segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O Deus da Máquina, para download

Está disponível para download o livro O Deus da Máquina, de Isabel Paterson, em português, em formato pdf. E também o original em inglês, The God of the Machine.





Prefácio

Que interesse pode despertar um livro escrito há mais de 70 anos, por uma autora pouco conhecida até nos Estados Unidos, que não teve educação formal e que usa metáforas difíceis, tiradas da engenharia mecânica, elétrica e da arquitetura? Quando vi este texto, fiquei fascinado. É uma afirmação apaixonada da liberdade. É também uma fundamentação teórica muito bem construída dos valores políticos em que acredito. Foi escrito num momento em que a liberdade estava em baixa em todo o mundo e muito poucas pessoas se dispunham a defendê-la.

Por isso, resolvi traduzir O Deus da Máquina para o português e tentar fazê-lo mais conhecido. Estão nesta edição todos os grifos e todas as notas de rodapé que Isabel Paterson colocou no original. Acrescentei notas explicativas sempre que achei necessário, para identificar figuras e fatos históricos, citações a outros textos e para esclarecer as metáforas muito particulares que a autora criou. Procurei ter o máximo respeito por seu estilo e sua linguagem. É claro que discordo dela em alguns pontos, mas não exprimi essas divergências em minhas notas de rodapé.

Para Isabel, são três as idéias sobre as quais foi construída a civilização ocidental: a ciência dos gregos, a lei dos romanos e a individualidade dos cristãos.

Os gregos perceberam que o conhecimento tinha valor por si mesmo. Não estavam preocupados com a aplicação da ciência. Entendiam que era possível utilizar o conhecimento obtido em uma área para resolver problemas encontrados em outras, que essa busca levava o homem na direção da verdade e que isso era um bem, independentemente da utilidade prática dessa verdade.

Politicamente, a democracia grega revelou-se extremamente instável, suscetível às arbitrariedades das maiorias de ocasião. A República Romana, por outro lado, estabeleceu uma legislação construída em bases racionais. Não era uma lei divina e imutável. Era uma lei humana, falível e passível de ser melhorada. Criou uma estrutura de Estado com um sofisticado mecanismo de freios e contrapesos. Essa legislação estava muito longe de ser perfeita e, em muitos casos, era quase bárbara. Porém, pelo simples fato de existir e se aplicar indistintamente a todos, criou um ambiente de confiança e estabilidade que fez com que Roma perdurasse por tantos e tantos séculos e dominasse o mundo.

O cristianismo tem como um de seus pilares a crença de que o ser humano possui uma alma individual e imortal. Um indivíduo não é responsável pelos atos de outro e não pode ser premiado ou punido por causa deles. O Império Romano foi a sociedade mais avançada da Antigüidade. Chegou perto de colocar essas três idéias em prática, juntas. Mas ruiu com o peso de seus domínios antes que isso se concretizasse. De qualquer maneira, essas idéias permeiam nossa cultura. A Humanidade teve de esperar muitos séculos até que fossem novamente reunidas e se transformassem numa experiência de liberdade e progresso.

A descoberta da América criou um laboratório de experiências sociais. Os europeus travaram contato com povos então desconhecidos, em diversos estágios de desenvolvimento social, e estabeleceram colônias que conviviam e interagiam com esses povos. As riquezas da América, despejadas sobre a sociedade rígida da Espanha, criaram um curto-circuito e esfacelaram o Império espanhol. A Inglaterra, que já era um país mais livre que as outras nações européias, desde a Magna Carta, permitiu que se criasse um ambiente de notável liberdade em suas colônias americanas. Seus habitantes, em grande parte refugiados de perseguições religiosas, políticas ou étnicas, viviam de maneira surpreendentemente harmoniosa. Os problemas que dividiam os diferentes grupos na Europa não foram resolvidos, simplesmente evaporaram.

Isso provocou estupefação no Velho Continente. Como era possível existirem selvagens, sem governo, que vivessem razoavelmente em paz? Como a liberdade podia funcionar nas colônias? A Europa era capaz de conceber que a sociedade pudesse funcionar minimamente sem um governo forte. Então, passou a acreditar que os selvagens do Novo Mundo eram seres humanos muito superiores aos que eles conheciam na Civilização. Surgiu assim a figura do Nobre Selvagem e a idéia européia de que a sociedade corrompe o ser humano, originalmente puro no estado de Natureza. Uma diferença marcante entre o pensamento americano e o europeu é que os americanos acreditam na liberdade do indivíduo, um direito nato e inalienável, enquanto os europeus acreditam em “liberdades”, ou seja, permissões dadas pelo governo em situações determinadas.

Sobre a função do governo, Isabel diz que ele é única e exclusivamente um freio à ação humana. Freios são necessários e extremamente importantes. Existem coisas que precisam ser proibidas. Para poder impor essas proibições, o governo evidentemente precisa de recursos. Mas, um governo não tem capacidade ou poder para criar alguma coisa. Quem cria qualquer coisa são os indivíduos. O governo pode estabelecer proibições e tomar dinheiro dos cidadãos, por meio de impostos, para se desempenhar suas atividades. Sempre que faz isso, a sociedade fica menor, menos livre e menos produtiva.

Um capítulo muito divertido é A Economia da Sociedade Livre, em que Isabel denuncia a falta de sentido do marxismo. A teoria do materialismo dialético é uma corrupção da linguagem semelhante a dizer que um triângulo isósceles é verde. Tolos podem argumentar que um triângulo isósceles não é verde, mas azul, ou que o triângulo isósceles verde produzirá um círculo azul e os dois se sintetizarão em um rombóide púrpura; ainda assim, essas afirmações serão vazias. Mas Marx era um tolo com um grande vocabulário de palavras longas. Sua teoria de luta de classes é um completo nonsense por sua própria definição. Uma vez que trata de capital e de trabalho, não faz referência nem à luta nem a classes. É impossível que o capital e o trabalho lutem entre si.

A Constituição dos Estados Unidos resolveu o problema que Roma não havia conseguido: como criar bases regionais para uma estrutura política sem recorrer a uma aristocracia. O federalismo é essa solução. Os Founding Fathers fizeram um trabalho admirável de arquitetura. Construíram um mecanismo político que funciona e que permite que a nação cresça, aumente sua população e a quantidade de energia envolvida no sistema como um todo, sem que se altere o design intrínseco. Isabel chama atenção para a cláusula de traição da Constituição dos Estados Unidos, uma instituição inédita e singular na história. Em primeiro lugar, essa cláusula define que não existe traição em tempos de paz. Apenas uma rebelião armada ou unir-se a uma nação inimiga constitui traição, e nações só são inimigas quando em guerra. Nenhum tipo de oposição pacífica ou pessoal é traição, e nem mesmo o ataque armado de uma única pessoa contra o governo americano. Na Europa, qualquer ataque à pessoa do rei, mesmo que não fosse por razões políticas, seria tratado como traição. Nos Estados Unidos, a pessoa e o cargo são conceitos separados. Mas existe outro detalhe relevante. A cláusula estabelece que os bens de alguém condenado por traição só podem ser confiscados se o réu estiver vivo. Se morrer, os bens passam para seus herdeiros legítimos. Ou seja, a culpa é pessoal e a propriedade pertence aos indivíduos. 

A escravidão foi o grande defeito na estrutura criada nos Estados Unidos. Em nome do federalismo, os constituintes admitiram uma desastrosa e imoral solução de compromisso, que manteve essa instituição abominável no sistema que estavam criando. As conseqüências disso foram uma instabilidade crescente na nação, que resultou na Guerra Civil. A Guerra ensejou emendas à Constituição que desfiguraram parte do projeto. A Emenda 14 faz uma referência confusa a “poderes implícitos”, que causa discussões judiciais perigosas até hoje. A Emenda 15 cancelou a soberania dos Estados, ao impedi-los de determinar as qualificações dos seus eleitores. A Emenda 17 criou uma nova distorção do projeto original, ao tirar a eleição dos senadores das legislaturas estaduais e passá-la para o voto popular. Os senadores deveriam ser representantes dos Estados, enquanto os deputados seriam os representantes do povo. Da maneira como ficou, os Estados perderam essa representação.

Isabel analisa e desmonta diversos absurdos, como as leis antitruste, a chamada propriedade pública, o dinheiro sem lastro (fiat money), as teorias educacionais progressistas e a filantropia profissional. O capítulo XX, O Humanitário com a Guilhotina, o melhor do livro, trata exatamente desse tipo distorcido de filantropia. Ela ainda aborda as causas das depressões econômicas e discute como maximizar o poder militar de um país livre quando em guerra. 

A conclusão do livro, com a qual concordo totalmente é que a liberdade é a maior herança de que o homem já desfrutou. É o resultado do esforço heróico de incontáveis pessoas, por muitos milhares de anos. Darmos meia volta e nos submetermos à escravidão seria uma traição inominável a todas essas pessoas e às gerações presentes e futuras. Mas temos a oportunidade grandiosa de justificar a fé depositada por aqueles que acreditaram e acreditam na liberdade. Não percamos essa oportunidade!

Marcelo Centenaro
27 de setembro de 2014



Sobre a autora

Isabel Mary Bowler nasceu em 22 de janeiro de 1886, na Ilha Manitoulin, no Canadá. Seus pais, Francis e Margaret Bowler, tiveram nove filhos e eram muito pobres. Mudaram-se para Michigan, Utah e Alberta, em busca de uma vida melhor. Isabel entrou em uma escola rural aos 11 anos e freqüentou as aulas de maneira irregular até os 14. Porém, lia muito em casa. Lia a Bíblia, Shakespeare, Dickens e Alexandre Dumas, por exemplo. Era uma leitora voraz e autodidata. Por volta dos 18 anos, resolveu sair da fazenda e mudou-se para a cidade de Calgary, onde trabalhou como garçonete, taquigrafista e auxiliar de contabilidade.

Aos 24 anos, casou-se com Kenneth Paterson. O casamento não foi feliz e eles se separaram depois de 8 anos. Nesse período, Isabel Paterson conseguiu um emprego no jornal americano Inland Herald, em Spokane, no estado de Washington. Foi o início de uma carreira jornalística. Aos 28 anos, havia escrito dois romances, The Magpie's Nest e The Shadow Riders, ambos publicados pela John Lane Company. Depois da Primeira Guerra Mundial e de sua separação, mudou-se para Nova York, onde trabalhou para o escultor Gutzon Borglum, autor do memorial do Monte Rushmore. De 1924 a 1949, escreveu uma coluna de crítica literária no New York Herald Tribune. Foi uma das mais influentes críticas de sua época. Em 1928, aos 42 anos, naturalizou-se americana.

No final dos anos 30, Isabel Paterson liderava um grupo de jovens escritores que tinham opiniões semelhantes às dela. Entre eles, Sam Welles, Ayn Rand e Rose Wilder Lane. Foi mentora de Ayn Rand, que era 19 anos mais nova que ela. Isabel manteve estreita colaboração e troca de idéias com esse grupo. Porém, acabou rompendo com Rose em 1946 e com Ayn Rand em 1948.

Depois do final da Segunda Guerra Mundial, Isabel Paterson contribuiu para o ressurgimento do conservadorismo, correspondendo-se com o jovem Russel Kirk nos anos 40 e com o jovem William F. Buckley, nos anos 50.

Morreu em 10 de janeiro de 1960. Foi enterrada no túmulo da família de Sam Welles, em Burlington, Nova Jersey.



Livros de Isabel Paterson

- The Shadow Riders (1916)
- The Magpie's Nest (1917)
- The Singing Season (1924)
- The Fourth Queen (1926)
- The Road of the Gods (1930)
- Never Ask the End (1933)
- The Golden Vanity (1934)
- If It Prove Fair Weather (1940)
- O Deus da Máquina (1943)
- Joyous Gard (não publicado; terminado em 1958)

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