De manhã, estávamos nos arrumando para sair. Meu filho colocou um tênis novo, de dinossauro. Ele disse: "Vou mostrar pra vovó e pro vovô. Na verdade, só pra vovó." As crianças dizem isso naturalmente, sem passar por nenhuma emoção forte. Fui pensando nisso o caminho todo.
Andei com as crianças na mata atrás da casa, como fazíamos com meu pai. Separamos alguns livros e ferramentas. Minha mãe se desfez de algumas coisas, ainda vai se desfazer de outras.
Revirando coisas, ela encontrou no sótão alguns discos de vinil de quando eu era criança. Um toca-discos que foi da minha tia está agora com minha mãe e funcionando. Toquei para as crianças um disquinho que ela ganhou quando eu nasci, ou quando minha irmã nasceu. "Acalanto", com uma música de ninar cantada como se fosse por uma mãe índia:
"A rede vai,
A rede vem.
A noite cai.
Dorme neném."
Lembro da minha infância e choro com minha filha no meu colo.
Toquei para eles também um disquinho com a narração de um gol de Jairzinho, provavelmente na Copa de 70. Do outro lado, o hino da seleção: "Noventa milhões em ação..." Essas lembranças só significam alguma coisa para mim. Talvez, também para minha irmã. Acho que ninguém mais ouviu esse disco. Se ouviu, não deve ter sido na vitrola azul da Philips que a gente tinha. Mesmo que tivesse sido, não foi na casa em que morávamos, no quarto em que eu espalhava meus carrinhos.
A casa está lá, mas não vai estar por muito mais tempo. Coisas de infância perdidas há muito tempo reaparecem. Uma coleção de moedas, uma coleção de chaveiros, minha carteirinha de escola da sexta série. E coisas presentes, com as quais estamos tão acostumados, estão indo embora a cada dia.
Posso compreender racionalmente as mudanças que acontecem na vida e me esforçar por reagir com serenidade. Mas meus sentimentos não conseguem aceitar de fato que meu pai não está mais aqui.
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