O Deus da Máquina, capítulo XXII
O Circuito de Energia em Tempos de Guerra
Isabel Paterson, 1943
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Bombardeiro B29 |
A
guerra é uma demonstração em grande escala da natureza do governo como
mecanismo e de sua relação com o fluxo de energia. A principal razão pela qual
o governo é identificado com o poder é que a autorização e condução da guerra
são prerrogativas da agência política; mas, se essa impressão for examinada
como uma proposição da Física, descobriremos que a verdade é o contrário. O
governo é estrutura repressiva e mecanismo expropriante, pelos quais, em tempos
de paz, a energia dos cidadãos é protegida do canal guerreiro e represada, para
ser liberada — não originada ou criada — quando a guerra começa. O poderio está
antes da barragem. Não está no exército, mas na nação, uma vez que consiste em
um excedente de produção, tanto em efetivo pessoal como em materiais. Um
exército mobilizado é subtraído da produção e só pode funcionar se houver um
suprimento contínuo fornecido pela vida civil da nação. É um produto acabado.
Assim, nações e impérios de longa duração são sempre aqueles de caráter civil e
sempre parecem estar despreparados
para a guerra.
A
ciência militar como tal considera apenas a ação do produto acabado e fica desorientada
quando os exércitos se tornam ineficazes. A força de combate de uma nação é
geralmente calculada em efetivos (pessoal) e armamentos, incluindo instalações
estacionárias de defesa. É a partir desses cálculos que os projetos de
conquista do mundo pela força das armas são empreendidos; e embora fracassem
sempre, não se percebe a razão inerente porque fracassam.
Embora
a produção seja a medida real do poder militar, uma estimativa bruta ou total
pode ser ainda mais fatalmente enganosa. A produção é o fluxo de energia.
Indica a força combatente disponível se a conexão entre a ordem civil e o
exército estiver correta; caso contrário, revela apenas a extensão do desastre
em potencial.
A
relação correta depende do modo de conversão de energia em uso. Em uma economia
primitiva, a força disponível é uma porcentagem simples. O produtor selvagem
também é o combatente; é capaz de prover sua própria subsistência e regula a si
mesmo, igualando-se nele o impulso beligerante e o controle. Não há organização
externa ou comando. Isso vale também para a sociedade pastoril nômade; os
combatentes precisam manter sua própria fonte de suprimentos e as linhas de
suprimentos, porque também são os produtores. Nos dois casos, é óbvio que a
tribo não pode dispor de seu efetivo em uma proporção além da reposição
natural, por um dado período de anos, sem uma derrota absoluta por extinção.
Em
comunidades agrícolas assentadas com uma cultura de artesanato, algum grau de
organização militar específica passa a ser viável. Mas o tipo apropriado de
organização é determinado pelo estágio de desenvolvimento do comércio. A esse
respeito, a República Romana era uma economia mais avançada que o feudalismo
estrito. A sociedade feudal era uma economia agrária plenamente organizada; e o
limite estreito de sujeição ao serviço militar era determinado pela margem estreita
de excedente de produção. Exigia-se de uma senhoria feudal que fornecesse
apenas certo número de homens, que deveriam proteger o campo por apenas poucas
semanas no ano. Seria inútil exigir mais; a economia não conseguiria equipá-los
ou sustentá-los, com seu escasso suprimento de alimentos e seus meios de
transporte de alcance limitado. Os combatentes, cavaleiros, escudeiros e
cavalariços, não faziam muito trabalho produtivo, de maneira que podiam
facilmente ficar à disposição, já que tinham de ser sustentados durante a paz
da mesma maneira que durante a guerra. Os produtores eram praticamente isentos
do serviço militar. Embora os combatentes feudais estivessem à disposição do
suserano ou do rei, e sob seu comando nominal na guerra, o controle real era
local; respondia aos suprimentos de seu local de origem. Assim, as regras da
guerra eram feitas em conformidade com isso. Em seus recursos militares, a
República Romana estava quinhentos anos à frente do feudalismo; havia comércio
e dinheiro suficientes para permitir um comando centralizado e um raio de ação
mais abrangente. Era possível engajar uma grande porcentagem da força de
trabalho; portanto, todo cidadão fisicamente capaz estava sujeito a servir em
caso de emergência. O recrutamento continuava sendo viável porque o raio ainda
era limitado e também era coerente com o patria
potestas
na ordem moral.
Quando
a receita nacional provém principalmente do comércio, como era no Império Romano
e no Império Britânico, o recrutamento militar deixa de ser viável. O exército
é um coeficiente do sistema comercial; sua efetividade existe na proporção de
sua mobilidade, velocidade, disciplina e constante prontidão, e não de seu
tamanho. Isso exige um exército profissional, com um contingente mínimo sempre
a serviço, em vez de um máximo convocado por um período curto em ocasiões
especiais. O recrutamento militar foi abandonado, em Roma e na Inglaterra,
exatamente quando essas nações se tornaram impérios. O dinheiro é o meio de uma
sociedade de contrato; e ele necessita de uma relação compatível do exército
com a nação.
As
condições de funcionamento de um estado militar, organizado para a “guerra
total”, foram perfeitamente exemplificadas uma única vez na história, e seus
limites expostos, por Esparta. A produção era extorquida dos escravos, que
mantinham a economia no mais baixo nível de subsistência. Todos os cidadãos do
sexo masculino (não-escravos) eram soldados; mas não podiam ir lutar longe de
casa, sem possuir recursos auxiliares — comércio, dinheiro, transportes. O
modelo espartano era perfeito em sua categoria terrível. Sobreviveu por um
período considerável em uma condição estática; mas, quando tentou se expandir,
— sendo abastecido pelos estados mercantis gregos para poder combater em um
raio ampliado — se desmantelou. Nenhum estado desse tipo consegue se beneficiar
da conquista de uma nação de produção superior; será arruinado pela vitória se
não for pela derrota. Qualquer estado militar que tente usar uma economia de
máquinas sofrerá uma dissolução ainda mais rápida.
A
teoria militar carece de sentido porque trabalha com a conduta dos exércitos
existentes, sem levar em consideração a ordem civil de onde foram tirados.
Mesmo que a estratégia, as táticas e a tecnologia sejam idênticas em teoria, um
exército profissional, um exército mercenário e um exército cidadão lutam por
princípios diferentes, de acordo com sua relação com a ordem civil.
O
exército profissional, embora sinceramente leal a seu próprio país, tem de
lutar por sua própria conservação como exército, tanto quanto pela vitória
imediata. O objetivo intermitente é uma vitória em particular; o objetivo
específico é vencer uma guerra; mas o objetivo constante é manter o exército
existindo indefinidamente. Isso não significa que faltará coragem aos soldados
em qualquer momento; ao contrário, sua determinação não deve falhar nunca e
qualquer parte do exército pode ser obrigada a resistir a um ataque a qualquer
momento, com custos extremos para o destacamento. A condição mais
desmoralizante para um exército profissional é ser envolvido ou usado, ou acreditar
que está sendo usado, por facções internas de seu próprio país. Um exército
profissional é um instrumento da autoridade constituída: sua conexão de energia
é com a linha central ou tronco; seu interesse normal é o do país inteiro, por
meio do governo; e o interesse privado dos soldados fica confinado à sua
profissão. Quando é usado por uma parte da nação contra outra parte da nação,
acontece um curto-circuito; assim, mesmo o emprego do exército para tarefas
extraordinárias de polícia é um expediente duvidoso.
Um
exército mercenário luta por suas próprias mãos; seu interesse é na extorsão e
só pode ser avaliado como uma série de objetivos imediatistas. Quando exércitos
estritamente mercenários existiam, estavam abertos a ofertas de qualquer lado e
não estavam dispostos a lutar mais do que o que compensasse. Geralmente, eram
tão perigosos para seus empregadores quanto para o inimigo. É muito difícil
desmoralizá-los além de sua condição ordinária; quando existiam, isso indicava
a falta de uma ordem civil normal nas nações que os empregavam. Eram o
resultado de uma economia comercial que não tinha estrutura política adequada,
onde faltavam bases regionais.
Um
exército cidadão luta pelo interesse dos soldados enquanto cidadãos, tendo em
mente as conseqüências da guerra real em que estão engajados. O incentivo mais
positivo para um exército cidadão lutar é o desejo de ir para casa; mas isso
significa que o soldado deve esperar encontrar em casa o objetivo pelo qual
está lutando. O interesse do soldado cidadão é o do produtor, um homem que
deixou seu emprego e propriedade. A condição mais desmoralizante para um
exército cidadão é o conhecimento ou suspeita de que os direitos dos soldados
individuais como cidadãos estão sendo prejudicados a pretexto da guerra. O
exército cidadão luta por uma causa definida, que se acredita que seja
atingível pela guerra; e se a causa
desaparecer, o exército se dissolve. O soldado cidadão é sustentado pela
energia da linha de produção privada de sua vida civil, que é temporariamente
desconectada e ligada à estrutura militar; a linha civil carrega a carga. Se o circuito
de energia civil for rompido, a carga não poderá ser mantida. Daí vem o fato,
registrado em toda a história, de que é sempre o maior exército que uma nação
consegue reunir que subitamente se desfaz. Ele luta com uma energia
incomparável enquanto lutar; e se desintegra completamente quanto se acaba,
como ocorreu com os exércitos de Napoleão, do Czar, e da Alemanha ao fim da
Primeira Guerra Mundial.
A
fraqueza da teoria puramente militar fica evidente quando aplicada a qualquer
guerra passada. Pelas regras formais, a Revolução Americana deveria ter
fracassado antes de começar, e uma dúzia de vezes depois que começou.
Confrontados com essas impossibilidades técnicas, os teóricos ficam furiosos e
especulam sobre o que teria acontecido se Washington tivesse recebido um apoio
mais adequado do Congresso; se os dois lados tivessem recorrido ao recrutamento
militar; e assim por diante — considerando que, se os americanos ou os ingleses
se sujeitassem ao recrutamento militar naquele momento, não poderia ter havido
Guerra Revolucionária nenhuma; nem haveria tal guerra se um Congresso com
autoridade federal definida já existisse previamente, porque esse governo
necessariamente pertenceria a uma nação já independente. Outra vez, teóricos
sugerem que a Guerra Civil poderia ter sido vencida pelo governo federal na
primeira campanha se houvesse um exército permanente suficiente. Mas as forças
confederadas eram comandadas por um soldado que renunciou ao seu
comissionamento federal por causa da secessão; um grande exército permanente
teria sido dividido em obediência a ele. As guerras têm de ser lutadas
quaisquer que sejam as condições presentes na ocasião. Elas se originam dessas
condições. Mas, em toda e qualquer circunstância, a condição indispensável para
a vitória final é que os produtores mantenham o controle do sistema de
produção, de maneira que apenas o produto acabado possa ser tomado para fins
militares.
O
motivo pelo qual essa condição não é entendida é que, ao avaliar a efetividade
militar, não se considera o fator tempo; não se diferenciam os resultados de
curto prazo e os de longo prazo. Napoleão é considerado um mestre na arte da
guerra porque venceu numerosas batalhas e conquistou um vasto território em um
período de menos de vinte anos; mas, ao final, a nação que comandava estava
exaurida e ocupada por seus inimigos. Ele tinha o controle de todos os recursos
da nação. Desde sua época, a França declinou continuamente em poder militar,
enquanto manteve fielmente o sistema usado por Napoleão. Como essa seqüência
específica aconteceu — uma explosão de energia avassaladora seguida por um
longo declínio? Napoleão não apenas esvaziou o reservatório de energia
excedente, mas deixou aberta a comporta, com o recrutamento militar geral em
tempos de paz, de maneira que o pleno poderio nunca mais pôde se formar. Depois
disso, a Alemanha seguiu o mesmo caminho, com os mesmos fenômenos resultantes,
até o mesmo fim, num ritmo levemente acelerado. A França foi unificada por Luís
XIV, que obteve numerosas vitórias e conquistou a Europa, para terminar
derrotado; a bancarrota e o colapso se seguiram rapidamente; o processo foi
repetido com a Revolução e o regime de Napoleão. Bismarck “unificou” os
principados alemães e obteve vitórias; a Alemanha conquistou a Europa em 1914,
foi derrotada, entrou em colapso; e repetiu o processo na guerra mundial atual.
Esses “homens de poder” são na realidade meros destroços de naufrágio, resíduos
flutuando em uma enchente, ilustres por sua falta de capacidade produtiva e de
responsabilidade.
A
miséria generalizada é fatalmente o resultado se um exército é abastecido por
uma fonte — seja interna ou externa — sobre a qual os produtores não têm
controle. É uma possibilidade recorrente; acontece quando a energia cinética
minou as bases políticas. Causa guerras do tipo mais terrível, nas quais
ninguém é capaz de fazer a paz. A Guerra dos Cem Anos,
as Guerras das Rosas e
a Guerra dos Trinta Anos
foram desse tipo. A perda de controle é mais evidente na Guerra dos Trinta
Anos. A autoridade do Sacro Imperador Romano-Germânico era nominalmente válida
para recrutar um exército; mas as receitas diretas do imperador eram
inadequadas para sustentar grandes forças em campo, por qualquer período de
tempo. O imperador, portanto autorizou um soldado aristocrático de posses, o
Conde Wallestein,
a recrutar soldados e sustentá-los por pilhagem ou tributos forçados. Outros
soberanos, por seus próprios objetivos, contribuíam com Wallenstein com
subsídios em dinheiro de tempos em tempos. Como resultado, não havia controle
efetivo sobre o exército de Wallenstein; o imperador não podia desmobilizá-lo
quando quisesse; os soldados vagavam como bandos de lobos, devastando o país e
cometendo atrocidades horripilantes. Quando veio a paz, foi a paz da desolação,
com o exército desmobilizado pela fome e a zona rural quase despovoada. Foi
praticamente o fim do Sacro Império Romano-Germânico. E o efeito teria sido
exatamente o mesmo se o Imperador estivesse em posição de tomar todos os
recursos de seus súditos para uso militar; nos dois casos, a situação é que a
agência militar não está sob controle do elemento produtivo. A Europa,
atualmente, está em uma guerra do mesmo tipo. Os governos tomaram o controle de
todos os recursos de suas nações. Todos os exércitos estão lutando sustentados
pelo retorno decrescente de seus recursos de capital e alguns subsídios da
América. Não têm como esperar voltar à vida civil porque não existe vida civil;
também não são soldados profissionais; portanto, lutam sem objetivo. O problema
obscuro é escondido pelo problema aparente; o problema obscuro é que não há
controle sobre os exércitos. (Quando um automóvel não pode ser parado pelas
pessoas que estão dentro dele, está fora de controle.) Os comandantes nominais
dos exércitos da Europa não ousam deixá-los ir para casa. Os exércitos são
porções imensas de massa deslocada colidindo uns contra os outros pela energia
cinética; e os soldados foram isolados tanto do passado como do futuro, porque
o circuito de produção da Europa foi rompido e destruído. Para nações nessa
situação, nem mesmo o fim dos combates pode trazer alívio, porque os governos
não podem desmobilizar esses exércitos monstruosos em nenhum caso. Eles
permanecerão em pé-de-guerra. O fato é reconhecido, já que a única solução
proposta é um “armistício” por tempo indeterminado sob exércitos de ocupação.
A
produção mecanizada não pode ser desenvolvida ou sustentada em nenhuma economia
planejada, mesmo em tempo de paz, porque o gerador funciona em um circuito de
energia muito longo, no qual as conexões são feitas pelo livre comércio. A
primeira carga de qualquer circuito de energia é a manutenção e a reposição ao
longo do circuito inteiro. Isso é óbvio em um circuito local de energia, no
qual é um problema evidente do produtor conseguir comida, roupas e abrigo a
partir de sua produção; mesmo que seja usado trabalho escravo, o senhor mais
brutal não pode enganar a si mesmo acreditando que um escravo pode continuar
trabalhando se sua ração for inadequada para sustentar a vida. Mas o longo
circuito é uma economia financeira; e, aparentemente, muitos homens imaginam
que podem subtrair mais e mais energia da linha de transmissão de dinheiro sem
conseqüências para a continuidade do fluxo.
O
estado militar é a forma final para a qual toda economia planejada tende
rapidamente. Mas a força militar consiste em energia extraída da produção, sem
dar retorno. Então, se o nível de produção geral é diminuído, o poderio militar
deve ser prejudicado de maneira correspondente. A energia que flui pelos canais
da vida civil privada é auto-sustentável, auto incrementável e auto renovável.
A energia que flui pelo canal militar é totalmente gasta; não produz nada, nem
mesmo a manutenção de suas linhas de transmissão. Um exército pode
ocasionalmente tomar suprimentos do inimigo, em pilhagem ou indenizações, mas
esses recursos são rapidamente consumidos.
Portanto,
a efetividade militar de longo prazo, a sobrevivência de uma nação através dos
riscos recorrentes de guerra, geração após geração — e é isso que uma nação tem
de conseguir se quiser sobreviver — depende, de maneira absoluta, da
preservação dos recursos de capital, usando apenas o excedente para fins
militares como produto acabado. É duvidoso se existe alguma hipótese em que o
capital possa ser consumido de maneira segura; não podemos confiar na aparência
superficial, porque descobriremos, examinando o registro histórico, que nações
de longa sobrevivência jamais permitiram que seu capital fosse comprometido, nem
mesmo em seus maiores esforços militares. O que fizeram de fato foi aumentar a
produção geral. Ao final das guerras napoleônicas, estima-se que a Grã-Bretanha
tinha uma produção geral cinqüenta
por cento superior à do início dos conflitos. Napoleão tentou embargar a
Europa, enquanto os britânicos comerciavam com todos que desejassem, incluindo
os próprios franceses. Na Guerra Civil Americana, o Norte certamente aumentou
sua produção geral; enquanto o Sul, de maneira insana, começou a guerra declarando um embargo de seu próprio algodão, paralisando
assim o seu crédito no exterior.
A
teoria atual de que “sacrifícios” vencerão a guerra é o extremo da
irracionalidade. Quando um caminhão é necessário, não é possível dirigir um
sacrifício. O objeto tem de ser fabricado, e só pode ser fabricado no circuito
completo, com homens livres usando a propriedade privada livremente. Se a
guerra toma mais que o excedente de produção por um dado período de tempo,
mesmo uma série ininterrupta de vitórias levará a nação cada vez mais perto da
derrota irremediável, pela cessação completa de suprimentos.
O
erro de uma nação que faz guerra gastando seu capital, pensando em vencer antes
que as reservas se esgotem, é que ela assumiu um gasto incalculável sustentado
por uma quantidade limitada. Cortou a alimentação e está funcionando a bateria;
mas a energia em uma bateria é uma quantidade fixa, enquanto o tempo futuro que
uma guerra vai durar e o consumo de energia resultante que será exigido ao
longo do tempo jamais podem ser
conhecidos previamente. A única certeza é que a relação que essas
conjecturas ignoram — o fato de que se o capital está sendo exaurido; mais
energia é tirada do circuito que o excedente provê — é uma fórmula para a
derrota; a nação ficará cada vez mais fraca. Se a força militar não é mais que
o que o excedente de energia provê, é pelo menos uma potência permanente, estendendo-se
ao infinito e pode, portanto, manter-se esperando a vitória final por um
período indeterminado.
O
tempo está ao lado da nação que aumenta sua produção geral. O tempo é neutro
para a nação que mantém a produção geral em seu nível anterior. O tempo é
mortal para a nação que luta com seus recursos de capital.
Conseqüentemente,
com um sistema de alta energia, a única coisa que torna a vitória final
impossível é a organização da nação inteira como um estabelecimento militar,
tirando recursos da produção. A manufatura de material bélico não constitui um
circuito de produção; é apenas produto acabado. Em pouco tempo, uma organização
militar desse tipo entrará em conflito consigo mesma internamente, discutindo
de onde a energia deve ser expropriada do pessoal e dos materiais existentes
quando ela assume o poder. O “problema obscuro” foi completamente ignorado; e o
“problema aparente” se separa em uma dúzia de falsos problemas. Isso só pode
ser entendido se o problema obscuro for definido, a necessidade militar real.
O problema militar real
de uma nação é encontrar de onde a energia para a guerra pode ser tirada do
circuito para se obter a máxima força sustentável de combate na aplicação
final. O gerador funciona em um sistema muito longo e
complexo de linhas de transmissão, das fontes de matéria-prima aos pontos
focais, tributários, alimentando linhas tronco, para que haja uma
redistribuição em produtos-acabados. A energia se eleva gradativamente por toda
a linha.
E
não é simplesmente uma progressão
geométrica, um múltiplo do efetivo pessoal, ao final; é um poder transcendente.
Para
a conveniência de expressar o problema real, vamos assumir que cem homens na
produção geral produzem o suficiente para sua própria subsistência e, além
disso, um excedente suficiente para
sustentar outros cem homens com maquinário, materiais e tudo o que é necessário
para produzir um avião de máxima velocidade e raio de ação, equipado com o
máximo de armamento; e para manter esse avião no ar durante seu tempo efetivo
de uso. Assim, há duzentos homens inteiramente ocupados tanto no circuito
principal de produção como no circuito de produção final, ao fim do qual um
avião é disponibilizado para uso militar. Mas, uma vez que o avião foi montado,
equipado e posto em operação, todos os homens ocupados no processo, com a
matéria-prima que usaram, ficariam completamente indefesos contra a arma que criaram, com sua pequena tripulação treinada. A
máquina que produziram não é simplesmente um múltiplo de seu poder natural; ela
transcende o poder que foi usado para criá-la. Toda a efetividade militar da
guerra moderna foi colocada naquele avião, porque se trabalhou no longo
circuito de energia de alto potencial.
A
máxima força combatente sustentável por um sistema de alta energia, uma
economia livre usando suas próprias armas, é infinitamente superior à simples soma de um múltiplo do efetivo
pessoal de uma nação. Se os duzentos homens envolvidos no processo completo do
qual o avião é um produto final fossem tirados da linha de produção e mandados
para o front, a força de duzentos homens não seria somada ao exército. Ao
contrário, a força combatente que eles forneceriam seria completamente perdida.
Assim,
a razão ou porcentagem de homens úteis no exército de uma nação de alta
energia, para se obter a máxima força combatente sustentável, é muito menor, na
proporção do simples efetivo pessoal da nação, do que seria com um sistema de
energia inferior. Quanto mais alto o potencial de energia usado no sistema de
produção, menor deve ser o exército proporcionalmente
ao simples efetivo pessoal da nação. Se são necessários duzentos homens para
produzir o poder transcendente que dez homens usam na aplicação final na linha
de combate, então apenas cinco por cento do efetivo pessoal da nação podem ser
eficazes nas forças armadas. Usar
mais que essa porcentagem é enfraquecer a força combatente na razão inversa.
Mas
é isso o que faz o recrutamento militar, absorvendo o simples efetivo pessoal em
vastas quantidades, o que significa expropriar energia da nação exatamente no
nível em que isso é ineficaz para a guerra, e desperdiçá-la numa extensão
incalculável. A teoria de “guerra total”, que significa recrutamento militar
geral e uma “economia planejada”, com toda a força de trabalho da nação
submetida a restrições e proibições, presa a empregos designados ou deslocada
arbitrariamente, corta a linha de produção na origem. O poder transcendente da
produção geral só pode ser obtido por homens livres que escolhem seus empregos
por sua vontade própria, em troca do pagamento que esse trabalho trará,
qualquer que seja ele. O homem criativo deve encontrar o lugar e o emprego onde
possa funcionar; deve ter uma liberdade de escolha contínua do que fará com sua
capacidade, seu tempo e seus meios. Se um homem é colocado em um trabalho
forçado, tudo o que pode ser obtido dele é sua força muscular. Se está preso a
um emprego designado, tudo o que pode ser obtido dele é o que a tarefa
prescrita permite. Quando trabalha conforme escolheu, encontrando para si o
mercado para seu talento, é absolutamente impossível prever em que extensão ele
vai aumentar a produção. Se Charles F. Kettering ou
Thomas Alva Edison ou Henry Ford tivessem sido obrigados a cavar trincheiras,
seria possível calcular aproximadamente quanta energia ou trabalho poderiam ser
extraídos deles. Deixados a seus próprios dispositivos, como aconteceu, é
impossível dizer quanta energia eles acabaram liberando na produção. Da mesma
maneira, o dinheiro que ganharam em salários ou lucros, que deu a eles uma
chance maior de experimentar o que tinham em mente e que retornou à linha de
produção por meio deles, tornou-se um poder transcendente ou infinito; enquanto
a mesma soma dividida em salários diários pelo trabalho comum teria produzido
apenas aquela soma em energia. (Se tomada em impostos e paga a funcionários
públicos, teria apenas aumentado o peso morto.) Assim, a limitação proposta do
salário dos homens produtivos seria uma grave restrição à alta produção; se o
limite fosse suficientemente baixo, o efeito seria parar completamente a alta
produção.
Agora,
esta possibilidade incalculável ou infinita, o poder transcendente, é
necessária de maneira ainda mais urgente na guerra que na paz; mas não pode existir a menos que os homens sejam
livres para procurar seus próprios empregos, e tenham controle privado dos
meios de produção. Apenas quando a liberdade pessoal e a propriedade
privada são preservadas, a produção geral pode crescer em tempos de guerra, com
um aumento concomitante do excedente disponível para uso militar.
A
lição é que a energia para uso militar deve ser tirada do circuito apenas como
produto acabado, para que se atinja a máxima força combatente sustentável. Além
disso, um homem não é nem um meio nem um produto; sua competência em uma
tecnologia avançada é desenvolvida por ele mesmo; portanto, só pode se tornar
disponível efetivamente por sua própria vontade. É possível recrutar homens e
ordenar que embarquem em aviões e pilotem? Não, isso é impossível. Um sistema
de alta produção fornece, na vida civil, a maior parte do treinamento para o
uso da tecnologia na guerra, da mesma maneira que cria as invenções, o
material, o maquinário e a organização para fabricar armamento avançado, com o
fluxo de energia que sustenta as forças militares; e esses recursos devem ser
usados nos mesmos termos em que são criados, ou seja, por um efetivo
voluntário, para que seja obtida a máxima força de combate. O erro mais
abrangente e fatal que pode ser cometido na guerra é tirar a maior parte da
energia da nação no nível de mão-de-obra simples e em dinheiro para ser gasto
no mesmo nível para a subsistência de um exército massivo. Então, não sobra
nada para ser extraído exceto uma pilha de matérias-primas, o maquinário que já
existia e que deve se desgastar rapidamente, e um resto inadequado de pessoal
de produção que só pode continuar trabalhando nesses bens de capital
depreciados enquanto não se esgotarem. É o que a Europa fez.
Um
sistema de produção não determina as relações morais da sociedade. As relações
morais criam o sistema de produção. Homens livres criaram o dínamo; e ele não
funciona exceto na sociedade de contrato, de propriedade privada, de livre
iniciativa. Um exército não está em uma relação correta com a ordem civil a
menos que seja organizado sobre os mesmos princípios morais. Não é verdade que
“ninguém vence uma guerra”. Quando uma nação é atacada, embora o custo da
guerra seja uma perda, se conseguir preservar a si mesma e às suas instituições
da destruição, derrotando o inimigo, venceu a guerra. Uma economia livre
invariavelmente vence uma economia fechada ou de status ou um “estado
totalitário”. Mas tem de lutar como uma
economia livre.
A
destruição causada pelas nações ditatoriais da Europa na guerra atual provocou
uma impressão completamente enganosa do problema real de guerrear utilizando o
produto de um sistema de alta energia. Essas nações ditatoriais se prepararam
para a guerra carregando suas baterias enquanto ainda estavam ligadas ao grande
circuito mundial de energia, criado e mantido pelas economias livres. A Rússia
não contribuiu criativamente em nada para esse sistema. Mas existem minas de
ouro na Rússia; e a Rússia exportou ouro, vendeu ações no exterior, e também
espremeu o que pôde de sua própria miserável economia de subsistência — ao
custo da fome efetiva de sua população — para trocar por maquinário e contratar
técnicos das economias livres. A Alemanha herdou uma tecnologia avançada,
técnicos treinados, maquinário e uma organização industrial de sua condição
anterior de comparativa liberdade. A Alemanha também usou todos os dispositivos
fraudulentos de inflação da moeda, empréstimos elevados do exterior e crédito
estrangeiro — desfalques deliberados durante vinte anos — para obter os bens
produzidos pelas economias livres. O Japão vendeu ações no exterior para
comprar armamento.
Confiando nessas baterias carregadas, a Rússia, a Alemanha e o Japão
mergulharam na guerra, e conseguiram pilhar mais alguns suprimentos. Estão
consumindo as reservas da Europa na luta, produzidas pela economia livre
anterior, e o produto do circuito de energia americano. Viajando pelo mundo nas
duas direções, a energia da América encontrou-se consigo mesma em Stalingrado,
num curto-circuito. A energia americana ainda abastece a Rússia e é sua única
força efetiva. Em menor quantidade, a energia americana também chegou à China,
para encontrar a energia americana fornecida anteriormente ao Japão. A energia
americana literalmente explodiu o mundo civilizado, porque foi jogada nos canais políticos da Alemanha, da Rússia e do
Japão.
A
relação histórica da Rússia com a Europa permanece, na guerra atual, a mesma
que tem sido nos últimos trezentos anos. Na vida de uma nação, a
descentralização é a fórmula da longevidade; mas isso pode acontecer por
planejamento, com uma estrutura política sólida, ou por acaso, pela ausência
total de estrutura. Dadas certas condições, nações de grande expansão podem
existir de maneira continuada por inércia. Isso é verdade na China e na Rússia.
Ambas consistem em vastas planícies, isoladas das nações adjacentes por
barreiras naturais de montanhas, desertos, pântanos, lagos e geleiras. Ficam no
final das rotas comerciais do velho mundo. Nenhuma delas chegou a ter estrutura
política. Apenas a configuração física, a superfície plana, levou a população
desses países a se agregar em monarquias, como objetos móveis se juntam rolando
em uma tigela rasa. Suas economias são locais, com um comércio mínimo. Até a
ascensão da monarquia moscovita, a Rússia era um agrupamento solto de
comunidades inconstantes e desconectadas. As comunidades rurais eram
democracias puras. Nas comunas das velhas aldeias, “cada questão devia ser
decidida por unanimidade”; assim, os dissidentes eram “espancados até
abandonarem sua oposição”. (Essa é a contradição inerente da teoria
democrática.) A pressão de incursões bárbaras as consolidou sob um despotismo.
Mas o despotismo central deixava as economias locais funcionarem de maneira
autônoma, exceto pelos impostos.
Quando
uma nação com um sistema de energia superior invade uma grande área que contém
apenas economias rurais locais, encontra o problema da dissipação da alta
energia no espaço. Enquanto Napoleão conquistava a Europa, podia alimentar seu
exército com o circuito de energia das nações que ocupava, exigindo
indenizações em dinheiro e usando esse dinheiro para obter o que precisasse do
sistema de produção civil. Na Rússia, não havia como fazer isso. A população
civil russa não poderia abastecê-lo, mesmo que quisesse; não tinham os
transportes necessários, nem a organização geral. Portanto, o exército de
Napoleão avançou rapidamente até o limite de sua própria linha de suprimentos,
e então estacou, como uma bala disparada cai ao chão.
Na
guerra atual, os alemães encontraram o mesmo problema de espaço e não há como
resolvê-lo. Não tinham como levar suprimentos para seus exércitos avançarem
indefinidamente, porque as necessidades de transporte crescem em progressão
geométrica; e não tinham como obter suprimentos adequados dos territórios
conquistados. Já foi dito, e é verdade, que o fracasso do Plano Qüinqüenal de Stalin
arruinou Hitler. Da mesma maneira, o Japão invadiu a China com energia
emprestada das economias livres, mas não conseguiu obter suprimentos adequados
na China para sustentar seus exércitos mecanizados. Quando os suprimentos dos
Estados Unidos foram suspensos pelo embargo, o Japão teve de escolher entre se
retirar da China com prejuízo ou declarar guerra às potências ocidentais para
tomar as estações de suprimentos fronteiriças do circuito de energia ocidental
no Oriente, como os poços de petróleo e refinarias da Holanda nas Índias
Orientais. Por quanto tempo o Japão vai conseguir manter seu equipamento
militar de alta energia, enquanto está isolado do circuito de produção
ocidental, é uma questão que só pode ser respondida com conhecimento específico
de suas necessidades de reposição e das matérias-primas pilhadas. No longo
prazo, o poder militar do Japão vai certamente entrar em colapso, assim como o
equipamento da Alemanha e da Rússia vão se desgastar e se tornar inúteis se elas
continuarem permanentemente sem contato com as economias livres. Se a liberdade
fosse extinta em todo o mundo, todo o sistema de produção de alta energia se
desmantelaria e pararia de funcionar. Nenhum despotismo consegue manter de
maneira independente e indefinida uma economia de máquinas ou um exército
mecanizado. Mas, até que as baterias estejam completamente descarregadas, um
despotismo consegue causar danos gigantescos; e o Japão está em posição de provocar
essa destruição no Oriente e, até certo ponto, no mundo ocidental com suas
reservas atuais. Não é desprezível enquanto durar. Contudo, toda a força de combate do Japão foi tirada
do Ocidente.
Então, se as
economias livres interromperem seus próprios circuitos de energia internamente,
impondo o poder político sobre a produção, de onde vão tirar a energia
necessária para funcionarem e lutarem? Os Estados Unidos não podem emprestar,
mendigar, copiar, fraudar ou pilhar qualquer outra nação no mundo, seja pela
paz, seja pela guerra. Como pode então a América imitar as nações
“totalitárias”? É impossível. A liberdade para os americanos não é um luxo da
paz, que pode ser “sacrificado” em tempos de guerra. É uma necessidade em
qualquer tempo, mas acima de tudo na guerra; nessa situação, torna-se uma
questão imediata de vida ou morte.