segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Dia Internacional da Lembrança do Holocausto

Entrada de Auschwitz I, com a inscrição
 Arbeit macht frei (O trabalho liberta)
Há 70 anos, o Exército Vermelho chegava ao campo de extermínio de Auschwitz. Os nazistas já haviam fugido. Encontraram cerca de 7500 prisioneiros vivos e 600 corpos deixados para trás. Não é possível saber quantas pessoas morreram lá, mas as estimativas mais modestas passam de um milhão e meio.

As principais vítimas do Holocausto foram os judeus, com 80 a 90% das mortes. Mas também foram massacrados eslavos não-judeus (especialmente poloneses), ciganos, prisioneiros de guerra soviéticos, deficientes físicos e mentais, doentes mentais, homossexuais, maçons, testemunhas de Jeová e combatentes republicanos da Guerra Civil Espanhola. É um evento único na história da Humanidade. Um governo decidiu que determinado grupo de pessoas devia ser completamente aniquilado, incluindo velhos, mulheres, crianças e bebês. Qualquer pessoa que tivesse três ou quatro avós judeus teria de ser exterminada, sem exceções.

Proporção de judeus assassinados
 nas diferentes regiões da Europa
Em maior ou menor proporção, o genocídio foi perpetrado em toda a área subjugada pela Alemanha, que hoje pertence a 35 países diferentes. Uma exceção notável é a Dinamarca. É o único caso entre os países da Europa, ocupados, parceiros do Eixo ou neutros, em que os nazistas encontraram uma resistência pacífica determinada e ativa contra sua política de extermínio. Segundo Hannah Arendt, em seu excelente livro Eichmann em Jerusalém, quando os alemães tentaram propor que os judeus da Dinamarca usassem a infame estrela amarela, os dinamarqueses responderam que o Rei seria o primeiro a usá-la e que todos os cidadãos também a usariam. Os funcionários públicos disseram que qualquer medida contra os judeus causaria a imediata renúncia de todos eles. Quando os alemães exigiram que os judeus de origem alemã, declarados apátridas, fossem entregues a eles, os dinamarqueses responderam que, ao declará-los apátridas, a Alemanha tinha renunciado a qualquer jurisdição sobre eles. Muito poucos judeus na Dinamarca foram mortos. Os dinamarqueses provaram que é possível resistir contra a opressão.

A estrela amarela
Não podemos nos esquecer das inúmeras pessoas que arriscaram a vida para salvar pessoas ameaçadas. A lista é imensa, vou mencionar só quatro. A enfermeira polonesa Irena Sendler tirou cerca de 2.500 crianças do Gueto de Varsóvia. O britânico Nicholas Winton organizou o resgate de 669 crianças da Tchecoeslováquia ocupada. Luis Martins de Souza Dantas, embaixador do Brasil na França, concedeu vistos irregulares a centenas de pessoas perseguidas para que entrassem no Brasil. Foi punido pelo Governo Vargas por isso. Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa era chefe da Seção de Passaportes do Consulado brasileiro em Hamburgo. Seu futuro marido, o escritor João Guimarães Rosa, era o Cônsul. Em 1938, o governo Vargas emitiu a circular secreta 1127, que restringia a entrada de judeus no país. Aracy ignorou a circular e emitia vistos sem identificar quem era judeu. João Guimarães Rosa apoiou e incentivou esse trabalho. Todos os heróis que participaram desse esforço merecem meu mais profundo respeito e admiração.

Elsa Cayat
Hoje, os judeus continuam sendo perseguidos. Elsa Cayat, única mulher vítima do ataque contra o Charlie Hebdo, foi alvejada porque era judia. Muitos judeus estão deixando a Europa, por medo do terrorismo islâmico. Diversas universidades no Reino Unido e nos Estados Unidos têm feito boicotes contra Israel. Neste vídeo, alunos da Universidade de Berkeley, na Califórnia, aceitam tranqüilamente que se agite uma bandeira do Estado Islâmico no campus e reagem com insultos contra uma bandeira de Israel.

Neste 27 de janeiro, uma grande celebração acontece em Auschwitz, para lembrar desse capítulo torpe da nossa história. Contará com as notáveis ausências de Barack Obama e de Vladimir Putin.

O Holocausto toca a cada um de nós. Cada vítima dessa tragédia nos diminui. É nossa responsabilidade defender a liberdade e os direitos individuais. Não nos esqueçamos disso.

sábado, 17 de janeiro de 2015

Tripudiando sobre o cadáver de Josef Mengele

Minha filha, uma amiga dela e eu, pisoteando a areia da praia onde morreu Josef Mengele.
Em 2012, Diogo Mainardi publicou A Queda - As memórias de um pai em 424 passos. Narra o nascimento de seu filho Tito, com paralisia cerebral devido a um erro médico. É um livro muito forte, que li de uma tacada. Na ocasião, escrevi este post.

(Aproveito para recomendar o site de Diogo Mainardi e Mario Sabino, O Antagonista. As poucas linhas que eles escrevem diariamente valem mais que todo o conteúdo da Folha de S.Paulo, do Estadão e da Globo juntos.)

Vou reproduzir um capítulo em que Diogo trata de Josef Mengele.



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Agora estamos na praia da Enseada, em Bertioga.

Em 7 de fevereiro de 1979, entrando no mar, na praia da Enseada, Josef Mengele teve um derrame cerebral e morreu.

Vim até aqui, com meus filhos Tito e Nico, seguindo o rastro de Josef Mengele. Quero entrar no mar em que ele morreu. Quero tripudiar sobre seu cadáver. Quero comemorar o valor da vida de um filho inválido.

Sou o Simon Wiesenthal da paralisia cerebral.

Josef Mengele está morto. Tito está vivo.



Josef Mengele, pouco antes do
final da Segunda Guerra Mundial
O médico nazista Josef Mengele trabalhou no campo de concentração de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial. Selecionava quem deveria ir para a câmara de gás e quem seria poupado. Fez diversas experiências dolorosas e cruéis com seres humanos, especialmente com gêmeos, pessoas com um olho de cor diferente do outro e anões.

Mengele amputava membros desnecessariamente. Inoculava doenças em um gêmeo para observar sua evolução e, quando o paciente morria, matava o outro irmão e dissecava os dois para comparar. Injetava substâncias químicas nos olhos de suas vítimas para tentar alterar sua cor. Expunha pessoas a drogas diversas e a raios X. Em um experimento mencionado por Diogo Mainardi, costurou duas crianças ciganas uma na outra. Elas morreram de gangrena depois de vários dias de sofrimento.

Depois da derrota da Alemanha, fugiu para a Argentina. Em 1960, outro criminoso de guerra nazista, Adolf Eichmann, foi seqüestrado na Argentina pelo Mossad, o serviço secreto israelense. Foi levado a Israel, julgado, condenado à morte e enforcado. Mengele fugiu então para o Brasil, onde viveu o restante de sua vida. Em 1985, autoridades alemãs descobriram que Mengele havia morrido em Bertioga e estava enterrado em Embu das Artes. Um exame de DNA, feito em 1992, constatou que o corpo era dele mesmo. Sua família não quis receber seus restos mortais. Ele permanece insepulto, no Instituto Médico Legal de São Paulo.

Em 7 de janeiro de 2015, o mesmo dia do atentado contra o Charlie Hebdo em Paris, tive a oportunidade de também levar meus filhos a Bertioga. Vimos um monumento aos pracinhas da FEB, perto da praia. Depois, fomos até a Enseada, para também tripudiarmos sobre o cadáver daquele assassino abjeto. Minha filha, uma amiga dela e eu pisoteamos a areia para lembrar das vítimas do nazismo. Meu filho não quis participar.

Josef Mengele está morto. Meus filhos estão vivos.



Monumento aos pracinhas da FEB

domingo, 4 de janeiro de 2015

Objeções de um Rottweiler Amoroso, de Reinaldo Azevedo

Fechando a fila de excelentes livros lançados em 2014, Objeções de um Rottweiler Amoroso, de Reinaldo Azevedo, é a coletânea de suas primeiras 46 colunas na Folha de S.Paulo, publicadas entre 25 de outubro de 2013 e 5 de setembro de 2014. Estive no lançamento.

Vou contar outra vez a história do título, correndo o risco de entediar os leitores. Logo que Reinaldo estreou na Folha, a ombudsman do jornal, Suzana Singer (filha de Paul Singer, fundador do PT, e irmã de André Singer, porta-voz de Lula entre 2003 e 2007), escreveu uma coluna chamando-o de rottweiler. Miriam Leitão a elogiou por isso, num texto em que também criticava Rodrigo Constantino. A resposta de Reinaldo Azevedo está aqui. A partir daí, adotou ironicamente o epíteto de rottweiler. Abriu colunas com “au, au, au”. Na página do blog, na Veja, apareciam anúncios de pet shops (provavelmente colocados lá pelo Google). 

Quando Dilma foi xingada na abertura da Copa do Mundo, o vice-presidente do PT, Alberto Cantalice, atribuiu esse fato a “pitbulls do conservadorismo” e listou nove desses “cachorros”: Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor, Demétrio Magnoli, Guilherme Fiúza, Augusto Nunes, Diogo Mainardi, Lobão, Gentili e Marcelo Madureira. Pouca gente na imprensa protestou contra o arreganho autoritário. A resposta de Reinaldo foi esta.

E então, dois meses depois disso, descobriu-se que os perfis de Carlos Alberto Sardenberg e Miriam Leitão na Wikipedia foram alterados por computadores do Palácio do Planalto. Foram acrescentadas mentiras e difamações a suas trajetórias profissionais. A canalhice mereceu este texto de Reinaldo Azevedo.

O curioso em toda essa história é que a direita é extremamente minoritária na imprensa em geral. Porém, algumas pessoas ficam especialmente incomodadas com a simples existência de opiniões de direita. Boa parte dessas pessoas está no governo, no poder. Não são capazes de apontar mentiras nos textos da direita. Não são capazes de apontar a defesa de nada que se afaste do estado democrático e de direito. Então, gritam, esperneiam e tentam calar a crítica.

Durante muitos anos, Reinaldo Azevedo foi uma das pouquíssimas vozes isoladas a criticar o governo como ele merecia ser criticado. Sempre deu opiniões o tempo todo. Gosto de ler opiniões, concordando ou discordando. Concordo freqüentemente com o Reinaldo e discordo de vez em quando. Admiro sua clareza e sua coragem. Essa postura é absolutamente necessária. É imprescindível que haja gente disposta a defender a liberdade, que está sob ataque permanente no Brasil, em toda a América Latina e em boa parte do mundo. Independentemente de seus erros, que existem, o trabalho de Reinaldo Azevedo tem sido inestimável para evidenciar o que está por trás de muitas ações do governo, para enriquecer com argumentos o debate sobre as grandes questões nacionais e para estimular as pessoas comuns a se mobilizarem para defender sua liberdade.

Este texto não é bem uma resenha, mas aqui vai um pequeno comentário sobre o livro. Não frustra quem lê o blog e acompanha o programa de rádio Os Pingos nos Is. Há muitas opiniões fortes e críticas a quem merece ser criticado. Os textos são curtos, para caber no espaço do jornal. Os principais alvos são os black blocs, os mensaleiros, os responsáveis pela morte de Santiago Andrade e quem apóia toda essa gente. Há colunas sobre o financiamento público de campanhas eleitorais, a gestão Fernando Haddad em São Paulo e a Comissão Nacional da Verdade. O Ministro do STF Luís Roberto Barroso é chamado de “leninista de toga”. Também são temas o ódio a Israel e a demissão dos analistas do Banco Santander, que previram problemas para a economia brasileira caso Dilma fosse reeleita.

O melhor texto sobre o Objeções de um Rottweiler Amoroso é de João Pereira Coutinho: O terrível rottweiler. Reproduzo, descaradamente, o resumo que ele faz do livro.

«O terrível rottweiler lamenta a impossibilidade da discordância intelectual civilizada no Brasil –lamenta, nas palavras do próprio, esse entendimento “fascistoide” da política que “busca excluir o outro do mundo dos vivos” (pág. 109).
O terrível rottweiler estranha a ausência de partidos de direita no país por entender que isso é um sintoma de atraso civilizacional (págs. 39-41).
O terrível rottweiler, na melhor tradição liberal, defende constantemente o “império da lei” para limitar os abusos dos homens (pág. 53).
O terrível rottweiler gostaria que o Estado saísse de onde está a mais (no setor bancário, por exemplo) e estivesse onde está a menos (no saneamento, no urbanismo)(pág. 106).
O terrível rottweiler tem vergonha dos 50 mil homicídios que o Brasil oferece anualmente ao mundo (págs. 54-55).
O terrível rottweiler defende a democracia representativa, sobretudo contra aqueles que gostariam de usar o “revólver” contra ela (pág. 120).
O terrível rottweiler defende incondicionalmente a liberdade de expressão –mesmo para aqueles de quem discorda profundamente (págs. 128 e 147).
O terrível rottweiler não permite a confusão ignorante, ou delinquente, entre “direita democrática” e “extrema-direita” (pág. 40).
O terrível rottweiler defende a dignidade do indivíduo (e do individualismo) contra o “pensamento em grupo” que rapidamente degenera em “quadrilha intelectual” (pág. 156).»

Leiam Objeções de um Rottweiler Amoroso. Leiam e ouçam Reinaldo Azevedo. Defendam sua liberdade enquanto é tempo.