XIII
Olhamos
demais para gráficos e estatísticas. Aprenderíamos mais olhando
para a América.
Estranhamente,
as estatísticas só aparecem em tempos de agitação e necessidade.
Alguém poderia dizer que sua função é a das profecias de que o
pior está por vir. Parecemos ter um gosto mórbido por elas, como o
das crianças por histórias de fantasmas que arrepiam os cabelos. O
ar da América não ficava tão cheio de estatísticas fragmentadas
desde o Pânico de 1893.
Leio
outra vez, por exemplo, que menos de 10 por cento da nossa população
detém mais de 90 por cento da riqueza. Isso me alarmava em 1893.
Também
leio que, há cem anos, 80 por cento da nossa população tinha
propriedades e hoje essa taxa é de 23%. Se essa expropriação
aconteceu, isso é alarmante. Mas para mim é muito mais alarmante
que tantas mentes americanas aceitem essa afirmação como
verdadeira, sem nenhuma outra prova exceto o fato de que a leram, e
daí concluam: primeiro, que “alguma coisa tem de ser feita” e,
segundo, que a coisa certa a fazer é tomar a propriedade dos
indivíduos e fazer com que o Estado a administre. Estado, neste
caso, significa governantes autocráticos dando ordens por meio de
uma enorme burocracia.
Quando
olho para a América, não vejo mais de três em cada quatro cidadãos
destituídos de propriedade. O que vejo é que as formas de
propriedade mudaram. Suspeito que, se qualquer estatístico treinado
disser que quase quatro em cada cinco de nós não têm propriedades,
ele estará falando de formas de propriedade conhecidas cem anos
atrás como “propriedade real”.
Menos
homens possuem fazendas porque a melhoria dos meios de transporte e o
surgimento dos caminhões frigoríficos tornaram possível enviar boa
comida para grandes populações nas cidades e porque a melhoria do
maquinário agrícola tornou inevitável que as fazendas sejam
maiores. Menos homens possuem casas porque muitos preferem alugar um
apartamento. Quase todos os milhares de pequenas fábricas, tocadas
pela família e um ou dois filhos de vizinhos, e quase todos os
pequenos moinhos de água, que moíam milho e trigo e faziam papel,
desapareceram. Nas correntes da América não mais existem pequenas
fábricas de amido de batata, pequenas fábricas de biscoito e
pequenas serrarias. Nas estatísticas, vai aparecer que a Grande
Fábrica de Biscoito, com um dono, substituiu cinco mil donos de
fabriquetas de biscoito.
Mesmo
assim, quantos homens há cem anos possuíam seguros de vida? Ou
participação numa building-and-loan
association1?
Ou ações da Grande Fábrica de Biscoitos? Ou um carro, um rádio,
uma geladeira e uma máquina de escrever? O fato é que, nas
estatísticas, eu mesma apareço como despossuída, quando minha
renda anual tem cinco dígitos. E conheço uma dúzia de pessoas que
pagam muito imposto de renda e não possuem nenhum tipo de
“propriedade real”.
Olhando
para a América, me pergunto também sobre a porcentagem estatística
de americanos que vivem de algum jeito com uma renda abaixo da “linha
de subsistência”.
Morei
por alguns anos numa fazenda próxima a uma vila de 800 pessoas, numa
região agrícola de baixa produtividade
em
Ozarks, do tipo conhecido tecnicamente como favelas rurais. Os
americanos honrados e cheios de respeito próprio que moram naquelas
casas de madeira limpas, aquecidas por fogões e iluminadas com
querosene não fazem ideia de que moram em favelas. Vivem como seus
pais viviam e gostam disso. Cada vez que põem a família no carro e
vão até a Califórnia, o Texas ou Idaho, voltam dizendo que não
existe lugar como seu lar.
Gostam
de água fresca, fria, que sai borbulhando do meio das rochas, e de
melancias geladas no regato. Gostam de caça à raposa, de tocar
rabeca
e
de piqueniques. Há quarenta anos, não precisavam de “dinheiro em
espécie” para nada, exceto para pagar impostos. Hoje, têm o que
quiserem para comer e têm lugar para abrigar os parentes que
perderam o emprego nas cidades e, embora sintam o aperto dos
impostos, passam muito bem com muito poucos dólares por semana da
venda de leite.
Na
vila, não há sessenta pessoas que apareceriam nas estatísticas
como acima da “linha de subsistência”. No condado inteiro, só
oito pessoas tem renda maior que US$1.000,00 por ano e apresentam
declaração de imposto de renda.
Mesmo
assim, essa vila possui iluminação elétrica, sistema de água e
esgoto, telefones, é claro, e uma rua principal asfaltada que brilha
à noite com anúncios de neon. Frequentemente, assistíamos estreias
de filmes antes de Nova York. Nosso salão de beleza tinha os mais
modernos equipamentos para tratamento facial, manicure e
cabeleireira.
Com
menos de vinte exceções, as casas eram belas casinhas, bangalôs e
chalés de pedra bem cuidados, com gramado e plantas ornamentais,
água encanada, caixa de gelo2,
telefone, rádio. Há várias geladeiras elétricas na vila e vários
fogões elétricos, embora muitas mulheres ainda usem fogões a
querosene. Quase todas as famílias têm carro. As lavanderias usam
lavadoras elétricas. A maioria dos homens veste jardineira, exceto
quando se arrumam para uma ocasião especial, mas não encontro
roupas de tanto bom gosto ou tão elegantes quanto os vestidos
baratos daquelas mulheres. Todas usam meias de seda, é claro.
Essa
vila não é exceção. Se você andar pelas estradas vai passar por
vilas como essa a cada trecho de poucas milhas. Grande parte da
população delas está abaixo da linha estatística de subsistência.
Concluo
desses fatos observados que deve haver milhões de homens e mulheres
neste país que, no papel, parecem estar em extrema necessidade de
reabilitação e que ficariam mortalmente ofendidos se alguém
dissesse isso a eles.
1
Instituição financeira de pequeno porte, comum nos Estados Unidos.
(NT)
2
Em inglês, ice box. Refrigerador não mecânico, compacto, que era
um utensílio de cozinha comum antes do surgimento da geladeira
elétrica. (NT)
www.libertarianismo.org/index.php/biblioteca/234-rose-wilder-lane/1074-quero-liberdade
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