domingo, 16 de setembro de 2012

Burke e Paine - II



Continuo lendo Burke, Paine, and the Rights of Man - A difference of political opinion, de R. R. Fennessy. Passei pelo capítulo em que Fennessy analisa aspectos do livro de Edmund Burke, Reflexões sobre a Revolução na França.

Reflexões é uma resposta ao discurso proferido pelo Reverendo Richard Price num evento da Revolution Society. Na ocasião, o Dr. Price elogiou a Revolução Francesa e a comparou à Revolução Gloriosa, ocorrida em 1688, na Inglaterra.

O livro de Burke tem a forma de uma longa carta a um jovem francês chamado Depont. Depont havia escrito a Burke pedindo sua opinião sobre a Revolução. Na ocasião, Burke respondeu de maneira política e evasiva, expressando algumas dúvidas, mas sem desaprovar expressamente o que seu amigo esperava que ele elogiasse. O recurso literário de escrever em forma de uma carta a um estrangeiro permitiu que Burke atingisse diversos objetivos. Ele acreditava que os ingleses de sua época não entendiam bem a Constituição da Inglaterra. Fingindo explicá-la a um francês, podia iluminar seus compatriotas sobre suas virtudes. Podia expor suas próprias ideias como sendo típicas do sistema político inglês. Podia representar seus adversários como defensores de pontos de vista inconstitucionais e opostos aos valores ingleses. Por último, quis estimular o sentimento nacional, elogiando continuamente a superioridade da Constituição inglesa.

Burke critica a doutrina de "Direitos do Homem" encarnada na Revolução Francesa. Em primeiro lugar, ele discorda da ideia de "contrato social" como um evento ocorrido em um momento distante no tempo, em que os homens, de comum acordo, resolveram estabelecer um governo e passaram a viver em sociedade. Se assim fosse, a sociedade seria o resultado de um acordo entre pessoas e poderia ser modificada livremente pela simples vontade de uma maioria. Para Burke, se existiu originalmente esse evento, ele não é relevante para o que ocorreu depois que a sociedade foi estabelecida. As regras que mantém a sociedade coesa são permanentes, não estão submetidas à vontade das maiorias. Burke acredita que existe uma relação moral entre os homens, que é a verdadeira base da vida em sociedade. As instituições humanas encarnam essa relação moral. Essas instituições podem ser imperfeitas e devem evoluir com o tempo. Porém, destruí-las simplesmente ou reformá-las radicalmente significa jogar fora o esforço das gerações passadas que as construíram, sem que seja possível colocar rapidamente no lugar algo que possa substituí-las.

Para Burke, o Estado é tanto "natural", como "artificial". É "artificial" porque todas as instituições que o compõem são criações humanas. É "natural" porque todos os homens nascem vivendo em sociedade e as obras humanas fazem parte da natureza, uma vez que o homem também é parte da natureza. O Estado é um acordo, uma parceria, entre os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram. Protegê-lo é tarefa de todos. Burke acredita que o Estado deve ser defendido contra ataques irresponsáveis e até mesmo contra um escrutínio demasiadamente crítico.

Para Burke, a doutrina de "Direitos do Homem" poderia ser usada para contestar qualquer governo, o que ele considera um mal. Aos "Direitos do Homem" abstratos, imaginados pelos revolucionários, contrapõe o que chama de verdadeiros direitos do homem. São eles, entre outros, o direito ao império da lei, à justiça, à segurança da propriedade e da herança, à educação, à religião, à liberdade pessoal e aos benefícios gerados pela vida em sociedade. É uma questão complexa combinar a liberdade pessoal com o império da lei. Burke afirma que a vontade da maioria NÃO É a lei. Os governantes, eleitos ou não, têm o dever de agir no interesse do povo. Não devem necessariamente obedecer o povo, mas devem levar em consideração o que as pessoas pensam. No sistema inglês, existiria uma influência importante dos sentimentos da cavalaria. Os governantes devem agir conscientes de suas obrigações para com o povo, de seu dever e com cortesia. O povo deve ter para com os governantes sentimentos de respeito, devoção e lealdade. Os verdadeiros direitos do homem, para Burke, constituem o que um indivíduo tem como obrigação com todos os outros indivíduos em virtude da lei natural. Para uma determinação precisa de um direito em particular, seria necessário recorrer a regras, convenções, costumes e ao direito positivo.

Como conservador, Burke acredita que mudanças e reformas podem ser desejáveis e necessárias. Mas não deve ser muito fácil fazê-las. Ele acredita que a aristocracia produz bons governantes, defende ardorosamente o direito de propriedade e vê um valor político na religião.

Boa parte do argumento de Burke consiste em rejeitar o que ele chama de pensamento "metafísico" em política. Ele usa a palavra "metafísica" de maneira pejorativa ao longo do livro, no sentido de raciocínios individuais abstratos aplicados a solução de problemas políticos concretos. Em primeiro lugar, ele entende que a realidade é mais complexa que qualquer teoria e as particularidades de cada situação não podem ser ignoradas. Muitas vezes, quando mais sutil e elaborado é um raciocínio abstrato, mais inadequado à situação concreta. Burke também acha que a razão humana é imperfeita e que o ser humano possui outros recursos para corrigi-la: a paixão, os sentimentos naturais, o diálogo e a ação. Para resolver um problema abstrato, a razão procura simplificá-lo. Para resolver um problema político, é necessário que a solução seja tão abrangente quanto possível. O pensador que utiliza a razão num problema político ou social deve ter em mente que ele também é parte da sociedade. Por isso, alguns aspectos do problema podem escapar a sua percepção. Além disso, o pensador tem a responsabilidade de não minar as fundações da sociedade a que pertence. Para Burke, o pensamento "metafísico" leva a discussões intermináveis e inconclusivas e é irrelevante para a solução de problemas políticos concretos. Ele considera que "igualdade" e "direitos do homem" são exemplos típicos de ideias abstratas aplicadas indevidamente. O direito de autodeterminação também seria uma abstração falsa e particularmente perigosa, porque pode ser invocado para contestar qualquer governo, bom ou mau, legítimo ou ilegítimo, justo ou injusto.

Fennessy termina o capítulo criticando alguns pontos que Burke ignora em sua argumentação. Havia, de fato, uma demanda muito forte por mudanças radicais na França. O governo monárquico não deu nenhuma resposta aceitável a essa demanda. Houve muitos esforços para reformar o sistema de maneira mais suave e controlada, mas sem sucesso. A nobreza e o alto clero resistiram encarniçadamente a abrir mão de privilégios. Todos esses fatores podem ter contribuído para a Revolução tanto quanto o pensamento que Burke chama de "metafísico". Segundo Fennessy, Burke parece esquecer que também houve transformações violentas no governo da Inglaterra, com um rei tendo sido decapitado no século XVII, por exemplo. Ele nunca menciona que pode haver desvantagens em uma religião estabelecida pelo estado e não considera o problema dos opositores de consciência. Além disso, Fennessy menciona que Burke procura organizar o pensamento de seus adversários segundo seus critérios, criando um sistema de pensamento que seus opositores não reconheceriam como sendo deles. Ou seja, Burke faz uso da falácia do espantalho.

Vou expor minha opinião sobre esses pontos em outro post.

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