Trecho de As Idéias Conservadoras, de João Pereira Coutinho:
«O tempo atual não foi brando com certos termos da gramática conservadora — e “preconceito” é um deles. Ter “preconceitos” é hoje o supremo crime, sobretudo quando a “filosofia da vaidade” — o epíteto com que Burke brinda o sentimentalismo de Rousseau — aconselha os homens a se apresentarem sem preconceitos, num estado de pureza original que provavelmente só existiria no tempo das cavernas. Ironicamente, essa é uma hipótese que coloca os mais radicais progressistas no mesmo patamar a-histórico dos mais radicais reacionários.
Acontece que os “preconceitos” que interessam a um conservador não podem ser entendidos, ou confundidos, com meras idéias irracionais sobre determinados comportamentos, minorias ou indivíduos — o sentido atual e rasteiro do termo. Se todas as palavras também têm uma tradição, importa recordar que “preconceito” deve ser entendido no sentido clássico, ou seja como praejudicium — um precedente ou um julgamento baseado em decisões ou experiências passadas que, pela sua validade comprovada, informam decisões ou experiências presentes e futuras. Será essa dimensão de “preconceito” que interessa a um conservador: o tempo trouxe até ele princípios ou instituições que sobreviveram aos “testes do tempo”; essa sobrevivência cria uma razão favorável à manutenção e conservação de tais princípios ou instituições. E será a eles que devemos recorrer como se recorre a ensinamentos válidos e testados. Ou, melhor dizendo, válidos porque testados.»
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