sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A Queda, de Diogo Mainardi


Li, de uma tacada, A Queda - As memórias de um pai em 424 passos, de Diogo Mainardi. No dia em que comprei, fui dar uma folheada e parei na página 37. Não conseguia largar o livro. Três dias depois, peguei outra vez e só parei quando terminei.

O texto é muito forte, contundente, visceral. Mescla o depoimento pessoal carregado de emoção a referências históricas e culturais, distanciadas e irônicas, eruditas e chocantes.

Veneza é um personagem central do livro. Tito nasceu em Veneza, num hospital que funciona onde foi a Scuola Grande di San Marco, arquitetada por Pietro Lombardi, em 1489. Há muitas referências a Pietro Lombardi, a outros prédios de Veneza, ao jogo Assassin's Creed (que se passa em Veneza), a Marcel Proust (Veneza tem um papel importante no final de seu Em Busca do Tempo Perdido), a John Ruskin (que escreveu As Pedras de Veneza). Outro personagem central é a deformação física, especialmente por paralisia cerebral. Ele fala sobre o músico Neil Young, que tem dois filhos com paralisia, sobre a comediante Francesca Martinez e o escritor Christy Brown, portadores de paralisia, sobre o autor Giacomo Leopardi, deficiente físico, sobre Ricardo III que, segundo Shakespeare, tinha "uma perna menor do que a outra", membros "mirrados como ramos secos", uma corcunda "igual a uma montanha" e era "desproporcional em todas as partes do corpo".

Há alguns capítulos sobre o nazismo, a política de extermínio de deficientes físicos e as experiências macabras de Josef Mengele.

E, em meio a tudo isso, a história de Tito. O drama do parto, os primeiros sintomas da doença aos seis meses de idade, suas dificuldades, suas superações. Muitas visitas a diferentes médicos que deram os mais diversos prognósticos e recomendações. A vitória na justiça italiana no processo contra o hospital.

Reproduzo abaixo dois capítulos.



82

Passei o dia na UTI.

Acariciei o rosto de Tito. Ele permaneceu morto. Acariciei o peito de Tito. Ele permaneceu morto. Acariciei a perna de Tito. Ele permaneceu morto. Acariciei as costas de Tito. No momento em que acariciei suas costas, deu-se o inesperado. Subitamente, ele contorceu o corpo e arqueou a coluna.

Tito ressucitou.

Chorei por meia hora. Depois de ter chorado por meia hora, chorei por uma hora. Depois de ter chorado por uma hora, chorei por duas horas.



119

Agora estamos na praia da Enseada, em Bertioga.

Em 7 de fevereiro de 1972*, entrando no mar, na praia da Enseada, Josef Mengele teve um derrame cerebral e morreu.

Vim até aqui, com meus filhos Tito e Nico, seguindo o rastro de Josef Mengele. Quero entrar no mar em que ele morreu. Quero tripudiar sobre seu cadáver. Quero comemorar o valor da vida de um filho inválido.

Sou o Simon Wiesenthal da paralisia cerebral.

Josef Mengele está morto. Tito está vivo.



* Mengele, na verdade, morreu em 7 de fevereiro de 1979.

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