O Deus da Máquina, capítulo XXIII
A Economia Dinâmica e o Futuro
Isabel Paterson, 1943
Os
selvagens primitivos sabem como fazer fogo por fricção. Devem ter descoberto o
processo há dezenas de milhares de anos. Porém, até a metade do século 18, os
cientistas debatiam se o calor era ou não um elemento material (uma “substância
indestrutível”), embora já estivessem testando máquinas a vapor. Assim, um
princípio pode ser posto em prática muito antes de ser entendido ou definido.
Portanto, não é estranho que o fato óbvio de que um sistema de alta produção funciona
em um longo circuito de energia não tenha sido percebido e que as leis gerais
que governam sua criação e manutenção não tenham sido formuladas. Mesmo a
definição de energia atrapalhou o entendimento das condições de seu uso estendido
pelos seres humanos para seu próprio benefício. A definição é confinada à
medição por seus efeitos; e nenhum projeto viável de um aparato mecânico pode
ser concebido exceto de acordo com essa medição. Contudo, isso obscurece o
problema principal da utilização da energia através de um sistema de produção;
porque o homem faz parte do circuito de energia que ele mesmo utiliza e, assim,
introduz um fator que não responde à medição. Como o homem possui uma função
tripla no circuito, sua intervenção é triplamente confusa. Parte da energia é
convertida e transmitida literalmente por seu corpo físico, numa quantidade
mensurável, como por exemplo quando um homem empurra um carrinho de mão; mas,
no longo circuito, ou sistema de alta energia, essa parte é pequena comparada
com a quantidade convertida e usada por meio de materiais inanimados. Outra
função do homem no circuito de energia usa uma quantidade de energia
extremamente variável e praticamente não-mensurável, no esforço intelectual de
invenção ou descoberta de dispositivos para absorver a energia universal; o
retorno desse esforço é incomensurável com qualquer estimativa possível da
energia aplicada. Então, entra em cena a terceira função do homem em seu
circuito de energia, causando ainda mais confusão de pensamento sobre o assunto.
O que o homem faz em sua terceira relação com o circuito de energia é dirigir a
energia que absorveu e controlou. O homem que empurra um carrinho de mão o
dirige pela mesma ação. Sua mente envia o comando diretamente por meio de seus
músculos junto com a força aplicada. Existe um imponderável, mas ele não pode
ser separado da força ponderável direta. Quando a energia é dirigida no longo
circuito, isso é feito por ações nas quais a força gasta não é simplesmente
incomensurável com o resultado, mas absolutamente não entra na seqüência física
específica da transmissão.
É
o que acontece quando se usa dinheiro, crédito ou outros acordos contratuais.
Existe uma seqüência real, material, ininterrupta de energia física
transportada pelo longo circuito de produção, que é visível e facilmente
rastreável. Um agricultor planta comida; vende a maior parte de sua produção e
compra o que precisa; por exemplo, um trator. A comida fornece energia para que
outros extraiam minério de uma mina, produzam aço, fabriquem motores, construam
e operem ferrovias; inúmeros outros produtos entram na seqüência; mas é uma
sucessão física de objetos materiais em movimento e em processo de conversão de
energia, completando um circuito que traz de volta o trator ao agricultor, ou
talvez café do Brasil ou chá da China ou gasolina de poços de petróleo do
Texas. Não há interrupção na linha. Mas a continuidade do fluxo não é idêntica
à de um curso d'água descendo a colina. Deixada a si mesma, a água nunca
subiria a colina; só pode fluir para baixo. Porém, o homem pode interferir, com
dispositivos de engenharia, pelos quais a força total do riacho é utilizada
para mandar uma pequena parte da água para cima outra vez. Da mesma maneira, no
circuito de produção, um trem carregado é puxado colina acima, contra a
gravidade, pela energia que o homem controlou para esse fim. O trem pára nas
estações, porque o homem corta o fluxo temporariamente. Essa energia jamais
fluiria por esse canal específico “por si mesma”, nem seria capaz de retomar o
movimento ou continuar na linha de produção sem que o homem estivesse no
circuito.
Quando
o agricultor vende sua produção ou compra um trator, usando dinheiro real, o
imponderável é representado
separadamente. O peso do ouro não corresponde ao peso do trator, nem a energia
aplicada para manusear o ouro corresponde à energia do trator em movimento. Se
o pagamento é em cheque, de maneira que a existência real do ouro pode ser
ignorada, a natureza da transação é ainda mais obscurecida. Mas o que acontece
é que a energia na seqüência física contínua é dirigida para uma direção especificada por uma ação paralela
representativa. Talvez, a maneira mais fácil de compreender o processo seja
assumindo que o circuito de produção seja muito menor e mais simples do que ele
poderia ser de verdade. Imaginemos o agricultor, o mineiro, o fundidor de aço,
o fabricante do trator, etc., formando um círculo, cada um passando seu próprio
produto para quem está à sua direita; enquanto isso, o dinheiro é passado de
volta à esquerda, fazendo um pagamento a cada transferência. A energia física
que constitui o circuito nunca está no dinheiro; está nos bens e nos meios de
transporte. Além disso, a interferência do homem no circuito introduz um fator
pelo qual mais energia é produzida (ou tomada) no processo do que é consumida
(perdida ou dissipada). Não é possível algo assim acontecer em nenhum fluxo de
energia que não esteja sob controle humano; a natureza inanimada não contém
nada que seja equivalente à ação da mente humana ou às ações paralelas pelas
quais o homem dirige um fluxo assim. Essas funções também não podem ser
embutidas em uma máquina. Exigirão, para sempre, a inteligência e a vontade
humanas.
Embora
sempre seja moralmente errada, a escravidão é possível em um sistema de baixa
energia e impraticável em um sistema de alta energia. A razão fica evidente se
compararmos os métodos de produção. Um escravo é tratado como uma máquina,
dirigido pela força; não pode escolher seu emprego, nem abandoná-lo. Tomemos
então um emprego com máquinas de alta potência, envolvendo extrema
responsabilidade, no qual as conseqüências seriam desastrosas se o trabalhador
o abandonasse na hora errada; esse emprego é exatamente aquele que mais precisa
ser escolhido livremente pelo trabalhador e que mais precisa garantir que este
seja livre para deixá-lo se e quando quiser. Para conduzir uma locomotiva, um
homem precisa primeiro exercer a inteligência e a vontade para se qualificar.
Então, é contratado pelo livre julgamento de outro homem, seu empregador.
Depois disso, enquanto trabalha, o maquinista deve em todos os momentos agir por seu próprio julgamento. Ele não se
demitirá com a locomotiva em movimento, mas, se seu julgamento falhar, não há
como impedi-lo. Ao parar em uma
estação, se o maquinista deixar a cabine e se recusar a completar a viagem,
seria insano obrigá-lo a prosseguir. Sua decisão tem de ser aceita. Da mesma
maneira, se o maquinista parecesse inadequado ao trabalho, o julgamento de seu
empregador (por seus prepostos) teria de ser aceito como suficiente para
tirá-lo da função. Essa é a natureza do contrato. O maquinista recebe uma
tabela de horários, que segue como uma regra. Mas, se fosse absolutamente
impossível para ele agir de outra maneira, não haveria outra ferrovia em
operação em seis semanas. Exatamente porque a ação das máquinas inanimadas é
predeterminada, os homens que as operam devem ser livres. Nenhum outro arranjo
é viável para um circuito de alta energia, no qual tanto serviços como bens são
comercializados; e o contrato é a única relação que admite esse arranjo. Esse é
o significado da seqüência representativa de ações paralelas, seguindo na
direção contrária do circuito de energia física; essas ações realizam a
sucessão de acordos voluntários pelos quais a energia é dirigida. Daí vem o
colapso inevitável do longo circuito em uma “economia planejada”, que
necessariamente resulta em racionamento, restrições e coerção.
Um
engenheiro não pode e não tenta alterar ou abolir as leis da Física ao utilizar
a energia; trabalha com elas, para alcançar seu objetivo. E em seu projeto
mecânico inanimado, só pode levar em consideração a função estritamente física
do homem. Um carrinho de mão deve ser de forma e tamanho adequados para serem
utilizáveis pela força muscular. Um automóvel deve ter o aparato necessário
para dar partida, virar as rodas e parar. As outras funções exercidas por seres
humanos que usam as máquinas na produção não afetam o projeto de máquinas
específicas.
Mas
as três funções devem ser levadas em conta na organização do longo circuito; e,
uma vez que isso também é uma seqüência de energia em ação, constitui um
problema de engenharia de um tipo especial. Seres humanos que entram nesse
circuito para produção geral devem
ser sustentados fisicamente por ele; caso contrário, o circuito vai parar. Se
os homens tentassem viver sem comida, não seriam capazes de dedicar ao produto
final a energia suprida pelo alimento; simplesmente, sairiam da produção. Por
esse motivo, é absurdo supor que “sacrifício” seja equivalente a produção. O
combate ao desperdício é outra questão. Mas, já que a função do homem no
circuito não é simplesmente a de um corpo físico, a simples distribuição de uma
quantidade de energia de subsistência a ser ingerida pelos trabalhadores em
empregos obrigatórios também não é capaz de manter o circuito funcionando,
porque não permite que a segunda e a terceira funções sejam executadas pelo
homem — invenção ou descoberta, e direcionamento da energia.
Para
o exercício da inteligência em invenções e descobertas, um homem precisa ter
alguns materiais excedentes, tempo e energia à sua disposição pessoal, com
liberdade para buscar o emprego que preferir, seja qual for.
Para
o exercício da vontade, para dirigir a energia nos canais corretos para que a
produção se sustente, todo intercâmbio de bens e de trabalho deve ser feito por
livre contrato.
O
problema de engenharia, então, é organizar o longo circuito para homens livres. As conexões devem ser
tais que qualquer homem possa mudar de local e de ocupação como queira, dentro
de toda a gama de escolhas possíveis, que é infinita. Isso exige a distribuição
do produto por um método semelhante de intercâmbios acordados a cada
transferência. Dadas essas condições, o pré-requisito para a função física do
homem no circuito será atendido; os homens envolvidos conseguirão obter seu
sustento do circuito pelo comércio livre.
O
problema inteiro se resolve se o princípio do contrato for observado em todo o
processo; e não é possível resolvê-lo de outra maneira. O contrato é o
princípio da verdadeira economia dinâmica.
O
único problema que podemos dizer que surgiu da economia dinâmica é o chamado
problema trabalhista. Como a economia dinâmica cria meios inéditos de
mobilidade e uma perspectiva auspiciosa de encontrar sustento quase em qualquer
lugar, a grande maioria das pessoas se esqueceu da necessidade de uma base
física para ter segurança. Não é apenas o “operário” que desconsidera essa
relação primária e inalterável do homem com o solo, a função da propriedade
privada da terra — que vem do simples fato de que um corpo humano é um objeto
sólido — os técnicos, os trabalhadores administrativos, inúmeros empregadores
urbanos e pessoas que vivem de receitas herdadas, estão na mesma situação e
igualmente inconscientes dela. Pode ser que estes outros sejam mais numerosos
que os operários; mas com grandes centros industriais, os operários compõem um
grupo mais evidente, que pode ser mais facilmente diferenciado pela existência
de sindicatos e pelo fato de que, quando a indústria diminui o ritmo, os
operários são mais visivelmente afetados. São a massa deslocada. Mas deve ser
entendido que um milionário poderia pertencer a essa categoria, se seus milhões
estivessem completamente em títulos de papel; ele também não teria base. Não
existe absolutamente nenhuma solução para isso, exceto a propriedade individual
de terra por uma grande maioria, e o uso de dinheiro real. Não é necessário que
todos possuam fazendas; mas uma quantidade suficiente de pessoas deve ser dona
de sua própria casa e possuir uma reserva para “tempos difíceis”. Nos Estados
Unidos, se se permitir que a indústria siga sua tendência natural de
descentralização, será responsabilidade dos indivíduos ter ou não seguridade;
mas, em qualquer caso, não existe outro caminho. Pode haver mérito em
proposições de que os empregados da indústria deveriam ter alguma participação
acionária; mas isso não resolve a necessidade de uma base; o moleiro não pode
se situar em um rio que corre.
Seja
com a intenção de favorecer os trabalhadores ou de restringi-los, a legislação
trabalhista não é inútil. É pior que isso. O Wagner Act[1]
não deu poder nenhum aos trabalhadores. Nenhuma lei pode dar poder a pessoas
privadas; toda lei transfere poder das pessoas privadas para o governo.[2]
Mas, além de um dado ponto, essa transferência de poder acaba na verdade
tornando o governo impotente, fazendo-o assumir uma carga maior do que ele é
capaz de carregar. Foi isso o que fez o Wagner Act e o que faz qualquer
legislação que tente controlar o trabalho industrial. Amarrou um instrumento de
governo à massa deslocada; e, sempre que a massa é perturbada, ela arranca esse
instrumento para fora de controle e, assim, anula sua função. (Um exército fora
de controle faz a mesma coisa; pode destruir todo o mecanismo de governo.) Massa deslocada não pode ser controlada,
exceto pela oposição de uma força igual por todos os lados. Isso é
absolutamente impossível com os trabalhadores industriais, a menos que fossem
sempre confrontados com um exército de igual força. Isso reduziria a nação à
escravidão.
Mas
os trabalhadores podem ser colocados sob compulsão — que não é a mesma coisa
que controle e vai apenas criar um novo risco — por restrições nominalmente
impostas primeiro ao empregador,
alcançando o empregado indiretamente. Se for proibido ao empregador contratar
alguém que não tenha obtido permissão
para deixar um emprego anterior, os movimentos do trabalhador serão
restringidos exatamente como se ele tivesse sido proibido de deixar seu
emprego. O efeito no circuito de energia é cortar a produção no mesmo grau.
A
principal causa atual de confusão na teorização política também advém do fato
de que a energia no longo circuito é dirigida pela ação paralela
representativa. Votar é uma dessas ações; mas seu efeito é ainda mais difícil
de discernir, porque é um sinal de transmissão. Quando um país possui uma
organização política formal, a tributação já está autorizada; o canal está lá,
para desviar energia da produção para os gastos governamentais. O canal é
designado pelo costume ou por uma constituição. Teoricamente, uma constituição
poderia especificar a soma ou a porcentagem a ser extraída em impostos; mas é
improvável que um limite assim fosse mantido, menos ainda pelo governo central
que necessariamente é responsável pela gestão da guerra. Enquanto a estrutura
está sólida, as cláusulas serão obedecidas nos diversos campos de tributação,
pelas autoridades federais, estaduais e locais. Os interesses regionais
tenderão a preservar esse limite e manter a alíquota de tributação dentro do
razoável, enquanto mantiverem a relação estrutural apropriada com o governo
central. Mas os impostos serão recolhidos, independentemente de qual partido ou
quais pessoas estejam no poder. Portanto, o voto do cidadão não dirige a
energia. O que ele faz é designar autoridades que determinarão, pela ação
representativa, a quantidade de energia a ser extraída em impostos e, então,
distribuí-la e dirigi-la pelos vários canais políticos de gastos.
Como
ocorrem duas ações representativas, não se percebe normalmente que elas dão o
sinal para o represamento e a liberação de energia real; e, além disso, que
essa energia pode se voltar contra o
eleitor.
Sua
única segurança é reter para si uma base fixa a partir da qual possa resistir
firmemente; e essa base só pode ser a terra que ele possua. Caso contrário, seu
voto acaba privando-o de seu poder natural, ao invés de permitir que ele o
exerça. É o que acontece na democracia; ela libera força de tal maneira que não
há como existir controle. Porque o governo também não tem o controle em uma
democracia. A teoria de que todos “participam” do governo nas democracias, se
todos votam, não leva em consideração a natureza da força física e a relação
necessária entre qualquer massa física em movimento e uma base sólida. A maior
parte das teorias abstratas de governo nos tempos modernos é completamente
errônea porque ignora a realidade física.
Provavelmente, a falácia se torna plausível porque o voto é apenas um pedaço de
papel ou um toque em uma máquina de votar; nenhuma energia física é transferida
no ato de votar; parece não ser mais
que a expressão de uma opinião. Então, se o representante toma posse apenas
pela expressão formal de opinião ou sinal, acredita-se que ele será suscetível
às opiniões expressas a ele no futuro. Ao contrário, como o representante tem o
poder de liberar energia física real,
nenhum outro sinal será obedecido a menos
que os eleitores retenham em seu controle privado um poder de resistência
correspondente, mas preponderante, a qualquer má aplicação do poder delegado a
seus representantes. As ações representativas paralelas sempre devem representar energia real.
Existe
também uma falácia influente hoje, que é dita para negar a necessidade da ação
livre individual para criar e manter
um sistema de alta energia. Em algumas economias comparativamente livres, como
a Dinamarca e a Suécia, grande parte da organização econômica consiste em
associações cooperativas. Mas elas são marginais nas economias dinâmicas.
Colônias semi-socialistas, como a Nova Zelândia e a Austrália, são ainda mais
dependentes do individualismo em outros lugares. Não criaram nenhuma das máquinas
pela quais obtém produção em um nível confortável; não contribuíram com
invenções ou melhorias; vendem seu produto excedente no mercado livre. A
ligação delas ao circuito dinâmico permite que consigam um padrão de vida
moderadamente elevado, mas o nível é determinado pelo circuito. Observadores
superficiais dizem que as associações cooperativas podem suprir a função
dinâmica primária da alta produção. Não podem; são apenas suplementares. As
condições locais vão indicar a extensão de sua utilidade prática; mas sempre
será marginal.
Uma
economia completamente “planejada” (ou seja, uma economia escrava) pode obter
algum maquinário de alta performance e operá-lo com retorno decrescente por um
tempo limitado para fazer a guerra. As economias escravas da Rússia Soviética e
da Alemanha fizeram isso; mas nenhuma delas conseguirá dar manutenção a seu
equipamento mecânico sem uma reposição contínua por parte das nações livres.
Com uma fábrica completa para a produção de automóveis, com todas as peças
manufaturadas nos Estados Unidos, embarcadas para a Rússia e montadas lá de
maneira eficiente e ordenada por engenheiros americanos, a produtividade foi a
de metade do obtido em uma instalação semelhante nos Estados Unidos. A Rússia,
a Alemanha e as outras economias planejadas são estáticas. Quando a alta
energia é jogada para dentro delas, só consegue provocar uma perturbação
incalculável de maneiras imprevisíveis, como os tremores e deslocamentos de
terra de uma falha geológica; mas o dano será muito menor, se a alta energia entrar apenas por trocas — ou seja, se o
pagamento for devidamente cobrado pelas economias livres por empréstimos ou
venda de bens às economias estáticas — do que é se o dinheiro ou maquinário ou
outros bens forem obtidos pelas economias estáticas sem pagamento. Como, pela
natureza da economia livre, seu produto está no mercado, é imperativo que as
contas sejam pagas. Quando dinheiro, crédito e bens são entregues às economias
estáticas em troca de nada, seja como um presente, seja aceitando uma moratória,
o resultado é certo: uma guerra mundial em escala proporcional, com a opressão
aumentada e sem esperanças do povo da economia estática. Não foi outra coisa o
que tornou possível a eclosão da Alemanha. Nenhuma outra coisa poderia ter
arruinado a Europa. Se as quantias de dinheiro emprestadas pela América à
Europa desde 1914 e nunca devolvidas fossem somadas, o total resultaria na
força da carga explosiva que foi detonada na guerra atual. Empréstimos de
governos a governos[3]
são particular e inevitavelmente destrutivos; mas empréstimos privados
inadimplentes também são totalmente nocivos. Isso vale para os investimentos
americanos no exterior que foram confiscados por governos estrangeiros. A força
é então jogada de volta contra qualquer economia privada que a nação possuísse,
para esmagá-la; o governo obteve recursos sobre os quais os produtores não têm
controle. Apenas por essa fórmula, podem-se prever tumultos e devastações.
Nações habitualmente em moratória são nações habitualmente em convulsão. O
único serviço real que uma nação dinâmica pode prestar a uma nação estática é
cobrar à vista qualquer centavo ou migalha de bens fornecidos. Se isso for
feito, a nação estática pode avançar para a liberdade. Caso contrário — o
resultado está diante de nossos olhos.
A
teoria da “necessidade histórica”, na qual se baseia o argumento coletivista,
não tem fundamento nem em fatos nem em princípios. A teoria diz que o
desenvolvimento econômico ocorre em uma sucessão inevitável de fases, pela qual
uma sociedade industrial, inventando máquinas num ambiente de propriedade
privada, deve então passar ao comunismo, com propriedade pública, mantendo as
máquinas para a produção. Então, profetizou-se que a Alemanha e a Inglaterra,
sendo altamente industrializadas, deveriam ser as primeiras a se tornarem
comunistas. Ao contrário, a nação mais atrasada da Europa, a Rússia, que jamais
havia emergido completamente do comunismo, mergulhou de volta nele; enquanto
isso, os Estados Unidos ultrapassavam industrialmente a Europa. Foi forjada uma
desculpa medíocre, que não faz mais sentido que a teoria original.
Enquanto
o universo existir, as condições pelas quais uma economia de máquinas pode ser
criada e sustentada são imutáveis; e elas excluem o coletivismo. Uma variação
da teoria da “necessidade histórica” diz que “a natureza humana pode ser
alterada”. Se isso fosse verdade na característica vital, de maneira que os
homens perdessem o direito à liberdade e o desejo por ela, esses ex-seres
humanos “alterados” se tornariam, em conseqüência, incapazes de inventar e
operar máquinas. As invenções humanas são do espírito, não do materialismo; e é
um crime contra a humanidade tomar os produtos desse dom divino e jogá-los aos
feitores de escravos do comunismo, para serem pisoteados na imundície de um
barracão.
Como
o homem não é determinístico, não pode haver ordem estabelecida para suas
descobertas. O progresso sempre é possível, mas depende do uso imprevisível da
inteligência. A partir do registro conhecido, não parece que os homens tenham
alguma vez perdido completamente um conjunto de conhecimentos obtido; embora
possa ficar sem ser utilizado por um tempo, até que os princípios morais sejam
confirmados e isso permita que a ciência material seja aplicada de maneira
benéfica. A precedência da ordem moral é clara, já que descobertas úteis
ocorrem apenas quando os homens protegem a liberdade, restringindo o poder
político. Essas descobertas foram feitas em diversas épocas e lugares, e
reunidas; mas os princípios envolvidos são universais. Não mudam com a
“história”. Funcionarão em qualquer tempo e lugar em que sejam entendidos e
aplicados, sempre da mesma maneira. Se forem esquecidos ou ignorados, nada
poderá ser obtido. Não existe “onda do futuro”; a humanidade molda seu futuro
pelo objetivo moral e pelo uso da razão. A fé na onipotência benevolente do
governo é pura superstição, um resíduo agregado de todas as práticas “mágicas”
do homem primitivo. Como um selvagem na natureza não sabe o que faz um salmão
subir o rio, ou porque a caça é mais rara em um ano que em outro, não é
extraordinário que tente aplacar os poderes da natureza, esperando um resultado
sem causa racional. Essa expectativa vaga de benefício obtido de um poder invisível
convencido por palavras mágicas foi
transferido para a idéia de uma agência abstrata colocada acima do indivíduo e
suscetível a palavras para a
concessão de benefícios materiais. Mas é, na verdade, um completo retrocesso,
em um passo gigantesco, na direção das trevas e da extinção.
A
pior das falácias é acreditar que nada pode ser feito, que devemos ser levados
para o desastre e nos adaptarmos a ele. Se isso fosse verdade, deveríamos
morrer aos montes, com alguns miseráveis remanescentes regredindo à selvageria;
porque não existiria solução. Mas isso não é verdade.
Tudo
pode ser feito por um futuro melhor, se os homens assumirem a postura pela qual
o longo circuito de energia é criado. Nem mesmo um desastre causado pela
negligência temporária precisa ser definitivo. Com o estabelecimento da
República dos Estados Unidos da América, um grande marco da história secular
foi erigido. O mais profundo estudioso do século passado, Lord Acton, que
devotou a vida a estudar a história da liberdade humana, disse que ela “era o
que não existia, até o último quarto
do século dezoito na Pensilvânia”. O evento que ele assinala é ímpar, porque
foi a primeira vez na história que uma nação foi fundada sobre princípios
políticos racionais, originários do axioma de que o direito de nascença do ser
humano é a liberdade. E, enquanto esses princípios foram mantidos, essa nação
prosperou além de qualquer precedente. Até então, as nações eram formadas pelo
acaso, pelas circunstâncias e por experimentos duvidosos; então, se uma nação
soçobrasse, seria impossível reconstruí-la. Não importa quantas vezes a
democracia seja tentada, ela sempre desmorona em despotismo em pouco tempo. Ou,
se uma aristocracia ou monarquia surgia e, em seguida se desmanchava, não
poderia ser criada outra para substituí-la, porque não seria possível voltar no
tempo para garantir uma linha de descendência. Mas uma república federal sem o
elemento hereditário na estrutura política sempre pode ser reconstituída por um
projeto com os mesmos princípios e bases.
[1]
Wagner Act: Ato Nacional de Relações Trabalhistas, legislação trabalhista
americana, aprovada em 1935. Garante o direito dos trabalhadores se organizarem
em sindicatos, participarem de negociações coletivas e tomarem ações coletivas,
incluindo greves. (N. do T.)
[2]
Líderes trabalhistas acreditaram erroneamente que conquistaram uma vitória
quando o que eles chamam de “yellow dog contracts” [N. do T.: “Yellow dog
contract”: contrato de trabalho que proíbe o empregado de pertencer a um
sindicato.] foram proibidos. Não entenderam a natureza da lei. O “yellow dog
contract” era um acordo entre empregadores para não negociar com sindicatos.
Embora isso seja desagradável para os sindicalistas, esse acordo é exatamente do mesmo tipo que o “closed
shop contract” [N. do T.: “Closed shop contract” acordo entre um empregador e
um sindicato que obriga todos os empregados desse empregador a pertencerem a um
sindicato.]; se a lei pode proibir aquele tipo de acordo, então o “closed shop
contract” também pode ser proibido. Alguns contratos feitos entre sindicatos e
empregadores já foram anulados por esse poder, contra a vontade tanto do
sindicato como do empregador. (N. da A.)
[3]
Empréstimos feitos por um governo a outro não atendem a nenhuma das condições
adequadas de crédito. O dinheiro emprestado pertence ao povo da nação que concede
o empréstimo, não às autoridades que o concedem; e tornam-se uma obrigação do
povo da nação que toma o empréstimo, não das autoridades que o negociam e
gastam o dinheiro. Não há garantias, nem meios de cobrança por ação civil. Se a
dívida não for paga, a guerra ou a ameaça de guerra são os únicos recursos.
Enquanto isso, a produção privada naufraga; a economia da nação que emprestou
tem de cobrir a perda do capital; enquanto a economia da nação que tomou o empréstimo
é oprimida pelo peso morto dos projetos governamentais (prédios, exércitos,
etc.) nos quais o dinheiro foi gasto. É uma fórmula infalível para o desastre.
(N. da A.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário