Trecho de Sodoma e Gomorra, quarto volume de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust.
O Narrador está em uma recepção na casa do Príncipe de Guermantes, procurando algum convidado que o apresente ao anfitrião. Uma mulher vem cumprimentá-lo, chama-o pelo nome, mas ele não consegue se lembrar do nome dela por algum tempo. De repente, o nome surge: Sra. de Arpajon. O Narrador divaga sobre o funcionamento da memória e o processo de tentarmos nos lembrar de algo. Do texto de Proust:
«“Tudo isto”, dirá o leitor, “nada me informa da falta de solicitude dessa dama; mas, já que demorou tanto tempo, deixe-me, senhor autor, fazê-lo perder mais um minuto para dizer que é lamentável que, jovem como o sr. era (ou como era o seu herói, caso não seja o sr.) já tivesse tão pouca memória a ponto de não poder se lembrar do nome de uma dama que conhecia tão bem.” De fato é lamentável, senhor leitor. E, mais triste do que o sr. pensa, quando se sente aí o anúncio do tempo em que os nomes e as palavras desaparecerão da zona clara do pensamento, e onde será preciso renunciar para sempre a dizer para nós mesmos os nomes daqueles a quem melhor conhecemos. É lamentável, de fato, que desde a juventude se necessite desse trabalho para reencontrar nomes que se conhecem bem. Mas, se essa deficiência só ocorresse quanto aos nomes mal conhecidos, muito naturalmente esquecidos, e de que ninguém se dá ao trabalho de tentar recordar, tal deficiência não deixaria de ter suas vantagens. “E quais são, se me faz o favor?” Bem, meu senhor, é que só o mal faz a gente reparar e aprender, permitindo decompor os mecanismos que, sem isso, não conheceríamos. Um homem que todas as noites tomba como uma massa no seu leito e não vive mais até o momento de acordar e se erguer, por acaso esse homem pensará alguma vez em fazer, se não grandes descobertas, ao menos pequeninas observações sobre o sono? Mal sabe ele se dorme. Um pouco de insônia não é inútil para dar valor ao sono, projetar alguma luz sobre essa noite. Uma memória sem falhas não é um excitante muito poderoso para estudar os fenômenos da memória. “Enfim, a Sra. de Arpajon o apresentará ao príncipe?” Não, mas cale-se e deixe-me retomar minha narrativa.»
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