sexta-feira, 8 de março de 2013

Sobre o Dia Internacional da Mulher

O Dia Internacional da Mulher é 8 de março porque é a data do início da Revolução Russa.


Capítulo do livro Liberdade Versus Igualdade, vol. 1, O Mundo em Desordem, de Demétrio Magnoli e Elaine Senise Barbosa.

«Voto e Cidadania

A luta pelo voto foi o foco das diversas entidades, comitês e jornais criados a partir da segunda metade do século XIX por mulheres das classes média e alta. Segundo consta, em 1906 o jornal Daily Mail chamou as defensoras do voto feminino de suffragettes, com uma conotação claramente pejorativa. A expressão caiu no gosto das militantes e passou a identificar as mais radicais, ou seja, as que saíam às ruas para se manifestar, em ações cada vez mais combativas, até atingir o ápice em 1913, quando Emily Davison pôs fim à própria vida atirando-se sob as patas do cavalo do rei inglês Jorge V a fim de chamar a atenção para a questão do voto feminino.

Paralelamente, outra temática mobilizava um número ainda maior de mulheres, embora com um nítido recorte de classe: a luta pelos direitos trabalhistas e contra a superexploração a que estavam submetidas. As novas organizações de mulheres socialistas não inscreveram nas suas agendas originais o tema do voto feminino, mas o incorporaram à medida que crescia o movimento sufragista. A ideia de "pagamento igual para trabalho igual", uma ousadia sugerida apenas pelas mais radicais, não teve a aprovação nem dos dirigentes sindicais, nem da massa dos trabalhadores, e só bem mais tarde se converteu em reivindicação geral.

Instituíram-se datas de mobilização geral das mulheres trabalhadoras, embora estas variassem de acordo com o local. Oficialmente, foi no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhague, em 1910, que surgiu a ideia de se criar um Dia Internacional da Mulher, nos moldes do Primeiro de Maio, para concentrar atos políticos em favor dos direitos das mulheres. A autora da proposta foi a alemã Clara Zetkin, dirigente do Partido Social-Democrata e amiga de Rosa Luxemburgo, com quem participaria da criação da Liga Spartacus e, depois, do Partido Comunista da Alemanha, pelo qual se elegeu deputada.

Datas de comemoração, lembrança e luta são símbolos poderosos. Zetkin não sugeriu uma data para o Dia da Mulher e, nos primeiros anos, a comemoração se realizava em datas diversas nos diferentes países. Não se sabe ao certo como a celebração acabou se fixando internacionalmente no 8 de março. Mas a divergência entre a mais provável origem histórica da data e a narrativa predominante sobre esta evidencia um combate subterrâneo pela apropriação de um "lugar de memória".

Na Rússia, em 1917, celebrou-se o Dia da Mulher no 8 de março (23 de fevereiro pelo calendário juliano adotado no império dos czares). Naquele dia, as operárias têxteis deflagraram a Revolução de Fevereiro — e esse fato tem tudo para ser a origem da generalização da data. Curiosamente, porém, no imaginário do movimento feminista, a data acabou sendo associada a um evento diferente, ocorrido nos Estados Unidos, em 1911, mas no dia 25 de março: o incêndio na fábrica têxtil Triangle Shirtwaist Co. que matou mais de uma centena de operárias, rotineiramente trancadas para cumprir a jornada completa de trabalho.

A greve na Rússia remete à revolução e ao socialismo. O trágico incêndio nos Estados Unidos remete aos direitos gerais dos trabalhadores e à exploração sem travas da força de trabalho feminina, mas não necessariamente à luta anticapitalista. A memória fabricada tem sentido e significado, sobretudo por aquilo que deixa na sombra.

A eclosão da Primeira Guerra Mundial e a entrada maciça das mulheres em setores de trabalho até então exclusivamente masculinos foram um divisor de águas. Se os homens sofriam nas trincheiras e morriam lutando, as mulheres, sobretudo as da classe média, sofriam pela perda da segurança que durante séculos haviam sido ensinadas a buscar no matrimônio e na submissão aos pais e maridos. A partir daquele momento, a sobrevivência da família estava em suas mãos. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, elas conquistavam uma liberdade inédita e podiam afinal decidir suas próprias vidas.

Encerrado o conflito, os governos encontraram dificuldades para justificar a falta de direitos políticos a quem agora tinha autonomia econômica. As leis eleitorais começaram a se adaptar à nova realidade, a princípio concedendo o direito de voto apenas às casadas ou alfabetizadas, para depois atingir a universalidade. Dinamarca e Islândia aceitaram o voto feminino em 1915. Na Rússia, o voto chegou com a Revolução. Na Grã-Bretanha, Áustria, Alemanha e Canadá, em 1918. Estados Unidos e Holanda, em 1919. No Brasil, em 1932, ampliado em 1934 pela constituição varguista. Na França, contudo, as mulheres tiveram que esperar até o fim da Segunda Guerra Mundial e, em alguns cantões suíços, até 1971.»


Foram muitos os incêndios registrados em fábricas têxteis nos Estados Unidos provocados pela associação entre materiais altamente inflamáveis, iluminação a querosene e portas trancadas para evitar que as operárias abandonassem as oficinas antes do término dos longuíssimos expedientes. Centenas de mulheres morreram antes que os governos estaduais criassem as primeiras leis referentes à segurança e à salubridade nos locais de trabalho.

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