sábado, 10 de novembro de 2012

Trecho de "À Sombra das Moças em Flor", de Proust


Quando Swann me dissera em Paris, um dia em que me sentia bastante mal: — Você deveria partir para aquelas deliciosas ilhas da Oceania; verá que não há de voltar mais — tive vontade de responder: — Mas então não veria mais a sua filha e viveria em meio a coisas e pessoas que ela nunca viu. — E no entanto a razão me dizia: “E que importa, visto que não sofrerás mais? Quando o Sr. Swann diz que não voltarás, quer dizer que não quererias mais voltar, e, visto não quereres voltar, é porque lá te sentirias feliz.” Pois minha razão sabia que o hábito — o hábito que ia assumir agora a tarefa de me fazer amar aquela casa desconhecida, de mudar o espelho de lugar, o colorido das cortinas e de parar o pêndulo — se encarrega também de nos tornar caros os companheiros que a princípio nos desagradavam, de dar outro formato aos rostos, de fazer simpático o som de uma voz, de modificar as inclinações do coração. É claro que essas amizades novas por lugares e pessoas são tecidas sobre o esquecimento das antigas; mas justamente a minha razão pensava que eu podia encarar sem terror a perspectiva de uma vida em que ficaria para sempre separado de pessoas cuja lembrança me fugiria; e era como uma espécie de consolo que oferecia ao meu coração a promessa de um esquecimento que, pelo contrário, me deixava louco de desespero. E não é que o nosso coração não deva também experimentar, ao consumar-se a separação, os efeitos analgésicos do hábito; mas, até que isso aconteça, continuará sofrendo. E o temor de um futuro em que não poderemos ver nem conversar com os entes queridos, e dos quais tiramos hoje a nossa mais profunda alegria, esse temor, longe de se dissipar, aumenta quando pensamos que, à dor de uma tal separação, se acrescentará o que no momento nos parece ainda mais cruel: a de a não mais sentirmos como uma dor e permanecermos indiferentes; pois então o nosso eu terá mudado: não será apenas o encanto de nossos pais, de nossa amante, de nossos amigos que deixará de estar à nossa volta; nossa afeição por eles terá sido tão bem extirpada de nosso coração da qual hoje em dia constitui parte tão importante que poderíamos nos alegrar com essa vida separada deles, cuja idéia hoje nos causa horror; será então uma verdadeira morte de nós mesmos, é verdade que morte seguida de ressurreição, mas num eu diverso e que não pode inspirar afeto às partes do antigo eu condenadas a morrer. E são elas — até as mais débeis, como o obscuro apego às dimensões, à atmosfera de um quarto — as que assustam e reprovam, com rebeliões em que se pode ver uma forma secreta, parcial, tangível e verdadeira de resistência à morte, da longa resistência desesperada e cotidiana à morte fragmentária e sucessiva tal como se insere em todos os momentos da nossa vida, destacando pedaços de nós a cada instante e fazendo que sobre a carne morta se multipliquem células novas.

“Em Busca do Tempo Perdido” volume 2, “À Sombra das Moças em Flor”, de Marcel Proust.

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