O Deus da Máquina, capítulo XVIII
Por que Dinheiro Real É Indispensável
Isabel Paterson
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Moeda de ouro russa de 10 rublos, cunhada em 1898,
com a efígie do Czar Nicolau II. |
Outra
afirmação sobre a propriedade revela o nível mental primitivo dos
coletivistas: a proposta de “abolir a herança de propriedade”.
Uma vez que a propriedade é constituída de objetos tangíveis,
só existem duas maneiras pelas quais a herança poderia ser abolida.
Os objetos seriam destruídos ou declarados como não sendo mais
propriedade, tendo seu uso impedido. A terra de um homem morto
voltaria a ser selvagem. Povos primitivos ou bárbaros algumas vezes
adotaram esse caminho, quando os bens e posses do falecido eram
enterrados com ele e sua cabana queimada, ou quando o navio do viking
se transformava em sua pira funerária, ou acampamentos antes
ocupados eram abandonados.
O
que os coletivistas pretendem dizer (mas não dizem, porque, se
enunciassem explicitamente, não conseguiriam a simpatia de qualquer
pessoa racional) é que, na ocasião da morte de um proprietário, o
governo deveria tomar todas as propriedades que ele possuísse: uma
expropriação gradativa que acabaria por confiscar todos os bens
existentes no país depois de decorrido o tempo de vida natural de um
ser humano. Nenhuma justificativa moral ou inteligível pode ser
apresentada para explicar por que Hitler, Stalin ou qualquer outro
governante deveria herdar o produto das economias, do trabalho e do
cuidado de cada homem, em vez de a herança ir para sua mulher, seus
filhos, ou qualquer pessoa a quem ele desejasse legá-lo; mas essa é
a proposta. A morte e os impostos chegam de mãos dadas.
Os
economistas que defendem o fiat
money
(papel-moeda não resgatável em ouro), ou então um sinal aritmético
que chamam de “commodity dollar” (talvez porque não seja nem uma
commodity nem um dólar),
estão abaixo do nível mental dos selvagens. O selvagem usa os
números, mas não chegou ao conceito abstrato. O defensor do fiat
money
se esqueceu de como usar os números.
Financistas
e autoridades do Tesouro Britânico da época de Sir Isaac Newton
perguntaram a ele por que a libra monetária tinha de ser uma
quantidade fixa de metal precioso. Por que, na verdade, devia
consistir de metal precioso, ou ter qualquer realidade objetiva? Uma
vez que o papel-moeda já era aceito, por que não se emitirem notas
que nunca seriam resgatadas? A razão pela qual a pergunta foi feita
fornece a resposta; o governo estava altamente endividado e esperava
encontrar uma maneira segura de ser desonesto. Mas Newton foi
questionado como matemático, não como filósofo moral. Ele
respondeu: “Cavalheiros, na matemática aplicada, é
necessário descrever a unidade.”
Papel-moeda não pode ser descrito matematicamente como dinheiro. Um
dólar é uma determinada massa de ouro; isso é uma descrição
matemática, por medição (massa). Um pedaço de papel com certas
dimensões (comprimento, largura e espessura ou, em vez disso, massa)
é um dólar? É claro que não. Um pedaço de papel de tamanho
definido, mesmo com numerais e palavras de certo tamanho estampadas
com uma dada quantidade de tinta, é um dólar? Não.
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Moeda de ouro austríaca de 1915. |
Aceitaram
a palavra de Newton, possivelmente admitindo que o maior matemático
de seu tempo devesse conhecer os fundamentos de sua ciência. Mas o
fato de que aqueles homens educados ignoravam a primeira regra pela
qual conduziam seu próprio negócio, comércio e finanças, e o fato
adicional de que a resposta de Newton foi esquecida tantas vezes
desde então, apesar das consequências desastrosas que isso trouxe a
cada vez, indicam um gravíssimo problema na civilização.
A
matemática é o idioma mundial da era da energia. Seu uso se estende
muito além do uso do latim na Idade Média; além de expressar
relações internacionais, também é o instrumento do pensamento
prático e da comunicação na vida diária. Qualquer um que opere
máquinas tem de pensar em relações matemáticas — tempo,
velocidade, distância. Os homens que organizam e executam as tarefas
práticas que fazem a civilização moderna funcionar — sejam
motoristas de caminhão ou aviadores, mecânicos na linha de
montagem, engenheiros ou gerentes industriais — pensam corretamente
na linguagem prática da civilização moderna enquanto estão
trabalhando. Se, com relação a seu trabalho, regredissem por um dia
ao nível primitivo de inteligência, ao final desse dia o país
inteiro seria um cenário de destroços.
Mas,
se aqueles a quem foi confiada a direção geral e a organização
política de um vasto sistema que depende completamente do
conhecimento correto e do uso da linguagem matemática realmente não
sabem, ou não entendem, a afirmação mais elementar nessa
linguagem, como pode o sistema funcionar? Se os políticos e os
financistas não acreditarem nem na lógica nem nas evidências de
uma regra tão primária quanto dois mais dois são quatro, o que irá
convencê-los?
A
linguagem verbal de uma civilização avançada também é um
instrumento de precisão. Quando as palavras são usadas sem
definição exata, não pode haver comunicação além do nível
primitivo. Se aqueles que supostamente expressam ou influenciam a
“opinião pública”, os escritores, economistas, sociólogos e
pedagogos, usam os conceitos da selvageria para pensar, qual pode ser
o resultado?
O
que é mais espantoso é que, quando os inimigos da civilização
declararam abertamente sua intenção de destruí-la, de por em
colapso o circuito de alta energia da Sociedade de Contrato, e
explicaram como pretendiam fazê-lo, aqueles que serão destruídos
executaram deliberadamente o programa de ruína. A ameaça explícita
foi citada por John Maynard Keynes:
“Lenin estava certo. Não existe um meio mais sutil e eficaz de
subverter a base existente da sociedade que perverter a moeda. O
processo leva todas as forças escondidas das leis econômicas para o
lado da destruição.”
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Moedas de ouro búlgaras, cunhadas em 1912. |
Os
requisitos de uma moeda confiável são simples. Se cinco maçãs são
trocadas por uma libra de queijo e o queijo por duas jardas de
algodão e o algodão por dois galões de batatas e as batatas por
duas horas de trabalho, por qual medida comum podemos computar esses
itens diversos? Cada um deles vale o mesmo que qualquer outro e todos
juntos valem cinco vezes o que vale cada um; mas não significa nada
dizer que cada um vale um ou que todos juntos valem cinco. Um o quê?
Cinco o quê? Coisas que são iguais a uma mesma coisa são iguais
entre si. Como os itens podem ser trocados entre si, devem ser
iguais; mas em que termos? Não em libras, jardas ou horas; são
iguais em valor. Então, o que se deseja é uma unidade de valor para
computá-los. Qualquer desses itens poderia ser escolhido como
unidade de valor, se a sequência de transações fosse considerada
encerrada no ato. Mas são bens perecíveis e foram considerados como
quantidades fixas. O comércio comum precisa continuar numa sequência
infinita através do tempo e da distância, incluir quantidades
variáveis de matérias-primas existentes na natureza, o trabalho
aplicado a elas e o uso final, consumo ou posse inativa.
Portanto,
o que se deseja é um meio de troca, algo pelo qual tudo o mais possa
ser trocado, de maneira que participe de todas as transações como a
unidade de valor, e sirva para um número indeterminado de
transações, um uso infinito. Se a libra de queijo tivesse sido
trocada por certa massa de metal precioso, um dólar, e o dólar por
duas jardas de tecido e, então, novamente, por dois galões de
batatas e, novamente, por duas horas de trabalho e, outra vez, por
cinco maçãs, cada item valeria um dólar e todos juntos valeriam
cinco dólares. Se todos os bens fossem consumidos, o dólar
permaneceria, para dar continuidade à sequência de trocas. Além
disso, se um homem que possuísse bens perecíveis, digamos maçãs,
não quisesse nenhum outro bem imediatamente, poderia trocar suas
maçãs por dinheiro, e o dinheiro manteria o valor, permitindo que
ele comprasse uma saca de farinha no ano seguinte; embora o trigo que
se transformou na farinha ainda não tivesse sido plantado quando o
homem vendeu as maçãs. É esse o uso do dinheiro. Facilita a troca
imediata; é um repositório de valor; e permite que trocas sejam
feitas através do tempo no longo circuito de energia.
O
uso das coisas depende de suas qualidades intrínsecas. Queijo é
comestível. Couro é usado para sapatos porque é maleável,
resistente e durável. Portanto, o material a ser usado como dinheiro
deve ser durável, divisível, incorruptível, fácil de levar,
difícil de imitar e encontrado na natureza em quantidade suficiente,
porém limitada. Somente os metais preciosos atendem a esses
requisitos intrínsecos. Nunca existe “dinheiro suficiente” na
Sociedade de Status. A economia livre produz seu dinheiro assim como
produz aço, indo a campo e procurando, desenterrando o minério do
chão. Não é por acaso que a oferta de dinheiro real aumentou
conforme aumentou a produção de bens; os métodos avançados de
produção permitiram que o metal fosse obtido com lucro a partir do
minério bruto de baixo valor. De qualquer maneira, a quantidade de
ouro disponível é sempre limitada.
O
valor do ouro não foi nem é estabelecido por fiat,
da mesma maneira que o valor do queijo, ou do algodão ou do couro
não foram determinados por fiat.
Se uma moeda de ouro da República Romana fosse desenterrada hoje,
teria seu valor original mantido, embora a República Romana tenha
perecido há dois mil anos. O mesmo para um rublo de ouro russo
cunhado pelos czares ou uma moeda de ouro da Alemanha ou da França
datadas de antes de 1914, embora o último czar tenha sido fuzilado
num porão, o último imperador alemão tenha fugido do país e
morrido no exílio e a França tenha sofrido invasão e conquista.
Mas o papel-moeda da Rússia, da Alemanha ou da França de antes de
1914 hoje é inútil.
Um
dólar é uma quantidade determinada de ouro. Não é questão de
opinião; é assim por definição e por lei, estatuto federal. Todo
o ouro mantido pelo governo pertence por direito e por lei aos
cidadãos individuais, que o colocaram lá como depósito
originalmente; assim como o dinheiro numa conta bancária privada
pertence ao depositante. Uma cédula de dólar é um certificado de
depósito, um recibo de armazém dado em troca de um dólar. O valor
está no metal depositado, assim como o valor indicado em qualquer
recibo de armazém é expresso nos bens que ele registra. Se os bens
não existem, ou são destruídos, ou não serão entregues, o papel
não tem valor. Foi o que aconteceu na Alemanha quando o papel-moeda
era impresso embora não houvesse ouro para resgatá-lo; e uma
carroça cheia de papel-moeda não era suficiente para comprar um
ovo. Cheques também não são dinheiro; são promessas de pagamento
em dinheiro. Se assim não fosse, qualquer um poderia fazer um cheque
e obter bens em troca de nada.
Se
alguém disser que qualquer coisa serve como dinheiro, desde que as
pessoas aceitem, vamos perguntar por que as pessoas não aceitam
“qualquer coisa”? Ofereça ao homem que diz “qualquer coisa
serve como dinheiro” um punhado de pedrinhas em pagamento de uma
dívida.
A
necessidade absoluta de dinheiro real, com sua unidade em metal
precioso, para qualquer sequência extensa de trocas, foi provada
exatamente pelos teóricos que afirmaram que isso é mera convenção
e pela nação cujos agentes ainda divulgam propaganda, para
convencer outras nações que ela deseja destruir, de que uma “moeda
gerenciada”, que consiste unicamente em papel pintado, é tão boa
quanto o dinheiro real ou até melhor que ele. Os comunistas e outros
defensores da propriedade governamental alegaram, por mais de um
século, que vales-trabalho seriam o meio de trocas “justo” e que
o dinheiro real era um dispositivo capitalista para explorar os
trabalhadores. Então, experimentaram seu próprio plano na Rússia
comunista e não conseguiram fazê-lo funcionar nem mesmo usando o
terror e a fome. Não porque o povo não aceitasse os
“vales-trabalho”; os pobres coitados foram obrigados a
aceitá-los; simplesmente, não é possível fazer a aplicação
necessária da aritmética aos bens e ao trabalho sem dinheiro real.
Na
matemática aplicada, é necessário descrever a unidade.
A Rússia comunista teve de voltar à unidade ouro.
Por
que nem mesmo o trabalho escravo e a transferência forçada de bens
podem ser executados com vales-trabalho no lugar de dinheiro real?
Basta seguir as transações até o final para descobrir por quê. Na
verdade, se um único dono de escravos possuísse terra com recursos
naturais para suprir todas as necessidades e escravos para realizar
todo o trabalho de produção, poderia distribuir os escravos como
quisesse, mas não precisaria de vales-trabalho. Mas suponhamos que
dez homens, escravos ou livres, devam trabalhar para cultivar trigo
em determinado campo. É perfeitamente possível dividir o produto
pelos vales correspondentes ao número de horas de trabalho. Então,
suponhamos que outros dez homens trabalhem no campo ao lado,
cultivando beterrabas; a mesma divisão pode ser feita. E uma porção
de uma hora-trabalho de trigo poderia ser trocada por uma porção de
uma hora-trabalho de beterrabas. Mas a quantidade de trigo ou
beterrabas que um vale de uma hora-trabalho representa foi
estabelecida apenas para produtos determinados em campos determinados
naquela safra. Em outros campos, beterrabas ou trigo cultivados por
outros grupos resultariam em diferentes quantidades por
hora-trabalho. Além disso, quando o trigo fosse para o moinho ou as
beterrabas para a fábrica de açúcar, mais horas de trabalho teriam
de ser incluídas, sem contar as horas de trabalho representadas pelo
maquinário. Então, qual a quantidade de bens que um vale de uma
hora-trabalho poderia representar? O plano inteiro é impossível.
Somente um coletivista poderia ser tão idiota para imaginar um
sistema assim. Na
matemática aplicada, é necessário descrever a unidade.
Com uma unidade de valor de ouro, horas de trabalho e material e
depreciação do maquinário e tudo que faz parte do processo inteiro
podem ser calculados por uma medida comum; e devem
ser calculados de alguma maneira, para permitir que qualquer coisa
seja levada do campo para a fábrica e dali para a loja; assim, os
preços dos bens mostrarão o que pode ser comprado por qualquer
quantia em dinheiro determinada.
Mas
se o papel-moeda não é realmente resgatado quando solicitado em
dinheiro real (ouro), se o cidadão não tem como recuperar a posse
de sua propriedade quando apresenta o certificado de depósito,
porque os ocupantes imediatos dos cargos políticos, membros do
governo, se recusam a obedecer à lei (como têm se recusado), então
que diferença faz se o ouro realmente existe ou não? Que diferença
faria se todo o ouro do mundo desaparecesse completamente, se
dissolvesse no ar, ou fosse afundado em um ponto desconhecido no meio
do oceano? Ou, se só existisse um dólar de ouro para ser descrito
como a unidade de trocas, isso não serviria?
Existe
nessa pergunta — que tem sido feita por gente que não deveria cair
nesse truque — uma premissa implícita de que o confisco e
sequestro do ouro pelos governos não faz ou não precisa “fazer
diferença nenhuma”. Se isso é verdade, porque os governos
confiscam o ouro? A menos que essa ação seja atribuída a um tipo
de estupidez criminosa, semelhante a de desocupados de rua que roubam
coisas aleatoriamente, obviamente isso deve fazer diferença.
Provavelmente,
a maioria das pessoas não percebe a diferença entre suspender
temporariamente o pagamento do ouro e confiscar o ouro; embora a
diferença seja a mesma entre um banco suspender seus pagamentos e um
banqueiro tirar do bolso de um depositante o que sobrou lá depois
que o banco quebrou. Quando o dinheiro é depositado em um banco,
existe o risco contingente de que o banco não consiga pagar
imediatamente quando solicitado. Isso é moratória. O banco possui
ativos que podem ser vendidos para pagar os depositantes. O cidadão
que possui uma nota de dólar tem dinheiro real depositado no
governo. Alguém levou minério de ouro à Casa da Moeda; por lei,
ele tem o direito de receber moedas na mesma quantidade menos uma
pequena porcentagem correspondente ao custo de cunhagem. Mas em vez
de levar o dólar real, alguém aceitou um certificado de depósito.
O governo nunca foi dono de ouro nenhum; recebeu permissão de
guardá-lo até que fosse solicitado. Como o governo também toma
emprestadas grandes quantias em títulos e gasta o dinheiro, se
muitas pessoas quiserem seu dinheiro de volta ao mesmo tempo, o
governo não será capaz de pagar; estará em moratória. O governo
não possui ativos para cobrir suas dívidas; a propriedade
governamental não renderia muito dinheiro se fosse vendida, porque
não é produtiva; e, além disso, o credor não tem como solicitar o
pagamento ao sacador ou endossante. A contingência da suspensão dos
pagamentos em ouro pelo governo é inevitável enquanto for permitido
aos governos emitir papel-moeda e tomar dinheiro emprestado. São
poderes intrinsecamente perigosos; mas há duvidas de que essa
questão ainda será analisada de maneira inteligente; ou, pelo
menos, isso só vai acontecer enquanto os homens aprenderem a pensar
de maneira mais corajosa. No presente, considera-se como um fato que
os governos devem ter esses poderes, assim como antigamente se
considerava que os reis e os nobres deviam ter certos poderes que
foram abolidos nas repúblicas. Seja como for, se os governos
confiscam o ouro, isso faz diferença imediatamente. A existência
desse monopólio do ouro, mantido à força, é o que tornou
inevitável a Segunda Guerra Mundial. Ele permite que governos como o
da Alemanha e o da Rússia subvertam a economia privada,
transformando-a numa máquina de guerra e deixando impotentes os
cidadãos. O método pelo qual o objetivo clandestino é alcançado é
uma abstração permanente do valor do dinheiro e um aumento da
dívida nacional por meio de empréstimos bancários.
Outra
vez, que diferença faz se o ouro existe ou não, uma vez que foi
expropriado pelo governo?
Tomemos
os governos como testemunhas. Mesmo na Rússia, quando os comunistas
diziam que o ouro era mera convenção e que não o usariam, tomaram
o cuidado de confiscar o ouro mesmo assim. O pretexto oferecido pelos
teóricos do papel-moeda é que as pessoas simplesmente estão
acostumadas ao ouro e insistem em usá-lo apenas por hábito;
portanto, é necessário tomá-lo das pessoas para o bem delas. É
claro que nenhum governo conseguiria tomar posse de todo o ouro do
mundo, afundá-lo no mar e fechar todas as minas de ouro; mas um
governo conseguiria proibir o ouro, afundar todo o ouro que houvesse
no país e impedir a entrada de mais. Seria muito mais fácil fazer
isso que proibir o álcool, porque o ouro não pode ser fabricado.
Por que o governo guarda o ouro, depois de tê-lo tomado à força de
seus proprietários?
Porque
o dinheiro de verdade é indispensável; os valores de troca, os
preços, são estabelecidos pela quantidade total de ouro existente.
De maneira aproximada, se houvesse em uma troca cinquenta libras de
açúcar e dez libras de manteiga, cinco libras de açúcar seriam
dadas em troca de uma libra de manteiga; uma quantidade dividida pela
outra. Como o ouro é o meio de troca, as quantidades de bens são
divididas pela quantidade de ouro (dólares), para encontrar o preço.
O processo no comércio geral é imensamente complicado pelos
diversos tipos de bens, a oferta e a demanda variáveis, as
distâncias que acrescentam custo de transporte, e as trocas
assíncronas; mas a quantidade total de ouro é sempre o determinante
dos preços, pela comparação de quantidades. Se só existisse um
único dólar de ouro, ele não poderia ser usado como a unidade de
valor, porque não haveria um número para ser o divisor. Quantas
notas de papel deveriam ser impressas? Uma? Uma quantidade ilimitada?
Não haveria um número adequado. Se os sonhos antigos dos
alquimistas fossem realizados, de maneira que o ouro pudesse ser
fabricado em quantidade ilimitada, ele também teria se tornado
inútil como meio de trocas.
Houve
uma vez um governo que realmente proibiu o ouro e não guardou nenhum
metal consigo, na crença de que o ouro era ruim para o povo. Foi o
governo de Esparta. Mas os espartanos acreditavam que conforto,
conveniência e atividade eram ruins e que o trabalho era ignóbil.
Os espartanos usavam o ferro como moeda, porque ninguém seria capaz
de carregar uma quantidade suficiente de ferro para o comércio
geral. A intenção era manter a nação pobre, manter os cidadãos
no nível da economia de subsistência. O plano foi um completo
sucesso. É exatamente o que a proibição do ouro produz; reduz a
nação a um nível paralisado de pobreza e a mantém nessa condição.
Mas os governantes de Esparta também desejavam permanecer pobres
eles mesmos. Não usufruíam mais luxo que qualquer outro espartano;
não mais que os próprios escravos que faziam o trabalho. Mas, mesmo
em Esparta, onde a comida era distribuída pelo governo num sopão
geral, alguma
coisa
precisou ser usada como dinheiro e esse material teve de ter valor
intrínseco.
Os
déspotas modernos não desejam ser eles mesmos pobres. Desejam
arrebatar todo o luxo que uma economia industrial pode fornecer. O
que desejam é manter pobres os produtores, tomando deles o produto e
distribuindo de volta uma pequena parcela para subsistência. É por
isso que os governos confiscam e guardam o ouro.
Quando
o papel-moeda é desvalorizado, a diferença tem de vir de algum
lugar; e o principal corte é nos salários. O fato é que qualquer
gasto governamental pesado tem de ser tomado do salário dos
trabalhadores; não há outra fonte possível. Mas a desvalorização
da moeda sai dos salários imediatamente; seja o que for que um
trabalhador recebe em seu envelope de pagamento, esse valor
simplesmente vai comprar muito menos bens. De maneira recíproca, o
aumento da produção eleva os salários mesmo que o valor em
dinheiro seja o mesmo; ele vai comprar mais.
Além
da perda imediata, o trabalhador deixa de ter um repositório
de valor.
Não importa o quanto ele ganhe, não conseguirá economizar uma
parte para o futuro, se o dinheiro estiver em papel-moeda que se
desvaloriza. O dinheiro real é o único meio pelo qual o trabalhador
pode ter alguma independência. É por isso que faz diferença os
governos confiscarem o ouro. Isso torna o trabalhador impotente. Ele
só pode viver com o que ganha no momento, com a expectativa de
ganhar cada vez menos, conforme passa o tempo. Em nenhum lugar do
mundo, nenhum trabalhador ficou em melhor situação depois que o
governo confiscou o dinheiro real. Isso é verdade até para os
trabalhadores de alta renda nos Estados Unidos; se o trabalhador
possui bens, eles estão se desvalorizando — seu carro, por exemplo
— e ele não sabe quando ou como poderá comprar outro. Se ele tem
um seguro, não sabe que quantia será efetivamente paga por ele.
Numa
economia de livre iniciativa, os produtos colocados inicialmente no
mercado como artigos de luxo tendem continuamente a chegar ao alcance
de todos e passam então a ser considerados necessidades. Esse é um
benefício da existência de fortunas privadas consideráveis, que
devem ser investidas para gerar receitas, o que significa aumentar a
produção. A margem restante será gasta em coisas inventadas
recentemente que ainda são caras, mas capazes de ser melhoradas e
produzidas a um custo menor. O processo completo é mais evidente no
caso do desenvolvimento dos automóveis de uso geral. Contada em
detalhes, a história tem elementos de comédia. Primeiramente,
vários inventores e engenheiros montaram um aparelho grande e
desajeitado que ninguém iria querer, a não ser para satisfazer seu
interesse pela mecânica. Então, o automóvel foi “aperfeiçoado”
e se transformou num artigo de luxo; ou seja, ainda era caro,
inconveniente e sem utilidade prática, porque não havia estradas
adequadas, postos de combustível ou oficinas mecânicas; o carro
tinha grandes chances de deixar seu dono na mão a uma grande
distância de casa, sendo ridicularizado. Esses eram carros para
diversão! Compradores ricos pagavam pelo período de experimentação,
primeiro entrando com o capital (do qual uma parcela enorme sumia sem
retorno), e então comprando os carros. Em seguida, vários homens
inventivos pensaram que podiam fazer carros mais baratos. Nesse
processo, aqueles que investiam tempo e dinheiro eram impelidos a
continuar, na esperança de conseguir retorno. Assim, os ricos
apoiaram a indústria nascente, até que os carros fossem
suficientemente bons para pessoas de renda moderada. Quando o carro
barato passou a ser produzido em massa, o fabricante percebeu que
teria de ter um grande mercado correspondente. Para o trabalhador
comprar um carro, os salários deveriam ser maiores. O fabricante
aumentou o salário voluntariamente, e assim forçou outros
empregadores a fazer o mesmo. Onde, nessa sequência, algum governo
poderia provocar o mesmo estímulo? Em lugar nenhum. Mas que isso, se
a moeda tivesse sido desvalorizada naquele período, o processo teria
parado, porque o aumento nos salários reais era necessário, em
conjunto com a redução de custos materiais. Num dado momento, a
maior parte do capital do fabricante de uma indústria em crescimento
é a sua matéria-prima; se ele não puder repor o estoque pelo mesmo
custo, terá de elevar o preço do produto. Ao mesmo tempo, se o
custo aumenta pela desvalorização da moeda, os salários reais
caem, e o mercado acaba; ninguém tem dinheiro para comprar o
produto. A produção tem de parar.
Mas
a mais perigosa falácia envolvendo dinheiro apresentada recentemente
pretende encontrar um argumento válido no jogo de guerra alemão.
Foi expressa de diversas maneiras, mas a formulação a seguir
engloba todos os pontos relevantes.
Ela
diz que a Alemanha está “vencendo a guerra porque luta usando uma
economia industrial e de engenharia”, enquanto os Aliados “lutam
usando uma economia financeira”.
Também diz que “Thorstein Veblen
sabia tudo sobre” essa economia e que “na Alemanha, Walther
Rathenau
tentou colocá-la em prática” primeiro. Chamam esse processo de
“tirar o pesado pé financeiro dos freios e deixar o maquinário
produtivo funcionar livremente… Máquinas libertadas sempre
vencerão o dinheiro libertado.”
O
nível mental de selvageria é mais uma vez evidente pelos termos
usados: são animistas. Um selvagem poderia, ao ver uma máquina
motorizada, pensar que fosse um tipo de gênio em uma garrafa, uma
criatura escravizada. Mas a ideia não tem sentido. Uma máquina não
pode nem ser escravizada, nem libertada; esses termos se aplicam
apenas a seres humanos. É verdade, entretanto, que Rathenau fez tudo
o que pôde para organizar a Alemanha, de maneira que ela fosse
obrigada a ir à guerra, querendo ou não. (Rathenau pensava que
somente o governo deveria ter tanto poder. O poder que ele ajudou a
dar ao governo expropriou, exilou e matou judeus na Alemanha; eles
devem seu infortúnio, em grande parte, a alguém de sua própria
raça. É pouco provável que esse fato seja reconhecido algum dia.)
Mas
de que tipo de economia a Alemanha de fato está vivendo?
Todos
os recursos que a Alemanha usa na guerra foram produzidos por uma
economia financeira. O maquinário foi inventado numa economia
financeira; a Alemanha foi equipada com fábricas, a ciência da
Química foi desenvolvida, técnicos foram treinados por uma economia
financeira. Enquanto se preparava para a guerra, a Alemanha pegou
emprestado todo o dinheiro que pôde, comprou a crédito todos os
bens que pôde e não pagou. Esses recursos foram roubados das
economias financeiras. A ação dos governos estrangeiros foi o que
permitiu que a Alemanha roubasse em tão grande escala. Por três
anos seguidos, a Alemanha “comprou” a produção anual de lã da
África do Sul, pela intervenção do governo sul-africano que
“financiou” o negócio; a lã se transformou em uniformes para o
exército alemão; e a Alemanha nunca pagou. Foi um prejuízo
completo para os produtores que acharam que o governo estava
patrocinando um bom negócio para eles!
Os
nazistas assumiram o controle de uma economia que possuía
agricultura e indústria, ambas usando maquinário e dinheiro. O
governo comunista na Rússia fez o mesmo. Além disso, na Rússia,
todo o maquinário moderno havia sido fornecido por economias
financeiras estrangeiras e pago (até quando foi pago) em ouro. Em
ambas, Alemanha e Rússia, dinheiro real ainda é usado; e ambos os
lados combatem usando a produção de uma economia financeira. Que
tipo de economia eles criaram?
Se
um bandido rende o dono de um automóvel ameaçando-o com um
revólver, leva o carro e sai dirigindo, e então consegue gasolina,
manutenção e o que mais precisar pelos mesmos meios, de que tipo de
economia ele está vivendo? Se um número suficiente de bandidos
tomasse a economia inteira da mesma maneira, mas “legalizasse”
esse ato chantageando tribunais e legislaturas; e se também
“pagassem” pelo que tomaram em papel-moeda, na quantia que
quisessem, que tipo de economia isso seria?
Em
uma usina elétrica, existe um gerador e outros equipamentos para a
conversão e transmissão de energia. Pode ser uma hidrelétrica ou
uma termoelétrica; no segundo caso, o fornecimento de combustível
deve ser contínuo e, em qualquer caso, existe a manutenção.
Conforme a energia é utilizada, o medidor registra para onde ela
vai. Os consumidores pagam por ela; e o dinheiro traz de volta os
suprimentos necessários; os valores em dinheiro também são uma
métrica. Um selvagem, observando que as operações são executadas
com a preocupação constante com esses dois registros, poderia
dizer: Por que vocês não tiram os medidores e param de se preocupar
com o dinheiro? Assim vocês poderiam usar toda a energia que
quisessem. Liberem o gênio da garrafa, em vez de pará-lo como vocês
fazem, aqui e ali; tudo está preso.
Uma
pessoa desonesta poderia introduzir fios ocultos para roubar parte da
corrente sem indicação do medidor; ou poderia fazer lançamentos
falsos nas contas financeiras.
Que
tipo de economia seria esse?
Uma
economia industrial e de engenharia é uma economia financeira. Não
pode funcionar de outra maneira. Um bandido obviamente pode dirigir
um carro roubado por algum tempo, mas isso não significa que ele
desenvolveu uma economia de engenharia. Ele está vivendo de uma
parte roubada do capital de uma economia industrial, de engenharia e
financeira. A Alemanha está vivendo do capital roubado do exterior,
e do capital da Europa, saqueado pela força militar. A Rússia está
vivendo do capital confiscado da indústria que existia quando os
comunistas tomaram o poder e do maquinário fornecido por economias
livres no exterior, particularmente os Estados Unidos. Parte dele foi
paga em dinheiro; parte foi simplesmente dada à Rússia, à custa da
economia livre.
Quando
os índios conseguiam armas de fogo com os homens brancos e usavam
essas armas para conseguir comida caçando, de que tipo de economia
eles viviam? Quando os militares turcos confiscaram os lucros dos
comerciantes e o produto dos fazendeiros conquistados para usá-los
na guerra, de que tipo de economia estavam vivendo? Seria uma
economia militar? É claro que não. Era uma economia agrícola e
comercial. Eles usaram os lucros para a guerra e por algum tempo
foram vitoriosos; mas estavam consumindo o capital e a economia
decaiu.
A
ideia de Veblen, como citado, era que “a associação de
engenheiros, apoiada pelas legiões concentradas e calejadas dos
trabalhadores da indústria, deveria proibir a propriedade privada do
maquinário de produção e fazê-lo funcionar em sua capacidade
máxima”.
Como?
Eles assumiriam o controle das máquinas existentes? Mas por que eles
deveriam fazer isso? Máquinas existentes tem vida curta. Teriam de
ser substituídas em pouco tempo. Se pudessem ser substituídas —
novas máquinas construídas — sem preocupação com o dinheiro,
qual a vantagem de roubar máquinas usadas? Por que os “engenheiros
e as legiões concentradas e calejadas” não fariam o que
precisassem — sem dinheiro? Não existe moto perpétuo; eles
precisariam dar a partida. Depois disso, é claro que tudo
continuaria funcionando. O que é mais curioso é que mesmo que esse
absurdo seja admitido, não há dúvida de que o plano poderia ser
iniciado com uma pequena quantia de dinheiro. Henry Ford tinha muito
pouco dinheiro quando começou. Será que a “associação de
engenheiros e legiões concentradas e calejadas” juntos não seria
mais esperta que um único mecânico de meia idade, numa cidadezinha
de Michigan?
A
verdade é que não são. Nenhum grupo é tão inteligente quanto um
indivíduo. Nenhum grupo, enquanto grupo, tem inteligência nenhuma;
toda a inteligência está nos indivíduos.
E
o dinheiro é o meio pelo qual a inteligência dos indivíduos pode
ser reunida em livre cooperação, em grandes empresas produtivas. O
dinheiro é o único meio pelo qual as máquinas podem ser inventadas
ou usadas. O que os engenheiros e operários podem conseguir sob a
propriedade estatal (que é a única maneira de proibir a propriedade
privada) é construir as pirâmides, pesadas e inúteis massas de
rocha empilhadas como memorial dos Veblens de uma era antiga.
Heródoto conta, centenas de anos mais tarde, que “os egípcios
detestavam tanto a memória daqueles reis (construtores das
pirâmides) que não gostavam nem mesmo de mencionar seus nomes”.
Mesmo
antes da rendição completa da Alemanha ao poder do governo,
técnicos e engenheiros alemães não conseguiam se igualar a seus
colegas nos Estados Unidos na pesquisa e desenvolvimento de recursos
naturais. (Os Estados Unidos eram a grande economia financeira do
mundo, com terras e bens no mercado.) Propriedade privada, dinheiro,
liberdade, engenharia e indústria formam um único sistema; são os
componentes de um longo circuito de alto potencial de energia. E
quando um elemento é retirado, o restante necessariamente desmorona,
para de funcionar.
A propriedade em direitos autorais se refere a objetos tangíveis,
reproduções; com os direitos autorais de uma música, o direito
também se efetiva quando essa música é tocada em troca de
remuneração, sendo a remuneração tangível. (N. da A.)