IV
Na Rússia, então, nossa esperança tinha se realizado; a revolução econômica tinha acontecido. O Partido Comunista capturara o poder com o grito: “Todo poder aos conselhos!”
O
capitalismo de estado da Rússia e as tímidas tentativas de livre
empresa foram destruídos e o povo controlava a riqueza nacional. Ou
melhor: na realidade, um homem sincero e extremamente capaz – Lênin
– estava no poder, devotado à estupenda tarefa de reduzir
multidões de seres humanos à ordem econômica eficiente, o que esse
homem e seus seguidores honestamente acreditavam que fosse o máximo
bem-estar material daquelas multidões.
E
o que eu via não era uma extensão da liberdade humana, mas o
estabelecimento da tirania numa base nova, amplamente estendida e
mais profunda.
A
novidade histórica do governo soviético era sua razão de ser.
Outros governos existiam para manter a paz entre seus súditos ou
para arrecadar dinheiro deles ou para usá-los no comércio e na
guerra para a glória dos homens que os governavam. Mas o governo
soviético existia para fazer o bem a seu povo, quer ele gostasse
disso ou não.
E
eu sentia que, de todas as tiranias às quais os homens foram
submetidos, aquela tirania seria a mais implacável e a mais dolorosa
de suportar. Existe algum refúgio para a liberdade sob outras
tiranias, uma vez que são menos completas e não são tão armadas
de virtude sem remorsos. Mas eu não conseguia identificar nenhum
tipo de refúgio contra a benevolência no poder econômico.
Todos
os relatos sobre a União Soviética que ouvi desde então
confirmaram essa opinião. E ouço apenas relatos dos seus amigos, já
que acredito que os comunistas são quem melhor entende o que ocorre
lá.
Há
vinte e sete anos, os homens que dirigem o país labutam
prodigiosamente para criar precisamente a sociedade com a qual
sonhamos: uma sociedade em que a insegurança, a pobreza e a
desigualdade econômica são impossíveis.
Por
esse fim, suprimiram a liberdade pessoal; liberdade de movimento, de
escolha do trabalho, liberdade de manifestação pessoal no modo de
vida, liberdade de expressão, liberdade de consciência.
Dado
seu objetivo, não vejo como poderiam ter feito diferente. A extração
de comida da terra e do mar, a produção de bens a partir de
matérias-primas reunidas, e seu armazenamento, troca, transporte,
distribuição e consumo por vastas multidões de seres humanos são
atividades tão intricadamente inter-relacionadas e interdependentes
que o controle eficiente de qualquer parte delas exige o controle do
todo. Nenhum homem pode controlar multidões de homens assim sem
coerção e essa coerção precisa aumentar com o tempo.
Precisa
aumentar, porque os seres humanos são naturalmente diversos. É da
natureza humana fazer a mesma coisa de maneiras diferentes, perder
tempo e energia mudando a forma das coisas, experimentar, inventar,
cometer erros, abandonar o passado numa variedade infinita de
direções. Plantas e animais repetem a rotina, mas homens que não
são reprimidos irão ao futuro como exploradores de um novo país e
a exploração é sempre perdulária. Grandes quantidades de
exploradores não conseguem nada e muitos se perdem. A coerção
econômica é, portanto, constantemente ameaçada pela obstinação
humana. Ela precisa constantemente superar essa obstinação, esmagar
todos os impulsos de egotismo e independência, destruir a variedade
de desejos e comportamentos humanos. O poder econômico centralizado,
esforçando-se por planejar e controlar os processos econômicos de
uma nação moderna, existe sob a necessidade ou de fracassar ou de
se tornar o poder absoluto sobre cada área da vida humana.
– Não
importa o que acontece aos indivíduos – diz o comunista. – O
indivíduo não é nada. A única coisa que importa é o Estado
coletivista.
A
esperança comunista de igualdade econômica na União Soviética
repousa hoje na morte de todos os homens e mulheres que são
indivíduos. Uma nova geração, eles me dizem, já está sendo
forjada e educada assim, de maneira que está sendo criada de fato
uma massa humana; milhões de homens e mulheres jovens que possuem,
de verdade, a psicologia de uma colmeia de abelhas, de um
formigueiro.
Isso
não me parece tão inacreditável quanto já pareceu. Pode já
existir uma colmeia humana na Rússia. Não seria a única na
história; existiu Esparta.
Existiu
Esparta, imutável em suas rígidas formas de comportamento e
pensamento padronizados, até que foi destruída por um inimigo
externo. Existe a colmeia de abelhas, estática, imutável através
de incontáveis gerações de indivíduos que repetem incessantemente
o mesmo padrão de ações devotadas ao bem de todos. Se não há
progresso na vida, isso não é vida; é um tipo de morte animada e
respirando.http://www.libertarianismo.org/index.php/biblioteca/234-rose-wilder-lane/1074-quero-liberdade
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