XI
Só
uma vez um grande número de americanos quis distribuir riqueza e
eles não pretendiam elevar o padrão de vida. O padrão de vida já
tinha se elevado demais e caído deploravelmente demais. Eles queriam
retornar à prosperidade da década de 1880.
Aconteceu
há quarenta anos. Lembro-me bem. Tempos difíceis terminaram de vez
com uma época de enorme expansão nas finanças, invenções e
riqueza. Na memória de meus pais, que não eram velhos, as condições
de vida tinham sido completamente transformadas.
A
lâmpada de querosene tinha substituído as velas e o trabalho de
produzi-las; a roda de fiar havia desaparecido, o tear então só era
usado para fazer tapetes de pano. Roupas feitas a máquina, sapatos
feitos a máquina, vassouras industrializadas haviam jogado homens no
desemprego, mas junto com o sabão industrializado e o fermento em
pó, revolucionaram as tarefas domésticas. Pregos, arame farpado,
arados puxados por cavalos, colheitadeiras, enfardadeiras,
debulhadores de oito cavalos facilitaram o trabalho no campo – mais
que em qualquer outro país.
Estradas
de ferro iam de costa a costa, o serviço postal era rápido e
barato, as salas de estar tinham aquecedores, o telégrafo havia
chegado a quase todos os lugares. Naqueles bons tempos, os negócios
fervilhavam. Na Quinta Avenida, subiam os palácios iluminados a gás
dos – quase incrível, mas verdade – milionários. No Meio Oeste,
as mulheres usavam vestidos de seda aos domingos; os homens fumavam
bons charutos e dirigiam rápidas carruagens. Então, de repente,
crash!
o Pânico.
Alguns
culparam as tarifas, a maioria culpou as estradas de ferro. (Em
plebiscitos em 1860, a maioria aprovou subsídios para as estradas de
ferro. Teria sido melhor para elas se não tivessem auxílio do
governo; a partir de 1890, eram amargamente odiadas porque eram
subsidiadas. O ódio durou até que essas inimigas do povo fossem
refreadas, reguladas e controladas pela Comissão de Comércio
Interestadual.)
Todos
tinham dívidas, é claro. Não houve tempo desde a fundação desta
república em que os americanos não estivessem profundamente
endividados. Hipotecas foram executadas, bancos faliram, fábricas
fecharam, os preços agrícolas mergulharam. Senhoras caridosas
organizaram sopas-dos-pobres nas cidades. Fazendeiros, depois que os
credores tomavam a vaca, ficavam vivendo de batatas e nabos até que
a hipoteca tomasse a fazenda.
Uma
população arrancada do solo movia-se pelas estradas em carroções
puxados por cavalos famintos. Grupos organizados de desempregados
urbanos aglomeravam-se gritando: – Somos de carne e osso! Exigimos
nosso direito de trabalhadores! – A polícia municipal e as
milícias tinham-nos expulsado das fábricas fechadas e das ruas das
cidades maiores. Eles aterrorizavam as cidades menores.
Do
Pacífico ao Mississipi, sequestravam trens, amontoavam-se nos vagões
e engajavam os maquinistas desempregados, convencendo-os a levar os
trens a plena velocidade para leste. O tráfego ficou completamente
confuso. Para o leste do Mississipi, os controladores de tráfego
tiraram de circulação todos os trens.
O exército de desempregados de Coxie marchava a pé do Mississipi
para Washington. Tropas federais protegiam os prédios públicos.
Está
tudo no arquivo dos velhos jornais, para aqueles que não têm uma
memória tão antiga. Eu estava num carroção e ouvia o que diziam
em volta das fogueiras, e eu me lembro.
Enquanto
isso, a maioria das famílias continuou vivendo de maneira não
dramática, como a maioria das famílias sempre faz em qualquer
lugar, em meio a depressões, inflação, revoluções e guerras.
Muito poucas pessoas morreram de fome. Alguém na América sempre
divide o alimento com quem precisa dele desesperadamente. Pode ser
que a bondade americana tenha-se originado do sentido de insegurança
de cada americano.
Mas
a inanição, ou mesmo a subnutrição geral daqueles anos, que
deixou tantas crianças passando fome, não é o pior que a pobreza
pode fazer com um povo individualista. Neste país, pobreza não é o
estado crônico de certas classes, a ser suportada como os animais
suportam o frio, como uma coisa física. Americanos normais sentem
uma responsabilidade individual, uma necessidade de pensar, agir,
realizar; uma pobreza da qual não se ache escapatória é uma agonia
para a mente e o espírito. Culpamos a nós mesmos, sentimos nosso
respeito próprio mortalmente ferido, sofremos.
Depois
de três anos de sofrimento, a maioria dos americanos sabia o que
queria. Eles queriam destruir os Trustes.
Os
Trustes eram os avós das atuais grandes corporações. Víamos os
Trustes como combinações para restringir o comércio. Os negócios
tinham ido bem durante a década de 1880; agora, estavam estagnados,
tinham parado; obviamente, alguma coisa os fez parar e todos os
nossos economistas brilhantes e populares viam que nosso inimigo eram
os Trustes. As estatísticas provavam isso, e nossa experiência
também, já que todos tinham prosperado quando os Trustes estavam se
formando e, agora que estavam solidamente estabelecidos, todos eram
pobres.
Todos
eram pobres, exceto os poucos donos dos Trustes. De fato, uns poucos
homens os possuíam e controlavam, já que os Trustes eram novos e o
desmanche da propriedade mal tinha começado. Esses poucos homens de
fato possuíam ou pareciam possuir quantias como um milhão de
dólares cada um. Numa palavra, tinham todo o dinheiro do país.
Não
havia mais terra disponível. Os fazendeiros não conseguiam ganhar o
suficiente para pagar os impostos. Não havia empregos; as fábricas
tinham fechado. E menos de 10 por cento da população possuía mais
de 90 por cento da riqueza. Mulheres ricas mimavam cachorrinhos,
enquanto crianças passavam fome. Alguma coisa tinha de ser feita.
Nós
gritávamos: “Abaixo os Trustes!” Nosso herói contra eles era o
orador jovem e eloquente de Platte, William Jennings Bryan.
William
Jennings Bryan saiu do oeste de maneira destemida para defender o
Homem Comum. Enfrentou as legiões entrincheiradas do egoísmo que só
pensavam em seus inchados sacos de dinheiro e as desafiou em nome do
sofrimento da Humanidade.
– Vocês
não vão empurrar sobre a fronte do Trabalho essa coroa de espinhos!
– ele trovejava. – Vocês não vão crucificar a humanidade numa
cruz de ouro!
Ele
era economista. Propunha restringir e controlar os Trustes pela livre
cunhagem de prata, numa taxa de 16:1 com relação ao ouro. Os
argumentos eram intricados e difíceis de entender, mas o coração
de Bryan estava no lugar certo e, com toda sinceridade, ele sangrava
pelo sofrimento do povo e pela situação arriscada do nosso país.
Foi
a mais dura batalha política na história desta república. As
massas do povo estavam furiosamente determinadas a destruir os
Trustes e é fato que a inflação da moeda os teria arruinado; teria
também, sem dúvida, destruído completamente o valor do dinheiro,
não importa de quem.
Os
homens ricos tinham real poder na época e, naturalmente, tentaram
defender seu dinheiro. Lutaram por ele de maneira aberta e dura; e
conseguiram salvá-lo por uma margem mínima. Derrotaram Bryan. As
multidões de americanos tinham feito seu único esforço para
distribuir riqueza e tinham fracassado.
Mesmo
assim, tanta riqueza foi criada e distribuída que hoje poucos
americanos pensariam em negar a ajuda de fundos públicos para
qualquer família destituída de alimentação adequada, vestuário,
abrigo, assistência médica e segurança financeira, como era o caso
da maioria das famílias americanas em 1896.
www.libertarianismo.org/index.php/biblioteca/234-rose-wilder-lane/1074-quero-liberdade
Marcelo
ResponderExcluirPrimeiramente, quero te agradecer por disponibilizar todo esse precioso material, e pelo fantástico trabalho de tradução.
Você pode me informar se esse episódio que ela narra como uma crise dos anos 1890 é este mesmo ao qual se refere o trecho do artigo “O sistema bancário de reservas fracionárias” (http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=311) do Instituto Mises do Brasil, transcrito a seguir?
“Os banqueiros de investimentos normalmente utilizavam seu próprio capital, ou o capital investido ou emprestado por terceiros, para financiar a aquisição de capital de grandes corporações. Eles faziam isso vendendo títulos a acionistas ou credores. O problema com os bancos de investimento é que um de seus principais campos de investimento passou a ser o financiamento de títulos do governo. Isso os mergulhou profundamente no mundo da política, dando-lhes um poderoso incentivo para pressionar e manipular governos para que estes aumentassem impostos, possibilitando assim o pagamento dos títulos governamentais em posse sua e de seus clientes. Donde advém toda a poderosa e perniciosa influência política desfrutada pelos bancos de investimento nos séculos XIX e XX: em particular os Rothschild, na Europa Ocidental, e Jay Cooke e os Morgan, nos EUA.
Já no final do século XIX, os Morgan tomaram a iniciativa de pressionar o governo dos EUA para que este cartelizasse as indústrias nas quais eles, os Morgan, estavam interessados - primeiro as ferrovias e depois as fábricas. A intenção era proteger esses setores da livre concorrência utilizando o poder do governo de modo que lhes possibilitasse restringir a produção e aumentar os preços. Em particular, os banqueiros de investimento haviam se tornado um grupo bastante ativo na busca pela cartelização dos bancos comerciais.”
Estas leituras vêm me fazendo mudar meus conceitos sobre o período da Revolução industrial, especialmente a versão prêt-à-porter de que os trabalhadores eram cruelmente explorados pelo capitalismo laissez-faire, etc. e tal, e que são empurradas para estudantes e operadores de direito como uma verdade absoluta.
Desde já agradeço sua atenção.
Stefan, desculpe por não ter respondido antes. O blog parou completamente durante o tempo que meu pai passou no hospital.
ExcluirAcho que é sim a mesma crise. Creio que houve mais de uma crise econômica séria no século XIX, mas não conheço tão bem a história desse período.
Obrigado pelo interesse em Rose Wilder Lane.
Abraços.