domingo, 1 de setembro de 2013

A Falácia do Anarquismo


O Deus da Máquina, capítulo VIII
A Falácia do Anarquismo
Isabel Paterson

Grupo de Dukhobors canadenses, fotografados em 2001.
Depois de ter afirmado que os selvagens não tinham governo, chamar o anarquismo de falácia parece uma clara inconsistência. Mas devemos ter em mente que o modo de conversão de energia deve corresponder ao modo de associação. A anarquia é viável apenas entre os selvagens. Tentou-se adotar a anarquia numa economia agrícola, que é mais avançada, e o resultado é altamente instrutivo. A seita religiosa dos Dukhobors1 repetiu essa experiência exaustivamente. Dentro de seus limites, sua argumentação era completamente consistente. Estavam determinados a não ter nenhum tipo de governo, nem mesmo autogoverno, como o termo é entendido para descrever uma organização formal. Um jornalista2 que estudou uma colônia Dukhobor no Canadá pediu que um membro da colônia prometesse não queimar algumas anotações manuscritas, se elas fossem largadas por ali. Seria o tipo de promessa mais fácil de ser cumprida, consistindo simplesmente em se abster de um ato que nenhuma circunstância imaginável poderia tornar necessário. O Dukhobor respondeu que “não desejaria queimar aquelas anotações”. O jornalista reconheceu que, sem dúvida, o Dukhobor naquele momento acreditava que não o faria, mas e se mudasse de ideia depois? Nesse caso, disse o Dukhobor, “se o Espírito me induzisse a fazê-lo, então eu teria de queimá-las”.

A essência do autogoverno consiste em manter promessas; a organização formal é instituída por acordo e seu poder é delegado com o objetivo de sustentar o contrato que se estabeleceu pela livre vontade das partes — o contrato encarnado na Constituição e os contratos privados entre indivíduos. Os Dukhobors eram completamente lógicos em evitar o primeiro passo na direção do autogoverno, uma vez que não desejavam ter nenhum tipo de governo. Mas a seita, durante sua existência, alternou-se entre disputas que paralisavam a produção e lideranças autocráticas que tomavam arbitrariamente para si uma grande parcela do que era produzido. Esse é o resultado inevitável da tentativa mais cuidadosa de permanecer numa condição de anarquia depois que a relação moral entre os membros da comunidade se estendeu no espaço e no tempo de maneira a permitir uma economia mais desenvolvida que a dos selvagens. Muito trabalho é perdido; e os membros da comunidade são submetidos a infortúnios, pobreza e ignorância.

É fácil descobrir o estágio de desenvolvimento a partir do qual o governo se torna necessário; e sua correspondência ao modo de conversão de energia pode ser claramente percebida, ou a não-correspondência quando a sincronização não está correta. O que ainda não foi elucidado é a relação específica entre o mecanismo de governo e a ordem produtiva. Isso levou a várias conjecturas conflitantes sobre a origem e a natureza do governo. Uma teoria da história afirma que o governo surge da guerra e, portanto, é a força em si. Isso é duplamente falso, uma vez que é o oposto da relação real. Essa teoria foi adotada por filósofos comprometidos com a doutrina do Estado Absoluto, porque é o único argumento possível que parece dar a eles uma base factual; mas ela reside unicamente no erro de post hoc, ergo propter hoc3.

Governo pela força é uma contradição em termos e uma impossibilidade física. A força é o que é governado. O governo se origina na faculdade moral.

A relação de subordinação da força à faculdade moral é autoevidente se considerarmos a localização da fonte da energia aplicada nos assuntos humanos; e essa relação pode ser demonstrada pelo mecanismo de todos os modos conhecidos ou imagináveis de associação humana. A forma mais antiga de sociedade, que se alimentava da extração direta da natureza e se mantinha unida pelo instinto de espécie, é a sociedade dos selvagens. Acredita-se que os esquimós apresentem uma cultura da Idade da Pedra sobrevivendo até hoje, muito pouco modificada até tempos recentes. Seu habitat não permite a acumulação de posses além de objetos transportáveis e pequenas provisões de alimento; eles não podem ter esperanças de melhorias em sua sorte além de uma margem obviamente estreita. A velhice é curta; incompetência, doença ou incapacidade grave significam a morte. O casamento é uma parceria de trabalho facilmente dissolvida; e o comportamento sexual é correspondentemente lasso. O processo de conversão de energia tem o menor circuito possível, com o homem como caçador trazendo matérias-primas e a mulher imediatamente transformando-os em bens de consumo; esse é o circuito de manutenção, e os filhos são o de reposição. O grupo não pode crescer demais; precisa se dispersar e vagar, e não pode estabelecer um local regular de assembleia. Portanto, não possui um chefe secular. Nenhum esquimó tem autoridade sobre outro; mas Stefansson4 observa que, sem buscar essa posição, os homens mais capazes possuem influência sem terem privilégios. Sob necessidade extrema, que é o molde do simples costume, os esquimós realmente não têm governo, nem estrutura política, nem qualquer tipo de agência.

Os esquimós não guerreiam. Sua energia é absorvida na luta imediata pela existência; e seu ambiente, a desolação branca do Ártico, elimina o possível aspecto da guerra como esporte, que consiste em surpresa, fuga e perseguição.

Em regiões temperadas, os selvagens guerreiam; e ainda assim não têm governo formal. Mas a guerra e a liderança, com um conselho informal, parecem ser criações síncronas. É o que dá plausibilidade à teoria de que o governo se origina na guerra e, portanto, o governo em si é força. O erro só pode permanecer se rejeitarmos tanto os fatos do comportamento selvagem como os testemunhos específicos de selvagens inteligentes sobre o significado e o objetivo do que se chama de conselho de guerra. O ponto significativo é que, no início, nem o chefe nem o conselho tinham poder algum. Exerciam apenas influência reconhecida. O chefe não tinha continuidade de mandato nem autoridade positiva. O conselho e o chefe debatiam quando a havia probabilidade de guerra; mas a razão manifesta de suas exortações era sugerir prudência, ou seja, falar pela paz. Isso foi registrado por um chefe famoso, o velho Seattle5, que foi fundamental para unir diversas tribos da costa do Pacífico. Quando os homens brancos chegaram, ele percebeu que seu povo estava liquidado. Num discurso de despedida, ao concordar com um tratado, explicou, recapitulando a função do chefe simplesmente como uma questão de fato:

A juventude é impulsiva. Quando nossos jovens se enfurecem com alguma injustiça real ou imaginária, e desfiguram seus rostos com pintura negra, isso indica que seu coração está negro, e então eles costumam ser cruéis e implacáveis, e nossos velhos e mulheres são incapazes de contê-los. Assim sempre foi. A vingança, para os jovens, é considerada um benefício, mesmo à custa de sua própria vida, mas os velhos, que ficam em casa em tempos de guerra, e as mães, que podem perder seus filhos, não se enganam dessa maneira.”6,7

O chefe Seattle descreveu um fenômeno físico incontestável, um desvio do excedente de energia. Obviamente, a guerra primitiva pode ser iniciada e realizada por impulso da parte dos combatentes. Nessas condições, não poderia ser conduzida por nenhum outro meio. Se os jovens estivessem com disposição militante, nada poderia contê-los, exceto a persuasão. Eles são a força. Assim, o conselho podia ou impedir a guerra por influência moral, ou aprová-la, ou admitir sua incapacidade de proibi-la, preparando-se para fazer a paz depois. Em nenhuma hipótese o conselho, os velhos, poderia aplicar a força, nem para impedir nem para provocar a guerra. O conselho simplesmente não tinha a força. Da mesma maneira, nessas hostilidades primitivas, nenhum comando oficial é possível; cada homem deve lutar por si mesmo. O chefe poderia oferecer conselhos sobre estratégia pura e dar exemplo de bravura e habilidade. Isso era tudo. Consequentemente, era escolhido tanto pela sabedoria como pela coragem. Portanto, sua posição não dependia da força contra seu próprio povo. Isso seria impossível. Bravura pessoal não é mais que a força de um único homem, enquanto a tribo é composta por muitos. Onde a liberdade de movimento é necessária para a sobrevivência, um homem forte não tem como dominar um único inferior por intimidação; ele obviamente não consegue subjugar muitos. O chefe e o conselho não davam ordens positivas porque não tinham meios de obrigar a obediência. Crimes contra pessoas estavam sujeitos à retaliação pessoal; infrações graves aos costumes podiam ser punidas por um comitê de todos, que fariam o infrator passar por um corredor polonês, ou o expulsariam da tribo.

Poder-se-ia sugerir que pelo menos uma minoria composta pelos mais fortes poderia comandar pela força os membros mais fracos da tribo; mas até para tentar isso, seria necessária uma base de concordância adotada pela junta. A expectativa de pilhagem ou tributo requer um acordo sobre a divisão do espólio. “Honra entre ladrões” revela que uma base moral continua sendo indispensável.

Para análise, é necessário separar os sucessivos estágios culturais que utilizam diferentes modos de conversão de energia. É conveniente chamar o passo imediatamente acima da selvageria de barbarismo. A cultura bárbara, embora ainda nômade, possui rebanhos. É nesse estágio que surge a necessidade de algum tipo de governo, com a extensão das relações humanas no tempo e no espaço. Quando o problema é colocado nestes termos, podemos pensar que os hábitos errantes dos selvagens levam a uma relação espacial. Ao contrário, esses hábitos evidenciam a falta dessa relação, porque nada é deixado para trás. As relações morais entre indivíduos adultos e as relações de grupo dadas pela economia são resolvidas imediatamente. Dois homens que desejam brigar podem lutar ali mesmo; o espaço entra na questão apenas como uma possibilidade de fuga. Maridos e mulheres que não conseguem concordar podem se separar e tomar novos parceiros. Não há como conservar os alimentos, então estes devem ser consumidos de uma vez e, portanto, serão divididos. Não se conhece o tipo de acordo que precisaria ser executado à distância. A relação moral dos selvagens se estende de fato no tempo, como a que afeta pais e filhos; mas o instinto governa essa relação, exceto em casos extremos. Quando o ônus dos idosos se torna impossível de administrar em bases naturais, os velhos são abandonados para morrer. Portanto, a ideia de posse, na vida selvagem, é vaga e pragmática. Artigos pessoais estão de posse de quem os usa. O uso do território é elástico. Em outros casos, “quem chega primeiro é atendido primeiro” e “achado não é roubado” funcionam como regras. Na caçada, quem vê a caça tem o direito de matá-la. Quem está ausente não pode reclamar.

Mas a pecuária, mesmo que não seja mais que tanger os animais em pastos selvagens, envolve uma relação de espaço-tempo entre seres humanos. Toda propriedade é um direito que se estende no tempo. É necessário vigiar os animais; eles não podem ser mortos nem o produto consumido, exceto por seu dono. O fator espaço-tempo é, da mesma maneira, introduzido pela agricultura primitiva, entre o plantio e a colheita, impondo um direito sobre lotes de terra e sementes a serem conservadas. Portanto, os bárbaros concedem poder positivo a seu chefe; sua palavra tinha de ser imposta, não imediatamente, mas à distância, enquanto estivesse de acordo com os costumes e os direitos de propriedade.

Para evitar uma quebra de autoridade, ou seja, na relação temporal, surgiu o princípio hereditário. Suas variações curiosas, como sucessão matrilinear e, em alguns lugares, legado ao filho mais novo em vez do mais velho (“borough English”), são o que pode ser chamado de dispositivos de engenharia para engrenar o sistema no menor espaço e distância pela conexão física obviamente existente. O parentesco de uma criança com sua mãe é incontestável; e o filho mais novo ainda estaria em casa quando os mais velhos saíssem e se tornassem independentes. Em qualquer dos casos, a força obedece à sanção moral.

Entretanto, o sistema hereditário não pode ser invariável; a natureza outra vez proíbe essa determinação.8 A sucessão pode falhar ou, se recair em um infante, torna-se temporariamente ineficaz e sujeita a ser questionada. Para essas emergências, algum recurso que lembre a escolha eletiva deve ser postulado. Mesmo com a dinastia “divina” do Japão medieval, embora o trono fosse reservado para uma linha de descendência, o princípio foi obscurecido porque a monogamia era costume; e por costume o imperador abdicava depois de um reinado curto e nominal, quando um novo monarca era escolhido pelos grandes nobres dentre alguns candidatos de sangue real. No Império Otomano, a morte do Sultão significava uma súbita tomada de poder por qualquer de seus descendentes ou parentes que tivesse apoio suficiente; então, o novo Sultão prontamente exterminava todos os outros pretendentes, assassinando seus irmãos, sobrinhos e tios imediatamente. Não há nada de novo nos “expurgos de sangue” dos rivais pelos ditadores modernos. Sempre que não se tem meios legítimos de sucessão política, esses expurgos acabam ocorrendo. E a forma do voto não é suficiente; se a energia da nação foi corrompida de maneira que as eleições são controladas de cima, compradas com o dinheiro dos impostos, esse recurso à violência logo será adotado.

Uma vez que o princípio eletivo existe na natureza das coisas, sendo a base da monarquia, sempre que a monarquia se torna opressiva demais, o princípio eletivo é evocado. O que quer que seja que faz os reis pode desfazê-los. Na Europa, embora a monarquia feudal fosse o costume prevalecente por mil anos e tivesse o suporte triplo do costume consolidado, do comando militar e do padrão da sociedade baseada na família, ainda assim a pretensão dos reis de governar por direito divino e exercer o poder absoluto nunca foi admitida em teoria por nenhuma nação, nem tolerada de fato por muito tempo sem franca rebelião. A resistência era constante e, como último recurso, a resposta era o assassinato. E este é uma refutação genuína à transgressão real em seus próprios termos, não menos lógico que o regicídio por deliberação legal que indicia o rei por traição. Em teoria, o nobre (como chefe de família) era nobre por status, tendo nascido nessa condição; o rei era rei apenas por contrato, “o primeiro entre seus pares”. O juramento de fidelidade, renovado para cada rei, é um contrato. O gravame da acusação de traição contra um rei é que ele ultrapassou sua atribuição ou justa autoridade por força usurpada. E, em termos de físicos, um homem é aproximadamente tão forte quanto qualquer outro. Assim, a verdade inicial é novamente exposta sempre que um cidadão ou súdito é suficientemente resoluto; a força não pode impor a obediência na ordem social. O que ela pode provocar é a morte, seja do súdito, seja do rei.

Quando o assassino é mentalmente sadio e age por causa de um descontentamento estritamente político, o assassinato é um sintoma de um grave defeito no mecanismo, uma conexão relativamente fraca, ou um ponto de pressão desproporcional, onde ocorre uma ruptura. Em termos de mecanismo, ele para a máquina até que a peça quebrada seja substituída; mas não institui e não pode instituir um tipo melhor de mecanismo. Num dado momento, o governo deixa de existir e tem de ser retomado por um ato moral, a aceitação do novo governante. Tais quebras repetidas naturalmente enfraquecem a sanção moral. Mas, também nisso, evidenciam a relação do governo com a força. Um súdito morto deixa de ser súdito; e um rei morto deixa de ser rei. Quando a força é o árbitro, o governo cessa.

É assim por causa da natureza intrínseca do mecanismo político, que é e deve ser o mesmo, seja qual for a forma. O governo é um instrumento de negação, e nada mais. Quando o governo começa a depender da força ou da intimidação, se os vários fatores envolvidos puderem ser conhecidos com exatidão e expressos numa equação matemática relacionada com o aumento da força, a soma informaria o tempo restante antes que o governo ou a nação ou ambos ruíssem. O evento dependerá do volume de energia em uso para produção e do tipo de governo imposto, no que se refere à estrutura, mecanismo e peso morto. Se a energia é suficiente para esmagar a estrutura e o mecanismo, isso acontecerá (por meio de guerra, guerra civil, revolução). A menos que a liberdade seja recuperada, o modo de conversão de energia decairá para um nível mais baixo e a população, pela guerra e pela fome, será reduzida a uma quantidade menor, que pode subsistir naquele nível. Esse processo está ocorrendo agora na Europa. A causa primária foi a introdução de um alto potencial de energia — o desenvolvimento industrial — na Alemanha, quando a forma política não podia acomodá-lo. Enquanto a indústria ganhava velocidade, durante o século dezenove, as mudanças políticas foram na direção contrária, mais e mais poder se acumulando no governo sob medidas “socializantes”. A explosão presente é o resultado.

Uma tentativa de retornar a um tipo de associação adequado a um potencial mais baixo de energia vai resultar nisso. O método de aconselhamento informal é adequado a uma sociedade nômade selvagem. Em tais condições, a falta de estabilidade do chefe é salutar. Uma escolha infeliz tem conserto rapidamente. A liderança é obrigada a se justificar diariamente. Numa sociedade assentada e produtiva, a liderança é completamente impraticável, porque a continuidade é necessária, com o fator espaço-tempo na economia. Os dois não podem existir juntos, porque foi perdida a característica essencial da liderança, a deposição sem derramamento de sangue do líder pelo abandono de seus seguidores. Com instituições permanentes, a forma de governo deve incluir mandatos estáveis; isso não significa pessoas irremovíveis, mas o contrário; significa a mudança legítima das pessoas em cargos com poderes definidos. Quando se experimenta a “liderança”, em vez disso, o que pode ocorrer é uma manifestação degenerada e temporária, o governo da popularidade, pelo qual as instituições permanentes são subvertidas para tornar o líder irremovível. As características de ambos são assim negadas, cancelando-se o elemento moral, como se evidencia pelo fato de o líder negar suas próprias credenciais por meio do recurso imediato à força e à intimidação.

Em termos de mecanismo, o controle é desconectado com o motor ainda funcionando. A consequência é a colisão externa e o rompimento interno, mais ou menos simultaneamente. Um regime de popularidade é eficaz para começar uma guerra; e tem de fazer isso. Se a energia e o mecanismo engatado são os de uma sociedade produtiva com uma capacidade excedente considerável, o regime provavelmente parecerá inicialmente estar tendo um enorme sucesso na agressão, a marcha de um Alexandre ou de um Napoleão, para terminar se desintegrando em guerra civil e possivelmente com a sujeição a uma potência estrangeira. As duas coisas são diferentes aspectos do mesmo fenômeno físico, da massa deslocada se espatifando pela quantidade de movimento, esmagando qualquer coisa que esteja em seu caminho enquanto se despedaça por causa de seu próprio peso e impacto. O império napoleônico foi essa trilha de destruição.9 Um século antes, Luís XIV preparou o rastilho de pólvora para ela. Seu ministro Colbert estimulou a indústria sob monopólio, o que permitiu que Luís reduzisse a ordem aristocrática à impotência e transferisse o mecanismo de governo a uma burocracia. Assim, a antiga estrutura da França foi tornada obsoleta, mas continuou como um peso morto e manteve a nação mais ou menos estacionária, frustrando os esforços de Luís de colocar a massa em movimento por meio de suas guerras. Em seguida, quando o peso morto (que infelizmente não tinha outro objetivo) foi jogado fora — ou seja, a aristocracia foi formalmente despojada de seus privilégios — a energia acumulada foi liberada e intensificada pela proclamação de liberdade e igualdade. Mas essa energia torrencial foi jogada numa sociedade que não entendeu a relação entre o mecanismo e a base. O próprio Napoleão era pouco mais que um testa-de-ferro lançado na frente da massa em movimento. A energia dilacerou a nação, arremessou fragmentos dela em cada canto da Europa na forma de exércitos e só se apaziguou por desintegração e inércia. Napoleão foi o primeiro dos “líderes” modernos. O que um potencial realmente elevado pode fazer nessa linha é dolorosamente evidente.

Quando a palavra líder10, ou liderança, retorna ao uso corrente, ela implica em uma recaída no barbarismo. Para um povo civilizado, é a palavra mais agourenta em qualquer idioma.


1 Grupo religioso de origem russa, que surgiu provavelmente no século XVII. Eles rejeitam o governo secular, os sacerdotes ortodoxos russos, os ícones, a liturgia, a Bíblia como fonte suprema da revelação divina e a divindade de Jesus. Por suas crenças pacifistas e pelo desejo de evitarem a interferência governamental em suas vidas, a quase totalidade do grupo emigrou do Império Russo para o Canadá no final do século XIX. Hoje, a população estimada de Dukhobors é de 40.000 pessoas no Canadá e 5.000 nos Estados Unidos. (N. do T.)

2 SLAVA BOHU: The story of the Dukhobors. J. F. C. Wright. (N. da A.)

3 Expressão latina que significa “depois disto, portanto em consequência disto”. Falácia lógica que consiste na ideia de que dois eventos que ocorrem em sequência cronológica estão necessariamente ligados por uma relação de causa e efeito. (N. do T.)

4 STEFANSSON, Vilhjalmur. My life with the Eskimo; The Macmillan Company, New York, 1912. (N. do T.)

5 Seattle foi um chefe dos índios Duwamish, também conhecido como Sealth, Seathle, Seathl e See-ahth. Buscou formas de acomodação entre os índios e os colonos brancos. A cidade de Seattle, no estado de Washington, tem esse nome em homenagem a ele. (N. do T.)

6 GATEWAY OF THE NORTH. De Archie Binns. (N. da A.)

7 O discurso que Isabel Paterson cita teria ocorrido em 11 de março de 1854, numa reunião convocada pelo governador Isaac Ingalls Stevens, para discutir a venda de terra dos nativos para colonos brancos. Seattle falou na língua lushootseed. Alguém traduziu o que ele disse para a língua chinook e uma terceira pessoa traduziu dessa língua para o inglês. Trinta e três anos depois, Henry A. Smith publicou esse texto, observando-se que se tratava de um fragmento do discurso. Pode ser encontrado em http://www.chiefseattle.com/history/chiefseattle/speech/speech.htm. Não é possível se saber realmente o que dizia o discurso original. (N. do T.)

8 Quando se argumentou que o bem do reinado exigia que Henrique VIII se desfizesse de sua rainha e se casasse novamente para gerar um filho que herdasse o trono, um opositor perguntou: “Quem prometeu a ele um filho?” (N. da A.)

9 Como parte dessa destruição foi de instituições obstrutivas e obsoletas, não se percebia que ela era aleatória, embora certamente fosse. Milhões de pessoas também foram destruídas, em pilhas dilaceradas. (N. da A.)

10 Em alemão, Führer. Em italiano, duce. (N. do T.)

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