Em maio de 2016, publiquei este apelo de Thais Azevedo, que estava sendo processada por exercer seu direito à liberdade de expressão. Ela pedia ajuda financeira para se defender. Foi um dos posts mais populares que publicamos.
A sentença da primeira instância saiu recentemente e foi feita justiça. Thais venceu.
Leiam o relato de seu advogado, Rafael Rosset.
https://www.facebook.com/rafael.rosset/posts/10212026663600156 Em 2016 a Thais Godoy Azevedo acompanhava o pai, que então se preparava para uma cirurgia gravíssima, quando foi citada para uma ação que tramitava no JEC de Goianira/GO. Uma militante feminista queria R$ 30.000,00 e o fim da página Moça, não sou obrigada a ser feminista. A Thais me ligou e eu assumi, com muito prazer, a defesa dela.
Em resumo, a feminista estava indignada porque alguém tirou um print de um post dela e compartilhou na página "Moça", o que gerou uma série de comentários jocosos e depreciativos. Ela aparentemente queria o direito de falar e não ser contestada, de opinar e ser sempre aplaudida, nunca criticada. O detalhe é que ela alegou violação de privacidade, mas o post dela era PÚBLICO.
A sentença saiu essa semana, e o resultado está aqui. De forma transparente, a íntegra da sentença está no link, pra quem quiser ler (o processo é público). Em suma, a juíza (sim, é uma MULHER) ressaltou que a postagem da feminista tinha um tom provocador ("a autora (...) fez uma afirmação provocativa aos leitores masculinos e os incitou a responderem sua provocação"), de sorte que ela não poderia reclamar pelo teor dos comentários recebidos ("o dano moral alegado originou-se da própria conduta da autora, que expôs sua opinião e sua intimidade e chamou os homens a responderem o seu comentário, através de uma frase provocativa"). Tampouco ela poderia alegar que teve sua privacidade violada se opina de maneira pública ("não foi a reclamada quem expôs a autora e sua honra, foi ela mesma quem se expôs em público").
Estabelecendo importante precedente, a juíza deixou claro que não se pode responsabilizar os administradores da página pelo teor dos comentários dos seguidores, principalmente se há provocação ("não se pode responsabilizar a reclamada pelas críticas e ironias feitas à autora pelos leitores da página, notadamente porque a autora os incitou tais comentários ao escrever em seu texto a seguinte frase: 'respondam aí, fodões'."). Pois é, se usar bait tentando gerar reações pra se vitimizar depois, não pode mais reclamar.
E, na parte mais sensacional da sentença, a juíza ressalta que o post da feminista tomava por verdadeira uma notícia veiculada pelo Joselito Müller, claramente satírica, o que denotaria, da parte da autora da ação, uma "combinação entre a cultura que ainda aceita a censura e o deficit de leitura da maioria dos brasileiros".
Meu trabalho neste processo resultou ainda num gostoso artigo para o Implicante, em que analiso a gênese do direito pleno à liberdade de expressão, e porque tal liberdade engloba também e principalmente a liberdade de dizer coisas que desagradam alguns, mesmo que esses "alguns" sejam minorias ou grupos "sensíveis". Ninguém está a salvo da crítica, e não existem "espaços seguros" num mundo livre. Se você quer ter o direito de falar, vai ter também a obrigação de ouvir e ser, eventualmente, criticado e ridicularizado. Não há meio termo, e a causa que você defende ou a ideologia que você professa não te torna imune a críticas, ainda que você pense deter o monopólio da virtude.
Evidentemente cabe recurso da sentença, mas, até aqui, justiça foi feita, e a alegria da Thais com o resultado obtido alegrou minha semana. São as felicidades dessa profissão.
A íntegra da sentença pode ser lida aqui.