sábado, 2 de março de 2013

Trecho d'O Caminho de Guermantes (II)


Certa manhã, Saint-Loup me confessou que escrevera à minha avó para lhe dar notícias a meu respeito e lhe sugerir a idéia de conversar comigo, já que estava em funcionamento um serviço telefônico entre Doncières e Paris. Em breve, no mesmo dia, ela devia me mandar chamar ao aparelho, e ele me aconselhou que estivesse às quinze para as quatro no posto. Àquela época, o telefone ainda não era de uso tão corrente como hoje. E, no entanto, o hábito leva tão pouco tempo para despojar de seu mistério as forças sagradas com que estamos em contato que, não tendo conseguido imediatamente a minha ligação, a única idéia que tive foi de que aquilo era tão demorado, tão incômodo, que quase acabei fazendo uma queixa: como todos nós agora, eu não achava bastante rápida, à minha disposição, em suas bruscas mudanças, a admirável magia pela qual são suficientes uns poucos instantes para que surja junto a nós, invisível mas presente, a criatura a quem desejávamos falar e que, ficando à sua mesa, na cidade em que mora (no caso de minha avó era Paris), sob um céu diverso do nosso, durante um tempo que não é forçosamente o mesmo, em meio a circunstâncias e preocupações que ignoramos e que essa criatura vai nos dizer, se acha de súbito transportada a centenas de léguas (ela e todo o ambiente em que permanece mergulhada), perto de nossos ouvidos, no momento em que nosso capricho assim ordenou. E somos como personagem do conto a quem uma fada, ante o desejo que ele exprime, faz surgir, banhada em claridade sobrenatural, a avó ou a noiva no ato de folhear um livro, de derramar lágrimas, de colher flores, tão perto do espectador e entretanto tão longe, no próprio local onde se encontra de verdade. […]

E logo que nosso chamado ressoou, na noite cheia de aparições para a qual só os nossos ouvidos se abrem, um leve ruído — um ruído abstrato — o da distância suprimida — e a voz do ser amado se dirige a nós.

É ele, é a sua voz que nos fala, que está ali. Mas como está longe! Quantas vezes não pude escutá-la sem angústia,  como se diante dessa possibilidade de ver, antes de longas horas de viagem, aquela cuja voz estava tão perto de meu ouvido, eu sentisse melhor o que há de decepcionante na aparência de uma reaproximação mais doce, e a que distância podemos estar das pessoas amadas no momento em que parece não termos mais que estender a mão para retê-las. Presença real a dessa voz tão próxima — na separação efetiva! Mas também antecipação de uma separação eterna! Com muita freqüência, escutando desse modo, sem ver quem me falava de tão longe, pareceu-me que essa voz clamava das profundezas de onde não se sobe, e conheci a ansiedade que ia me estreitar um dia, quando uma voz voltasse assim (sozinha e já não presa a um corpo que eu não devia rever nunca mais) a cochichar no meu ouvido palavras que eu gostaria de beijar de passagem sobre lábios para sempre em pó.

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