quarta-feira, 1 de abril de 2015

Uma resposta às críticas contra Pedagogia do Oprimido


Recebi hoje o texto abaixo, que critica minha resenha de Pedagogia do Oprimido. Estou dividindo com meus leitores sem identificar o autor. Amanhã, publicarei uma resposta.


Prezado Sr. Marcelo Centenaro

Percebo pela sua resenha que o sr. de fato se debruçou sobre a principal obra de Paulo Freire e procurou compreendê-la de maneira sincera. Lamento dizer que o sr. não conseguiu. Gostaria de lhe dizer por quê.

A linguagem não é confusa e não existe essa falta de encadeamento lógico que o sr. aponta. Falta-lhe familiaridade com textos produzidos pelos profissionais de ciências sociais.  A comparação com o Alcorão só pode ser uma piada. Quando Paulo Freire disse que sectários não seriam capazes de ler seu texto, ele previu exatamente as dificuldades que o sr. encontrou.

O sr. não entendeu o que Paulo Freire descreve como educação bancária. Não é a educação que transmite conteúdos e sim aquela que joga informações descontextualizadas da realidade do educando, impondo conceitos que lhe são estranhos, que ele não consegue compreender, e que não lhe dá espaço para dialogar. Também não é verdade que a educação libertadora despreze os conteúdos. Os conteúdos são importantíssimos, mas Paulo Freire dizia que recusava uma educação que treine e defendia uma educação que forme. Os conteúdos são uma oportunidade para discussões mais abrangentes, que ajudem o educando a realizar seu potencial completo como ser humano. Isso somente é possível se a relação entre educadores e educandos for uma relação de diálogo, de confiança mútua e de construção solidária de um processo de aprendizado abrangente.

O livro é de 1968. Muita coisa mudou de lá para cá e não podemos simplesmente julgá-lo com os olhos de hoje. Em 1968, estávamos no auge da Guerra Fria, o mundo estava dividido pelo Muro de Berlim e não sabíamos o que sabemos hoje dos antigos regimes comunistas. Também parecia mais necessária uma revolução armada para superar a opressão. Hoje, sabemos que podemos superá-la de outras maneiras, através da participação ativa dos movimentos democráticos e populares.

O sr. é cruel ao ridicularizar as influências do espanhol na expressão de Paulo Freire, assim como as citações em outros idiomas, omitindo que esse é o texto de um homem exilado, expulso de seu país pela violência da ditadura militar brasileira. Sobre as frases que o sr. diz não ter entendido, dispenso seu sanduíche de mortadela, mas traduzo-as para alguém que não é da área. Não há dificuldade alguma de entendê-los com boa vontade e conhecendo o contexto que o sr. desprezou.

1) O ser humano só existe em relação com o mundo. E o mundo se constitui para o homem da forma como é percebido pelo homem. Sobre essa percepção, a consciência humana produz intenções, aspirações, desejos de satisfazer suas necessidades básicas e de transformar sua realidade. Esse é um processo integrado. Conforme a criança toma consciência da existência do mundo, passa ao mesmo tempo a ter intenções sobre esse mundo.

2) Este trecho não apresenta dificuldades se o sr. deixar de omitir a que movimento Paulo Freire se refere e qual o sentido que ele dá a imersos, emersos e insertados. Imersos são homens que não possuem a consciência da situação de opressão. Emersos são aqueles que começam a se dar conta dessa situação. Insertados são os que estão plenamente conscientes da opressão que sofrem e já passaram à ação contra ela.

3) A verdadeira educação é baseada no diálogo. A verdadeira educação permite a descoberta do conhecimento, tanto pelos educandos como pelo educador. O objeto de estudo é apenas um meio, um facilitador para esse processo de descoberta.

4) Paulo Freire está criando uma analogia, no caso dos animais, com o ser humano, que se humaniza ou se desumaniza. O ser humano se humaniza quando atinge seu potencial, por estar em situação de liberdade. Humaniza seu contorno, seu ambiente, seu mundo, se o transforma de maneira a satisfazer suas necessidades e a construir um ambiente social de liberdade. E se desumaniza quando se escraviza. Já o animal, mesmo que atinja seu potencial, não transforma seu mundo. E não se degrada, mesmo que seja escravizado.

5) O ser humano transforma seu mundo quando produz conhecimentos e dispositivos que transcendam seu corpo e tenham impacto em seu entorno.

6) A palavra tridimensionalizar não deve ser entendida aqui no seu sentido matemático, mas sim que o passado, o presente e o futuro tem existência independente, porém inter-relacionada.

7) Cada momento da história contém o conflito dialético entre um conjunto de valores e seu contrário. A representação desses valores e desse conflito constitui os grandes temas debatidos no momento histórico.

As críticas que o sr. faz são todas injustificadas e injustas. Paulo Freire ousou sonhar com um mundo melhor, onde ninguém fosse escravo da opressão e todos fossem livres e dedicou sua vida a esse nobre objetivo. Ele não se dizia católico. Era católico e jamais desdenhou das crenças do povo. Não negou a humanidade de ninguém, mas considerou compreensível a justa reação dos oprimidos no momento em que se libertam da opressão. E, se este livro é mais dedicado à política que à educação, há inúmeros outros, como Pedagogia da Autonomia ou Cartas à Guiné-Bissau, que tenho certeza que o sr. desconhece, que tratam amplamente de questões pedagógicas.

Basta de doutrinação direitista! Viva Paulo Freire.

3 comentários:

  1. Marcelo, libera o nome do vermelhinho, aí, vai... Seria mt bom poder me dirigir A ELE como Cientista Social, Mestre em Sociologia e Doutorando em Filosofia...

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  2. Essa conversa quero acompanhar... Paulo Freire é um plagiador para começo de conversa - do método Laubach

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  3. Infelizmente, a falta de leitura provoca equívocos até nos doutos.Viva Paulo Freire e aqueles que se reconheceram em suas obras.

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