sexta-feira, 10 de maio de 2013

Roma como uma Demonstração da Natureza do Governo

O Deus da Máquina, capítulo IV
Roma como uma Demonstração da Natureza do Governo
Isabel Paterson


Roma governava o mundo. Nunca antes nem depois outra nação ocupou uma posição equivalente, exercendo um único papel no concerto das nações. O isolamento de um papel é a única maneira pela qual sua natureza pode ser determinada. Roma era o poder político cristalizado a partir da solução social pela primeira vez e, assim, tornou-se uma demonstração histórica da natureza do governo. O que essa demonstração revela é um curioso negativo; durante seu regime, Roma não contribuiu em nada para os verdadeiros processos produtivos.

Isso não significa que não houvesse pessoas produtivas entre os romanos. Na República, havia artesãos competentes e bons fazendeiros, decididos a prosperar; se assim não fosse, não teriam desenvolvido nunca seu agudo senso de propriedade. Mas, desde o início do Império, a produtividade da população diminuiu em Roma, enquanto o desemprego cresceu e se tornou crônico. E, no estabelecimento do Império, Roma era estritamente consumidora de bens materiais.

Toda a energia que mantinha o Império funcionando vinha de fora da cidade imperial. Mais ainda, provinha do esforço e da inteligência privados, do empreendedorismo e do trabalho de indivíduos, que pediam em troca uma única coisa: simplesmente serem deixados em paz. O que Roma fazia por eles, em comparação com qualquer outra forma conhecida de governo, era não fazer nada; a margem de benefício consistia na limitação do governo. O poder político era impedido de exercer atividades econômicas e, portanto, a produção era deixada ao gerenciamento privado. O governo de Roma era melhor que o de seus predecessores porque Roma governava menos. Esta é a primeira demonstração do axioma de que o país que é menos governado é o mais bem governado.

A torrente de energia brotava de inúmeras pequenas nascentes e fluía para as grandes rotas comerciais. Veio crescendo pouco a pouco por séculos, vencendo inúmeros obstáculos, levando de aluvião as ruínas dos reinos. Antes que Roma encontrasse sua fórmula, não existia uma distinção clara entre o domínio público e o privado. O Egito estava fossilizado pela propriedade governamental da terra; o poder absoluto do governo tornou o país uma presa impotente dos invasores. A propriedade privada era a norma entre os atenienses; mas eles tentaram impor monopólios sobre o comércio com suas colônias. Cartago era um estado corporativo. Quando os empreendedores de qualquer nação abriam uma fonte de comércio, imediatamente tentavam usar o poder político para represar completamente o fluxo resultante. Isso é impossível; uma vez que a energia é liberada, deve obedecer a suas próprias leis. A Grécia e Cartago foram continuamente chacoalhadas e rachadas pela energia que retornava e fazia pressão procurando uma saída; essas nações nunca alcançaram um equilíbrio. Os fenícios foram arrastados pela trilha de energia de Tiro até Cartago. Precisamente porque Cartago de fato conseguiu impor um monopólio no principal canal de comércio com a Europa, Cartago foi varrida do mapa. Mas, como os romanos não eram primariamente comerciantes, tendo ficado ocupados com o grande problema de encontrar o princípio político, estavam predispostos a permitir que a torrente de energia seguisse seu curso natural.

A estrutura da República Romana era vertical e sua fonte de energia era interna. A República ruiu pela pressão horizontal de uma avalanche de energia vinda de fora. O mecanismo do Império trabalhava horizontalmente, por uma absorção centrípeta de energia. Dados os fatores existentes, era capaz de se estender amplamente; mas sua continuidade dependia de que as partes periféricas resistissem positivamente às agências de governo. O que de fato mantinha esse mecanismo íntegro era a tendência separatista residual das nações que o compunham. Enquanto o sentimento ou a aspiração por independência permanecia nas províncias, a burocracia ficava impedida de arrecadar impostos mais pesados do que o comércio era capaz de suportar. Como receptor dos tributos, o governador provincial estava em perigo iminente se arrecadasse além do razoável. Então, se Roma exigisse demais, a próxima pessoa em risco seria o imperador. Portanto, o mecanismo era tal que utilizava em seu funcionamento a pressão da revolta latente para recuar, retroceder. Quando finalmente os provincianos passaram a se considerar romanos e não mais se imaginaram voltando a ser uma nacionalidade separada, o Império acabou. Na verdade, queimou a cabeça do cilindro.

A oposição latente passou a ser insignificante. As exigências da burocracia aumentavam e o número de burocratas se multiplicava. Uma parte cada vez maior do fluxo era desviada da produção para o mecanismo político. Quaisquer que sejam os elementos em movimento que compõem uma corrente de energia, uma parcela mínima precisa percorrer o circuito completo e renovar a produção. A água que corre em um aqueduto para fazer girar uma roda de moinho é uma corrente de energia. Também o são a eletricidade que percorre fios isolados e os bens no processo entre matérias-primas e produtos acabados, levados por um sistema de transporte. Se existem muitos vazamentos no canal de água; ou se a eletricidade é desviada para cada vez mais tomadas ou se os bens são expropriados gradativamente a cada estágio do processo, em algum momento não vai sobrar o suficiente para a manutenção do sistema. No sistema de energia constituído pela troca de bens, os produtores e processadores têm de obter o bastante para que seja possível continuar a produzir e a trabalhar as matérias-primas e a prover transporte. Perto do final do Império Romano, a burocracia consumia uma parcela tão grande que praticamente não sobrava nada para percorrer o circuito completo.

Enquanto isso, os produtores, recebendo cada vez menos em troca de seus produtos, ficaram empobrecidos e desencorajados. Naturalmente, tendiam a produzir menos, uma vez que não recebiam um retorno justo. De fato, um esforço para o qual não há retorno líquido deve automaticamente cessar. Passaram a consumir seus próprios produtos em vez de colocá-los à venda. Com isso, a arrecadação de impostos começou a secar. Os impostos devem vir do excedente. Os burocratas inevitavelmente caíram em cima dos produtores, com a intenção de sequestrar a energia diretamente da fonte, por meio de uma economia planejada. Prenderam os agricultores ao solo e os artesãos a suas bancadas de trabalho; ordenaram aos comerciantes que continuassem em seu negócio, embora os impostos e as regulamentações não permitissem sua sobrevivência. Ninguém podia mudar de local de residência ou de ocupação sem permissão. A moeda foi depreciada. Preços e salários foram congelados até que não havia mais nada para vender, nem nenhum emprego.

As reformas de Diocleciano, entre 260 e 268 D.C., tornaram ainda mais pesada a já insuportável carga da cidadania.”1

Homens que haviam anteriormente sido produtivos fugiam para as matas e montanhas como criminosos, porque morreriam de fome se continuassem trabalhando. Com a energia lacrada na fonte, seu nível baixou até que não havia mais o suficiente para fazer o mecanismo funcionar. A Muralha Romana, nas ilhas britânicas, marca a maré alta. Quando as Legiões foram retiradas da Muralha, não foi porque foram derrotadas pelos bárbaros; foram puxadas de volta pela maré vazante de energia, pela impossibilidade de fornecer suprimentos e reforços. Os bárbaros não eram uma força ascendente; eles flutuaram na maré. Não tinham objetivo nem capacidade de tomar ou construir sistema nenhum; vieram como animais selvagens que comem em campos cultivados no passado, onde o plantador não tem mais energia para manter suas cercas em pé. Os comedores de impostos absorveram a energia. Um mapa do Império Romano nos séculos IV e V, com as rotas de migrações bárbaras traçadas, é uma rede de linhas vagantes que mostram como os godos do leste e do oeste, os hunos e os vândalos simplesmente seguiram as principais rotas comerciais. Não havia nada para impedi-los. Os produtores já tinham sido vencidos pela burocracia.

1 ROME AND THE ROMANS, de Grant Showerman. (N. da A.)

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