sábado, 16 de fevereiro de 2013

Quero Liberdade (cap. XIII), de Rose Wilder Lane

XIII

Olhamos demais para gráficos e estatísticas. Aprenderíamos mais olhando para a América.

Estranhamente, as estatísticas só aparecem em tempos de agitação e necessidade. Alguém poderia dizer que sua função é a das profecias de que o pior está por vir. Parecemos ter um gosto mórbido por elas, como o das crianças por histórias de fantasmas que arrepiam os cabelos. O ar da América não ficava tão cheio de estatísticas fragmentadas desde o Pânico de 1893.

Leio outra vez, por exemplo, que menos de 10 por cento da nossa população detém mais de 90 por cento da riqueza. Isso me alarmava em 1893.

Também leio que, há cem anos, 80 por cento da nossa população tinha propriedades e hoje essa taxa é de 23%. Se essa expropriação aconteceu, isso é alarmante. Mas para mim é muito mais alarmante que tantas mentes americanas aceitem essa afirmação como verdadeira, sem nenhuma outra prova exceto o fato de que a leram, e daí concluam: primeiro, que “alguma coisa tem de ser feita” e, segundo, que a coisa certa a fazer é tomar a propriedade dos indivíduos e fazer com que o Estado a administre. Estado, neste caso, significa governantes autocráticos dando ordens por meio de uma enorme burocracia.

Quando olho para a América, não vejo mais de três em cada quatro cidadãos destituídos de propriedade. O que vejo é que as formas de propriedade mudaram. Suspeito que, se qualquer estatístico treinado disser que quase quatro em cada cinco de nós não têm propriedades, ele estará falando de formas de propriedade conhecidas cem anos atrás como “propriedade real”.

Menos homens possuem fazendas porque a melhoria dos meios de transporte e o surgimento dos caminhões frigoríficos tornaram possível enviar boa comida para grandes populações nas cidades e porque a melhoria do maquinário agrícola tornou inevitável que as fazendas sejam maiores. Menos homens possuem casas porque muitos preferem alugar um apartamento. Quase todos os milhares de pequenas fábricas, tocadas pela família e um ou dois filhos de vizinhos, e quase todos os pequenos moinhos de água, que moíam milho e trigo e faziam papel, desapareceram. Nas correntes da América não mais existem pequenas fábricas de amido de batata, pequenas fábricas de biscoito e pequenas serrarias. Nas estatísticas, vai aparecer que a Grande Fábrica de Biscoito, com um dono, substituiu cinco mil donos de fabriquetas de biscoito.

Mesmo assim, quantos homens há cem anos possuíam seguros de vida? Ou participação numa building-and-loan association1? Ou ações da Grande Fábrica de Biscoitos? Ou um carro, um rádio, uma geladeira e uma máquina de escrever? O fato é que, nas estatísticas, eu mesma apareço como despossuída, quando minha renda anual tem cinco dígitos. E conheço uma dúzia de pessoas que pagam muito imposto de renda e não possuem nenhum tipo de “propriedade real”.

Olhando para a América, me pergunto também sobre a porcentagem estatística de americanos que vivem de algum jeito com uma renda abaixo da “linha de subsistência”.

Morei por alguns anos numa fazenda próxima a uma vila de 800 pessoas, numa região agrícola de baixa produtividade em Ozarks, do tipo conhecido tecnicamente como favelas rurais. Os americanos honrados e cheios de respeito próprio que moram naquelas casas de madeira limpas, aquecidas por fogões e iluminadas com querosene não fazem ideia de que moram em favelas. Vivem como seus pais viviam e gostam disso. Cada vez que põem a família no carro e vão até a Califórnia, o Texas ou Idaho, voltam dizendo que não existe lugar como seu lar.

Gostam de água fresca, fria, que sai borbulhando do meio das rochas, e de melancias geladas no regato. Gostam de caça à raposa, de tocar rabeca e de piqueniques. Há quarenta anos, não precisavam de “dinheiro em espécie” para nada, exceto para pagar impostos. Hoje, têm o que quiserem para comer e têm lugar para abrigar os parentes que perderam o emprego nas cidades e, embora sintam o aperto dos impostos, passam muito bem com muito poucos dólares por semana da venda de leite.

Na vila, não há sessenta pessoas que apareceriam nas estatísticas como acima da “linha de subsistência”. No condado inteiro, só oito pessoas tem renda maior que US$1.000,00 por ano e apresentam declaração de imposto de renda.

Mesmo assim, essa vila possui iluminação elétrica, sistema de água e esgoto, telefones, é claro, e uma rua principal asfaltada que brilha à noite com anúncios de neon. Frequentemente, assistíamos estreias de filmes antes de Nova York. Nosso salão de beleza tinha os mais modernos equipamentos para tratamento facial, manicure e cabeleireira.

Com menos de vinte exceções, as casas eram belas casinhas, bangalôs e chalés de pedra bem cuidados, com gramado e plantas ornamentais, água encanada, caixa de gelo2, telefone, rádio. Há várias geladeiras elétricas na vila e vários fogões elétricos, embora muitas mulheres ainda usem fogões a querosene. Quase todas as famílias têm carro. As lavanderias usam lavadoras elétricas. A maioria dos homens veste jardineira, exceto quando se arrumam para uma ocasião especial, mas não encontro roupas de tanto bom gosto ou tão elegantes quanto os vestidos baratos daquelas mulheres. Todas usam meias de seda, é claro.

Essa vila não é exceção. Se você andar pelas estradas vai passar por vilas como essa a cada trecho de poucas milhas. Grande parte da população delas está abaixo da linha estatística de subsistência.

Concluo desses fatos observados que deve haver milhões de homens e mulheres neste país que, no papel, parecem estar em extrema necessidade de reabilitação e que ficariam mortalmente ofendidos se alguém dissesse isso a eles.

1 Instituição financeira de pequeno porte, comum nos Estados Unidos. (NT)
2 Em inglês, ice box. Refrigerador não mecânico, compacto, que era um utensílio de cozinha comum antes do surgimento da geladeira elétrica. (NT)

www.libertarianismo.org/index.php/biblioteca/234-rose-wilder-lane/1074-quero-liberdade

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