O Deus da Máquina, capítulo XVI
As Grandes Empresas e a Lei de Status
Isabel Paterson
Enquanto
o poder político se expande, o sistema de produção é
desorganizado direta e indiretamente. A Guerra Civil teve
consequências de longuíssimo prazo na vida econômica. A
“reconstrução” do Sul sobrecarregou os estados sulistas com
dívidas contraídas pelos sequazes do governo conquistador, a
administração dos aproveitadores. A consequência foi recusarem-se
a pagar; independentemente da solvência, os sulistas não se sentiam
moralmente obrigados. Não é difícil entender seu ponto de vista.
Mesmo assim, eles erraram; o repúdio a dívidas aterra a linha de
transmissão de energia. O Sul continuou prostrado economicamente,
enquanto o restante da nação progredia.
A
Guerra Civil também levou o governo federal a financiar ferrovias,
por concessões de terra e subsídios em dinheiro. Com isso,
iniciou-se a era em que as empresas são acusadas de corromper a
política. Mas empresas não podem corromper a política. De maneira
leviana, seria possível dizer que a corrupção não pode
corrompida. Mas, dentro de limites corretos, a organização política
não é corrupção. Esses limites são indicados, de maneira
aproximada, pela margem onde começa a suposta corrupção pelas
empresas. É claro que é a política que corrompe as empresas. Ela
corrompe até o grau em que foi ampliada além do seu campo próprio.
Negócios consistem em produção e comércio. São atividades
espontâneas, que são necessariamente executadas em liberdade. Por
isso, a propriedade privada individual é a condição indispensável
para um sistema de alta energia; o proprietário não tem de esperar
por uma permissão para colocá-la em uso. O campo dos negócios é
primário.
A
política consiste no poder de proibir, obstruir e expropriar. Seu
campo é marginal. Mas, por essa razão, ela sempre tende a invadir o
campo primário da liberdade, de tal maneira que o produtor pode ser
obrigado a obter permissão para conseguir trabalhar. Onde é exigida
permissão ou a expropriação é possível, um pagamento pode ser
extorquido. O elemento da corrupção é inerente aos negócios ou à
política?
É
errado produzir alguma coisa ou comprar e vender produtos? Não.
Então, isso não pode levar a corrupção a algum outro lugar. É
errado restringir, obstruir ou tomar os bens de outra pessoa? Sim. É
sempre errado se for feito por ação originária (em vez de por
reação). O potencial de corrupção então reside na política, não
nos negócios. Quando a política é notavelmente corrupta, isso é
um indicativo infalível de que existe poder político excessivo, que
se estende além de seu campo de ação marginal próprio.
O
poder político, tanto de obstruir como de expropriar, foi assim
estendido no caso das ferrovias. Para integrar o oeste, o governo
federal concedeu vastas áreas de terra e deu subsídios em dinheiro
para uma ferrovia transcontinental. Se a Guerra Civil não tivesse
acontecido, provavelmente o governo federal não teria tomado essa
ação. Nessa hipótese, ninguém pode dizer quanto tempo levaria
para que uma linha transcontinental passasse a existir, se é que
existiria; mas, sem nenhuma dúvida, haveria alguns anos de atraso.
Eis aqui a combinação de circunstâncias e a sequência de eventos
que dão plausibilidade ao argumento de que é correto que a ação
política se estenda ao campo primário da economia. Não houve um
ganho positivo, pelo menos no tempo? De fato, como uma linha
transcontinental poderia ser construída, atravessando a longa
extensão selvagem, sem subsídios federais?
Vou
responder primeiro a última questão. Se o poder político
simplesmente tivesse permitido que qualquer um que quisesse construir
uma linha transcontinental adquirisse os títulos para o necessário
direito de passagem nos mesmos termos que qualquer colono no
território virgem, fosse por compra ou por posse, uso e registro,
uma estrada de ferro teria sido construída tão logo existisse uma
perspectiva razoável de tráfego suficiente, ou talvez um pouco
antes disso.
Mesmo
assim, nas circunstâncias existentes, houve o “ganho de tempo”
cronológico. O desenvolvimento pelo capitalismo privado funciona
numa equação autoajustável de espaço e tempo entre os circuitos
de energia locais e o longo circuito. O solitário caçador na
fronteira era um capitalista de vanguarda. Podia trazer uma carga de
peles para vender apenas uma vez por ano; então, essa carga viajava
num carroção fretado. Pode-se dizer que havia uma distância de um
ano ou mais entre ele e seu mercado. Por outro lado, seu tempo de
produção e venda era mesmo de um ano, aproximadamente; ele podia
aguentar dois anos, se necessário. Mas se os preços das peles e as
tarifas dos fretes permitissem, um transporte competitivo seria
atraído, em um ano ou dois.
As
fazendas também avançaram pelo território selvagem pela iniciativa
privada, num ritmo que se ajustava, conforme o excedente de produção
compensasse o tempo e a distância (transporte). Se um grupo de
fazendeiros tivesse “ganho” tempo, em termos de distância, para
dentro do território selvagem, isso seria na verdade uma piora em
sua situação. Por toda a economia privada, os custos e riscos são
evidentes por si mesmos e as condições são abertas à escolha.
Erros são autodestrutivos.
Havia
uma peculiaridade na economia escravagista. Ela era incapaz de
pioneirismo, não conseguindo ir além dos limites da autoridade
política estabelecida, do seu tipo singular. Se um senhor obrigasse
seus escravos a carregar a si e a seus bens além dos limites do
poder coletivo por meio do qual impunha seus comandos — e que, de
fato, os fazia escravos — não teria mais controle sobre eles. Não
voltaria, nem traria seus bens de volta da maneira como foi.
Aconteceria o mesmo a qualquer pessoa que usasse escravos da mesma
maneira, por concessão do proprietário. Viajantes na África
relataram como receberam carregadores sob o comando de algum chefe
nativo; os carregadores levavam a carga até certa distância e,
então, passavam a ignorar qualquer ordem. Só podemos saber se os
viajantes “ganharam tempo” ou não se calcularmos o tempo que
levaram para encontrar algum outro meio de transporte para sair dessa
encrenca.
A
situação peculiar dos fazendeiros do oeste fica clara quando
examinamos suas reclamações. Os fretes ferroviários eram tão mais
baratos que os fretes de carroça, pela mesma distância, que não há
comparação. As viagens também eram dez vezes mais rápidas. Mesmo
assim, os fazendeiros denunciavam as ferrovias por tarifas
excessivas; e, se ocorria um atraso, isso causava grande irritação.
Se alguém sugerisse a um fazendeiro do oeste que, se ele achasse os
preços excessivos, devia usar alguma linha concorrente ou algum
outro método de transporte, o fazendeiro ficaria indignado. Não
havia nenhum, e
ele não podia esperar até que a concorrência surgisse.
O tempo e a distância que pareciam ter sido “ganhos” eram
simplesmente a medida da distância no tempo para a concorrência; o
que significa para o mercado. O poder político interveio e foi esse
o efeito inevitável. Os fazendeiros do oeste, que voluntariamente
aproveitaram o que parecia ser uma vantagem, ao fazê-lo renunciaram
ao poder de escolha por tempo indeterminado. A intervenção do poder
político criou um monopólio. E mesmo seus supostos beneficiários o
achavam odioso.
Curiosamente,
as pessoas faziam a diferenciação correta emocionalmente, embora
não conseguissem traduzi-la para a razão. Existe uma forte
ambiguidade no sentimento despertado pelas ferrovias. A visão e o
som de uma locomotiva ainda evocam, para os americanos, prodígio,
romantismo e expectativas esperançosas. Em distritos rurais e
pequenas cidades, todos gostavam de viajar de trem. As pessoas iam às
estações para ver o trem chegar. Conheciam os expressos pelo
número, ouviam o apito como um som amigo, acenavam quando os trens
passavam. Odiavam “a ferrovia” apenas como uma abstração.
Mas
o que exatamente eles odiavam? Certamente, não pretendiam abolir as
ferrovias e nunca mais ver nenhuma. A diferença aparece claramente.
Tudo
o que era criação da iniciativa privada nas ferrovias trazia
satisfação.
A iniciativa privada minerou, fundiu e forjou o ferro, inventou a
máquina a vapor, desenvolveu instrumentos de controle, produziu e
acumulou capital, organizou o esforço. Na construção e operação
de estradas de ferro, tudo o que pertence à esfera da iniciativa
privada foi feito com competência. A primeira linha transcontinental
foi o maior problema de engenharia resolvido de uma vez até então.
Foi construída com uma velocidade inédita do longo circuito de
energia de alto potencial ao qual pertencia. A mesma competência
para organização de sistemas de alta energia se incorporou à
operação das linhas. Nenhum tipo de negócio anterior precisava de
um décimo da habilidade desta atividade; os horários precisavam ser
exatos, contínuos e, mesmo assim, instantaneamente ajustáveis em
cada detalhe, no tempo e no espaço, lidando com quantidades
imprevisíveis de pessoas e unidades de bens em trânsito entre
milhares de pontos intermediários num sistema ramificado, em todas
as direções, nEmendas Fataisa máxima velocidade. Provavelmente, as
ferrovias ainda representam o pico de eficiência em gerenciamento
operacional, porque nenhuma demanda maior foi feita ainda em qualquer
outro tipo de negócio. E, no conjunto, o público respeitava essa
realização.
O
que as pessoas odiavam era o monopólio. O monopólio, e nada mais, é
a contribuição política.
Mesmo
em sua aplicação adequada, o poder político tende a causar
irritação — muito mais quando ela é indevida. A vida protesta
instantaneamente contra a compulsão, o aprisionamento ou a
expropriação de seu produto criativo. A nuvem negra de puro ódio,
desespero vingativo, que obscurece o mundo civilizado neste momento,
é evocada pela onipresença de agências políticas. A Gestapo e a
Ogpu ou Cheka
são as crias gosmentas do Estado Absoluto.
A
consequência direta da intromissão do poder político no campo
primário da livre iniciativa, com respeito às ferrovias, foi que
novos Estados foram admitidos na União antes que tivessem tempo de
desenvolver verdadeiros interesses regionais e entidades políticas.
Em um caso pelo menos, um Estado foi designado apenas para garantir
uma maioria política na nação. Sendo de fato criações do governo
federal e não dos seus cidadãos, os novos Estados tendiam a buscar
no governo federal legislações especiais, inclusive de caridade.
A
consequência indireta é igualmente ruim. Obviamente, se recursos
públicos foram concedidos para qualquer coisa que se imagine, com o
pretexto de que é para o benefício geral dos cidadãos, todo
cidadão deve ter o direito de usar o que foi criado com esse
dinheiro em igualdade de condições. (Ele pode absolutamente não
querer usar; pode até ter sido arruinado financeiramente em seu
patrimônio por não conseguir competir com a companhia mantida pelo
governo, mas ninguém pergunta isso a ele.) Então, o governo deve
ter autoridade para impor essa igualdade. (O governo já destruiu o
poder natural do indivíduo de fazer com que a companhia aceite
condições pela competição.) Uma “regulamentação
governamental” é imposta. Na verdade, isso não trará qualquer
bem ao cidadão; o resultado é que as estradas de ferro não podem
fazer as melhorias desejáveis ou descontinuar gastos inúteis.
Mas o poder está lá, e fatalmente será usado. (Não traz nenhum
bem simplesmente porque a “economia mista” não deixa nenhuma
base para a justiça; não existe nenhuma razão ética pela qual
alguém teria o direito a um subsídio de dez dólares vindo de
recursos públicos, quanto mais um subsídio de um milhão de
dólares.)
O
gerenciamento bem sucedido e a iniciativa produtiva sempre foram
admirados e respeitados, como devem ser; atualmente, tornaram-se
objeto de suspeita e de ressentimento. A mudança de sentimento pode
ser facilmente rastreada até a origem. Se alguma empresa pode ser
identificada, depois das estradas de ferro, tendo incorrido nessa
desonra, foi a Standard Oil Company. Porém, assim como as estradas
de ferro, essa empresa, por suas operações comerciais normais,
aumentou continuamente o conforto e a conveniência da existência na
América — de lâmpadas a óleo a postos de gasolina. É gerenciada
com fantástica competência; cumpriu todas as suas obrigações
financeiras mesmo em tempos difíceis e se manteve solvente; seus
produtos são excelentes e confiáveis. Poderia ser citada como uma
empresa modelo — se não tivesse usado o poder político, em certo
momento, recebendo incentivos fiscais nas taxas de fretes
ferroviários. A acusação de arruinar competidores não teria
sentido, exceto pelos meios empregados, que foram considerados
desleais, e certamente eram mesmo. Se uma loja de departamentos
prospera e outra fecha, o público percebe corretamente que a loja
bem-sucedida foi estabelecida ou gerenciada com maior competência e
não há nenhuma razão sensata para que esse público subsidie a
falta de competência. Sabe-se que a competição de capacidades não
tende a extinguir a competição, mas aumenta o mercado; o que as
pessoas desejam é a possibilidade de escolha. Mas o contribuinte
individual não tem escolha sobre dar ou não incentivos fiscais
sobre um “serviço público” subsidiado por impostos. A Standard
Oil usou os meios políticos; tornou-se um objeto de execração.
Pode-se demonstrar que não houve outra causa de antipatia, uma vez
que as pessoas que a denunciavam ainda compravam seus produtos de boa
vontade. Aprovavam a Standard Oil como empresa; estavam revoltadas
com suas ligações políticas.
O
único remédio para o abuso de poder político é limitar esse
poder; mas quando a política corrompe os negócios, os reformadores
modernos invariavelmente exigem a ampliação do poder político.
Houve um tempo em que as pessoas tinham mais sensatez ou mais
honestidade; mas talvez simplesmente não fosse possível interpretar
erroneamente a questão, da maneira como se apresentava. A forma
corporativa obscurece a transação. Antigamente, os monopólios eram
concedidos pelos reis a seus favoritos. Era evidente que uma lei
escrita para indivíduos era absurda; a solução efetiva era proibir
que o poder político concedesse monopólios. Mas a proposta de
“regular” as grandes empresas para impedir monopólios parece
plausível. Se fosse simplesmente uma tolice, não pioraria as
coisas; mas ela continha outro elemento pernicioso: reintroduziu a
lei de status.
Isso
foi feito desviando-se a atenção da causa para o efeito e, então,
legislando-se contra o processo natural que havia sido desvirtuado —
uma perversão tripla. Como legislação aberrante, as leis
antitruste são um caso singular. Ninguém
sabe o que elas proíbem.
Seu objetivo declarado é impedir ou dissolver (com penalidades)
“combinações que restrinjam o comércio”. O que é uma
combinação que restringe o comércio?
As
ferrovias não poderiam ser acusadas desse crime imaginário a menos
que duas ou mais empresas ferroviárias fizessem uma combinação;
mas seus monopólios existiam de qualquer maneira e nunca
restringiram o comércio de nenhum modo. Elas tomavam todo o tráfego
que conseguiam e faziam o possível para criar tráfego,
propagandeando a imigração.
A
Standard Oil não restringia o comércio; ia até os confins da terra
para criar um mercado. Será que uma empresa pode ser acusada de
“restringir comércio” quando o comércio que ela supre não
existia antes que ela produzisse e vendesse os bens? As montadoras de
automóveis restringiram o comércio no período em que produziram e
venderam cinquenta milhões de carros, onde antes não havia carro
nenhum? Ou as ferrovias restringiram a indústria automobilística?
Não teriam como fazer isso; o que fizeram de fato foi trazer as
matérias primas para as montadoras de automóveis e depois
transportar os veículos produzidos para serem vendidos em toda
parte.
Se
duas empresas fazem uma combinação e realizam juntas as operações
que ambas faziam anteriormente, ampliando-as se possível, estão
restringindo o comércio? A acusação feita contra as grandes
empresas é que elas não produzem mais do que o que elas acreditam
que serão capazes de vender com grande esforço. Isso é “limitar”
e, portanto, “restringir” o comércio. Mas, em primeiro lugar,
qualquer produção num período é intrinsecamente limitada pelo
capital disponível, assim como pela expectativa de mercado; e, em
segundo lugar, se elas esticassem esse limite ao máximo num período
e não vendessem toda a produção com lucro líquido, não seriam
capazes de produzir nada no ano seguinte. Iriam à bancarrota. Não
podem nem mesmo consumir seu capital gradativamente, um tanto por
ano. Geralmente, seu capital líquido está no prédio e nos
equipamentos; enquanto os materiais em processo de manufatura ou em
estoque representam crédito (empréstimos bancários ou títulos a
pagar). Mesmo que um fabricante operasse estritamente com capital
próprio, não devendo nada a ninguém e com dinheiro no banco, seu
estoque é capital líquido; e estaria exaurido no segundo ano. Com
relação ao capital emprestado, crédito, se os juros não forem
pagos e as contas das matérias-primas vencerem, os empréstimos
serão suspensos e nenhuma matéria-prima será entregue; então, o
negócio inteiro para de uma vez; não em percentagens sucessivas; e
a instalação passa a ser improdutiva. Se os diretores da empresa
desconsiderassem esses imperativos, seriam candidatos ao Matteawan.
É difícil acreditar que alguém possa sugerir isso de boa-fé.
Então,
o que seria esse delito? Outras queixas contra as empresas continham
uma contradição tripla. Elas foram acusadas, de maneira variada, de
cobrar demais, de vender a preços inferiores aos dos concorrentes e
de fixação de preços (combinação de preços com os
concorrentes).
Quanto
exatamente, em comparação com o que, é “demais”? É demais se
um proprietário pede mais do que outra pessoa deseja ou é capaz de
pagar? Então, a grande maioria de nós teria razões para processar
a Tiffany’s.
É pedir mais que outra pessoa pelo mesmo tipo de bens? Então, a
outra pessoa é culpada de “vender a preços inferiores”; ambos
deveriam ser levados ao tribunal. Mas, se concordarem em estabelecer
o mesmo preço, seriam criminosos fixadores de preços. Também não
seria um procedimento inocente para eles não vender mais nada e
morrer de fome pacificamente; estariam certamente “limitando o
mercado” se segurassem seus bens ou não continuassem produzindo.
De
modo geral, os únicos atos dos quais as empresas podem ser acusadas
em suas transações comerciais são simplesmente os atos necessários
de produção e trocas; o homem neolítico que lascava uma pedra para
fazer uma ponta de flecha e a trocava por um ornamento de concha era
culpado do mesmo crime — com exceção da acusação de
“combinação” entre duas ou mais empresas. Mas teria sido
possível aprovar uma lei específica para impedir essas fusões;
bastaria limitar suas licenças de funcionamento, proibindo que uma
empresa comprasse outra, ou qualquer parte de outra. Uma lei assim
seria sem sentido ou prejudicial; certamente constituiria uma
restrição ao comércio, mas o poder político é restritivo; e a
lei seria específica ao determinar o ato proibido.
É
a única coisa que os legisladores não iriam fazer. Fariam qualquer
coisa exceto admitir o nome do verdadeiro crime — o uso do poder
político. Seu objetivo era conseguir o controle das grandes
empresas. Isso foi feito usando-se uma expressão que pode ser
interpretada como qualquer tipo de transação comercial em que uma
empresa estivesse envolvida; com a implicação de que tais atos
seriam considerados crimes, em situações particulares, de acordo
com seus efeitos, embora
esses efeitos não pudessem, em nenhum caso, ser mostrados ou
provados.
Pegue qualquer caso, real ou imaginário, e faça a seguinte
pergunta: Exatamente onde, quando e como o comércio foi restringido?
O volume de comércio diminuiu? Alguma pessoa foi de fato impedida de
oferecer um artigo para ser vendido ou de comprar um artigo
oferecido, depois de ter decidido fazê-lo? Qual artigo? E qual
pessoa?
Quando
um indivíduo é indiciado por apropriação indébita, roubo ou
qualquer delito semelhante, o dinheiro ou os bens envolvidos precisam
ter existência real e o proprietário precisa ser indicado; com o
ônus da prova pertencendo à acusação, basta ao acusado refutar a
evidência apresentada, se ele é inocente. Se uma pessoa fosse
simplesmente acusada de “desonestidade” ou “imoralidade” e
fosse exigido que ela desse conta de sua vida inteira, que
apresentasse toda a sua correspondência ao tribunal e provasse uma
negativa geral, estaria sujeita ao mesmo tipo
de lei que as leis antitruste. Indivíduos foram submetidos a esse
tipo de lei na Sociedade de Status. Seu nome moderno é Legislação
Administrativa. Durante o século 19, essa prática sobreviveu apenas
na Rússia, sob os Czares (e era chamada por lá de legislação
administrativa; viajantes de nações livres ouviam sobre ela com
espanto e indignação). Ainda é a lei na Rússia comunista, mas não
está mais confinada apenas à Rússia.
Sem
dúvida, se fosse feito um esforço honesto para decidir qual a
acusação mais imbecil possível contra alguém — algo como
prender um coelho pela prática de controle de natalidade, ou um
campeão de maratona durante a corrida por vagabundagem, ou Brigham
Young
por celibato — não seria possível imaginar nada mais absurdo que
pegar as empresas americanas, que criaram e ampliaram, numa magnitude
sempre crescente, um volume e uma variedade de comércio tão vastos
que fizeram com que tudo o que era produzido e vendido anteriormente
parecesse uma barraca de beira de estrada rural, e chamar esse
desempenho de “restrição de comércio”, estigmatizando-o como
um crime!
Outro
aspecto da imposição da “regulação” política sobre um
esforço econômico é o pretexto de que as empresas têm poder
demais, um poder econômico que também influencia a política. Isso
é imputado da mesma maneira às grandes fortunas privadas como
justificativa para pesados impostos sobre a herança. Na verdade, o
perigo inerente às grandes fortunas é sua fraqueza diante do poder
político. Mas, se fosse provado que as grandes empresas têm esse
poder indevido e o exercem, e se alguém quisesse fazer uma proposta
séria para corrigir essa condição entregando o governo à direção
das empresas, isso não seria uma maluquice? Porém, é esse o
resultado da regulação governamental, para além da exigência do
cumprimento da lei contratual, porque ela se aplica a qualquer
transação comercial entre pessoas privadas. Os poderes políticos e
econômicos se fundem num único controle. Daí em diante, é
irrelevante qual o grupo de pessoas que exerce esse poder conjunto
(embora os políticos inevitavelmente consigam a posição mais
alta); a soma de poderes será a mesma. Se somarmos três com dois ou
dois com três, o resultado é cinco. “Governo totalitário” não
é nada mais que o controle político sobre a vida econômica. As
queixas contra a “competição”, a expressão sem sentido
“produção para uso e não para lucro” — como se fosse
possível ter lucro se o produto não é usado; a Standard Oil
despejou seus produtos no ralo? ou a direção da General Motors
usava seus produtos em correntes de relógio? — são passos para
estabelecer o controle político e a tirania absoluta. A competição
não pode ser erradicada; no esforço produtivo ou criativo, ela é
benéfica. Se for penalizada nessas formas desejáveis, vai encontrar
meios vis e fúteis para se manifestar. Nas cortes reais, onde o
status é rigidamente definido e não há campo produtivo,
insignificâncias tornam-se objeto de competição; cortesãos
ficarão em pé durante o dia todo, de maneira que sentar-se torna-se
um privilégio; príncipes discutirão ignominiosamente pela honra de
passar primeiro por uma porta. Um homem que faz um carro melhor que
outro, ou mais barato, está competindo de maneira útil; mesmo um
homem que quer ganhar mais dinheiro que seu vizinho, numa sociedade
livre, descobrirá que a maiores fortunas são ganhas pela produção
em grande escala. Apenas no campo político é que a competição é
por poder sobre outros homens, até mesmo por matar uma quantidade
maior na guerra. Somente o individualismo dá uma aplicação
legítima e criativa ao instinto competitivo, ampliando e melhorando
a produção.
O
governo não pode “restaurar a competição” ou “garanti-la”.
Governo é monopólio; tudo o que ele consegue fazer é impor
restrições que podem resultar em monopólio, quando chega ao ponto
de exigir permissão para que o indivíduo participe da produção.
Essa é a essência da Sociedade de Status.
O
retrocesso à lei de status na legislação antitruste passou
despercebido. Provavelmente, os políticos não sabiam exatamente o
que estavam fazendo; mas sabiam o que queriam. Aprovaram uma lei pela
qual se tornou impossível ao cidadão saber de antemão o que
constitui um crime e, portanto, tornou qualquer esforço produtivo
sujeito a processo judicial, ou condenação inescapável. Como isso
foi imposto primeiramente às grandes empresas, sua real incidência
não foi percebida. Quem disse que “uma empresa não tem nem corpo
para ser chutado nem alma para ser perdida” vislumbrou a verdade:
toda e qualquer lei se aplica a pessoas.
Os atos de uma empresa são necessariamente realizados por pessoas;
os bens de uma empresa pertencem a pessoas; a punição deve cair
sobre pessoas. E se esses atos são sujeitos a penas, a lei
rapidamente será ampliada para incluir o esforço estritamente
individual em seu campo de ação.
Nessa
extensão é que o propósito exposto se torna evidente. A
consequência final de qualquer ampliação do poder político
consiste no campo de ação que ela cobre, não no ato particular
primeiramente proibido. Ou seja, se o governo é moralmente
competente para proibir a venda de bebidas alcoólicas, deve ter o
poder de prescrever todos os itens da dieta aos cidadãos. Depois de
séculos de liberdade, essa afirmação parecerá vagamente absurda;
mas foi posta em prática em Esparta. O campo de ação que as leis
antitruste invadiram foi o da produção e do comércio; o primeiro
crime alegado foi “restrição ao comércio”. Mas o poder
invocado era necessariamente abrangente; e, quando foi aplicado aos
indivíduos, a acusação foi “superprodução”!
Mais
uma vez, o ato de trabalhar foi criminalizado, o ato de produzir foi
criminalizado. Tornou-se crime até mesmo doar comida plantada pelo
doador em sua própria terra, por seu próprio trabalho. Ainda não é
um crime específico um homem comer a comida que ele mesmo produziu —
como acontece na Rússia — mas esse é o próximo passo inevitável.
O direito primário dos seres humanos à mera existência já foi
negado; uma vez que cotas agrícolas, prioridades e cartões de
racionamento envolvem todos os processos de produção e comércio,
pelos quais a existência é mantida, a vida passou a depender de
permissões diárias e horárias.
No
famoso caso Dred Scott,
que os homens corretamente entenderam como definidor das questões
pelas quais a Guerra Civil foi desencadeada, a decisão se baseou num
axioma declarado; e o axioma repudiava a Declaração da
Independência. Tecnicamente, decidiu-se que a Suprema Corte não
tinha jurisdição; e a razão apresentada foi que um negro não
podia ser cidadão, nem mesmo por nascimento, nem mesmo se seus pais
não estivessem formalmente em escravidão. Ele de fato podia ser
autorizado a residir no país e possuir bens, mas apenas como um
favor, não como um direito. Se não era um cidadão, estava sujeito
a ser deportado. Porém, tendo nascido nos Estados Unidos, não tinha
outro país ou lugar em que pudesse ser admitido. Portanto, não
havia um lugar em que ele pudesse usufruir do primeiro benefício da
propriedade, que é um chão para viver. Não existia um lugar na
face da Terra onde ele tivesse o direito de existir; o que é o mesmo
que dizer que ele
não tinha o direito de existir,
se essa decisão contivesse a verdade.
No
caso de Dred Scott, sua condição material foi deduzida de uma
premissa primária, uma negação do direito natural de um ser
humano. Pela abordagem contrária, quando a aquisição, posse e uso
de cada objeto material depende de permissão, então toda ação
produtiva de que um homem é capaz passa a ser realizada apenas por
permissão. Como essas ações constituem o modo de ser do homem, a
premissa primária fica implícita; ele foi reduzido à situação
inominável de Dred Scott. Se não tem o direito
de agir, de produzir, de comerciar, não
tem o direito de existir.
Portanto,
a sentença de Dred Scott foi pronunciada sobre toda a humanidade,
pela negação de todos os atributos do direito natural. Presume-se
que os homens só existem mediante permissão. Finalmente, o
persistente objetivo dos improdutivos foi alcançado, sem reservas,
sem limitações; e, de maneira ainda mais extraordinária, sem
nenhuma outra justificativa exceto a de sua própria incompetência.
Conseguiram colocar uma canga nos produtores.