mas persigo o que é pior.” E o Homem do Subsolo afirma radicalmente o direito de se perseguir o que é pior. Nestes tempos em que a Alana quer proibir as propagandas de bolacha, os ovos de Páscoa com brindes e o McLanche Feliz, precisamos ler Memórias do Subsolo.

Lembrei-me do personagem F. Alexander, de A Laranja Mecânica, de Anthony Burgess. Ele escreve um livro num estilo extremamente pedante, também chamado A Laranja Mecânica, no qual defende o livre-arbítrio e, em seguida, sua família é atacada violentamente por Alex, que personifica a aplicação de suas idéias. Mas ele está certo e exprime exatamente o pensamento de Anthony Burgess. O Homem do Subsolo faz mais ou menos a mesma coisa com as idéias de Dostoiévski.

Memórias do Subsolo foi escrito em resposta a O Que Fazer?, de Nikolai Tchernichévski, um autor comunista que influenciou Marx. Tolstói e Lênin escreveram obras também intituladas O Que Fazer?, por causa do livro de Tchernichévski. O título é uma citação de Lucas 3:10-14. O fato do título de um livro de Lênin vir do Evangelho é uma demonstração da frase de Shakespeare em O Mercador de Veneza, de que até o Diabo pode citar as Escrituras para seus objetivos.

Só li Memórias do Subsolo uma vez. Preciso ler novamente, para comparar o que o Homem do Subsolo diz na primeira parte com o que sei agora da segunda. Quero procurar também o livro de Tchernichévski. Na verdade, Dostoiévski dá uma grande vontade de sair pesquisando a literatura russa.