O Deus da Máquina, capítulo IV
Roma como uma Demonstração da Natureza do Governo
Isabel Paterson
Roma
governava o mundo. Nunca antes nem depois outra nação ocupou uma
posição equivalente, exercendo um único papel no concerto das
nações. O isolamento de um papel é a única maneira pela qual sua
natureza pode ser determinada. Roma era o poder político
cristalizado a partir da solução social pela primeira vez e, assim,
tornou-se uma demonstração histórica da natureza do governo. O que
essa demonstração revela é um curioso negativo; durante seu
regime, Roma não contribuiu em nada para os verdadeiros processos
produtivos.
Isso
não significa que não houvesse pessoas produtivas entre os romanos.
Na República, havia artesãos competentes e bons fazendeiros,
decididos a prosperar; se assim não fosse, não teriam desenvolvido
nunca seu agudo senso de propriedade. Mas, desde o início do
Império, a produtividade da população diminuiu em Roma, enquanto o
desemprego cresceu e se tornou crônico. E, no estabelecimento do
Império, Roma era estritamente consumidora de bens materiais.
Toda
a energia que mantinha o Império funcionando vinha de fora da cidade
imperial. Mais ainda, provinha do esforço e da inteligência
privados, do empreendedorismo e do trabalho de indivíduos, que
pediam em troca uma única coisa: simplesmente serem deixados em paz.
O que Roma fazia por eles, em comparação com qualquer outra forma
conhecida de governo, era não fazer nada; a margem de benefício
consistia na limitação do governo. O poder político era impedido
de exercer atividades econômicas e, portanto, a produção era
deixada ao gerenciamento privado. O governo de Roma era melhor que o
de seus predecessores porque Roma governava menos. Esta é a primeira
demonstração do axioma de que o país que é menos governado é o
mais bem governado.
A
torrente de energia brotava de inúmeras pequenas nascentes e fluía
para as grandes rotas comerciais. Veio crescendo pouco a pouco por
séculos, vencendo inúmeros obstáculos, levando de aluvião as
ruínas dos reinos. Antes que Roma encontrasse sua fórmula, não
existia uma distinção clara entre o domínio público e o privado.
O Egito estava fossilizado pela propriedade governamental da terra; o
poder absoluto do governo tornou o país uma presa impotente dos
invasores. A propriedade privada era a norma entre os atenienses; mas
eles tentaram impor monopólios sobre o comércio com suas colônias.
Cartago era um estado corporativo. Quando os empreendedores de
qualquer nação abriam uma fonte de comércio, imediatamente
tentavam usar o poder político para represar completamente o fluxo
resultante. Isso é impossível; uma vez que a energia é liberada,
deve obedecer a suas próprias leis. A Grécia e Cartago foram
continuamente chacoalhadas e rachadas pela energia que retornava e
fazia pressão procurando uma saída; essas nações nunca alcançaram
um equilíbrio. Os fenícios foram arrastados pela trilha de energia
de Tiro até Cartago. Precisamente porque Cartago de fato conseguiu
impor um monopólio no principal canal de comércio com a Europa,
Cartago foi varrida do mapa. Mas, como os romanos não eram
primariamente comerciantes, tendo ficado ocupados com o grande
problema de encontrar o princípio político, estavam predispostos a
permitir que a torrente de energia seguisse seu curso natural.
A
estrutura da República Romana era vertical e sua fonte de energia
era interna. A República ruiu pela pressão horizontal de uma
avalanche de energia vinda de fora. O mecanismo do Império
trabalhava horizontalmente, por uma absorção centrípeta de
energia. Dados os fatores existentes, era capaz de se estender
amplamente; mas sua continuidade dependia de que as partes
periféricas resistissem positivamente às agências de governo. O
que de fato mantinha esse mecanismo íntegro era a tendência
separatista residual das nações que o compunham. Enquanto o
sentimento ou a aspiração por independência permanecia nas
províncias, a burocracia ficava impedida de arrecadar impostos mais
pesados do que o comércio era capaz de suportar. Como receptor dos
tributos, o governador provincial estava em perigo iminente se
arrecadasse além do razoável. Então, se Roma exigisse demais, a
próxima pessoa em risco seria o imperador. Portanto, o mecanismo era
tal que utilizava em seu funcionamento a pressão da revolta latente
para recuar, retroceder. Quando finalmente os provincianos passaram a
se considerar romanos e não mais se imaginaram voltando a ser uma
nacionalidade separada, o Império acabou. Na verdade, queimou a
cabeça do cilindro.
A
oposição latente passou a ser insignificante. As exigências da
burocracia aumentavam e o número de burocratas se multiplicava. Uma
parte cada vez maior do fluxo era desviada da produção para o
mecanismo político. Quaisquer que sejam os elementos em movimento
que compõem uma corrente de energia, uma parcela mínima precisa
percorrer o circuito completo e renovar a produção. A água que
corre em um aqueduto para fazer girar uma roda de moinho é uma
corrente de energia. Também o são a eletricidade que percorre fios
isolados e os bens no processo entre matérias-primas e produtos
acabados, levados por um sistema de transporte. Se existem muitos
vazamentos no canal de água; ou se a eletricidade é desviada para
cada vez mais tomadas ou se os bens são expropriados gradativamente
a cada estágio do processo, em algum momento não vai sobrar o
suficiente para a manutenção do sistema. No sistema de energia
constituído pela troca de bens, os produtores e processadores têm
de obter o bastante para que seja possível continuar a produzir e a
trabalhar as matérias-primas e a prover transporte. Perto do final
do Império Romano, a burocracia consumia uma parcela tão grande que
praticamente não sobrava nada para percorrer o circuito completo.
Enquanto
isso, os produtores, recebendo cada vez menos em troca de seus
produtos, ficaram empobrecidos e desencorajados. Naturalmente,
tendiam a produzir menos, uma vez que não recebiam um retorno justo.
De fato, um esforço para o qual não há retorno líquido deve
automaticamente cessar. Passaram a consumir seus próprios produtos
em vez de colocá-los à venda. Com isso, a arrecadação de impostos
começou a secar. Os impostos devem vir do excedente. Os burocratas
inevitavelmente caíram em cima dos produtores, com a intenção de
sequestrar a energia diretamente da fonte, por meio de uma economia
planejada. Prenderam os agricultores ao solo e os artesãos a suas
bancadas de trabalho; ordenaram aos comerciantes que continuassem em
seu negócio, embora os impostos e as regulamentações não
permitissem sua sobrevivência. Ninguém podia mudar de local de
residência ou de ocupação sem permissão. A moeda foi depreciada.
Preços e salários foram congelados até que não havia mais nada
para vender, nem nenhum emprego.
“As
reformas de Diocleciano, entre 260 e 268 D.C., tornaram ainda mais
pesada a já insuportável carga da cidadania.”1
Homens
que haviam anteriormente sido produtivos fugiam para as matas e
montanhas como criminosos, porque morreriam de fome se continuassem
trabalhando. Com a energia lacrada na fonte, seu nível baixou até
que não havia mais o suficiente para fazer o mecanismo funcionar. A
Muralha Romana, nas ilhas britânicas, marca a maré alta. Quando as
Legiões foram retiradas da Muralha, não foi porque foram derrotadas
pelos bárbaros; foram puxadas de volta pela maré vazante de
energia, pela impossibilidade de fornecer suprimentos e reforços. Os
bárbaros não eram uma força ascendente; eles flutuaram na maré.
Não tinham objetivo nem capacidade de tomar ou construir sistema
nenhum; vieram como animais selvagens que comem em campos cultivados
no passado, onde o plantador não tem mais energia para manter suas
cercas em pé. Os comedores de impostos absorveram a energia. Um mapa
do Império Romano nos séculos IV e V, com as rotas de migrações
bárbaras traçadas, é uma rede de linhas vagantes que mostram como
os godos do leste e do oeste, os hunos e os vândalos simplesmente
seguiram as principais rotas comerciais. Não havia nada para
impedi-los. Os produtores já tinham sido vencidos pela burocracia.
1
ROME AND THE ROMANS, de Grant Showerman. (N. da A.)
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