O Deus da Máquina, capítulo VI
Liberdade, Cristianismo e o Novo Mundo
Isabel Paterson
As
ideias vêm antes da realização. Raça é um fato, até o ponto em
que isso existe. Nações e culturas são ideias. A linhagem racial,
que aparentemente preserva uma identidade, só o faz por meio de uma
ideia. Se uma ideia contiver um princípio universal, fará com que
as raças se mesclem; se contradisser uma ideia anteriormente aceita,
dividirá as nações numa discórdia fatal. Cada realização é
prenunciada pela fantasia; cada grande desastre é resultado de falta
de adequação, de erro ou de perversão da inteligência. Uma ideia
pode ser concebida originalmente como mito. A Europa foi um mito
antes de se tornar uma civilização rica e complexa; e é chamada de
continente em contradição com a geografia, porque a divisão entre
Europa e Ásia foi criada pela mente dos homens.
A
América era um mito séculos antes de sua realidade física ser
verificada. Se Platão inventou a Atlântida Perdida ou se a
construiu a partir de fragmentos de folclore, sua criação é
igualmente inexplicável. Lendas europeias posteriores das Ilhas
Afortunadas a oeste, onde não havia morte, da Ilha de São Brandão
e de Avalon e Hy-Brasil e Tir-n’an-Og poderiam ser explicadas por
uma pequena hipótese factual nas Canárias ou por um vislumbre dos
Açores; sua felicidade poderia consistir em serem inatingíveis. Até
o final do século dezoito, era possível dizer (como disse Babeuf1)
que a felicidade na Europa era uma ideia nova.
Como
pré-requisito para a felicidade, a esperança de liberdade foi
colocada desde o início na América. De maneira apropriada, a
descoberta preliminar foi feita numa busca por liberdade. Durante o
século X de nossa era, alguns homens intratáveis de sangue viking
se exilaram de sua terra natal para não se submeterem à imposição
de uma monarquia feudal. Os marinheiros errantes escandinavos
resumiram, em seu desenvolvimento nacional, a história da Europa.
Eram praticamente os últimos piratas bárbaros; mas se alfabetizaram
antes de pararem de viver de saques e tinham a clareza e o tipo de
mente pragmática dos romanos. Conheciam bem o mundo civilizado e
forneceram um regimento mercenário ao Império do Oriente. Migraram
da pirataria para o comércio ao mesmo tempo em que adotaram a
sociedade estratificada de status que o comércio tende a dissolver.
Em sua condição semibárbara, a igualdade entre seus combatentes os
obrigou a desenvolver um tipo de lei contratual e um governo
deliberativo local; mas quando conquistaram a Normandia e depois a
Inglaterra, estabeleceram um detalhado sistema feudal. Nessa forma,
novamente sua tradição anterior de igualdade independente no topo
os incitou a resistir contra pretensões de absolutismo real fazendo
uma rebelião bem organizada; e voltaram à lei contratual para
incorporar a capitulação em um documento escrito, no qual o
conceito de homem livre estava outra vez implícito, para ser
desdobrado no futuro. Desenharam um círculo intelectual completo.
Perto do fim, o pequeno grupo inconciliável que resistiu para manter
sua condição original fugiu para o fim do mundo, Ultima Thule, e
ocupou a Islândia, de onde os mais corajosos seguiram para a
Groenlândia. Navegando diretamente da Noruega para a colônia na
Groenlândia no ano 1000 DC, Leif Ericsson foi desviado para sul do
seu curso por tempestades e neblina, para uma estranha terra, a Costa
Maravilhosa do novo mundo. É notável que a perspectiva de Vinland,
a Boa Terra2
tenha sido abandonada depois da menor das tentativas de colonização.
Isso não ocorreu por desânimo. Os noruegueses foram puxados de
volta para a Europa por sua aceitação tardia do cristianismo. O
próprio Leif Ericsson se converteu pouco depois de sua viagem de
descobrimento. Foi como se o equipamento para a América fosse
incompleto sem essa fé; o que era verdade se eles buscavam a
liberdade como uma condição geral, não um privilégio de classe
estabelecido por braço forte; é fato que tinham escravos. A objeção
que pode ser levantada é que a Europa cristã usava a coleira de
ferro da servidão, e tolerava a escravidão aberta. Mesmo assim, o
axioma da liberdade só pode ser postulado se tomarmos por base o que
a filosofia cristã afirma. Para sua realização, os princípios
seculares revelados pela Grécia e por Roma são igualmente
indispensáveis. Mas considera-se a América como sua terra natal.
Por
volta de 1560 ou 1570, Étienne de La Boétie3,
o amigo de Montaigne, cheio de desespero por causa das guerras de
religião, escreveu:
“O
que vocês pensam da sorte terrível que nos levou a nascer nestes
tempos? E o que vocês pensam em fazer? De minha parte, não vejo
outro caminho senão emigrar, abandonar meu lar e ir para qualquer
lugar aonde o acaso me carregue. Faz muito tempo que a ira dos deuses
me alertou para fugir — mostrando-me aquelas terras vastas e
abertas além do oceano. Quando, na virada do século, um novo mundo
emergiu das ondas, os deuses — bem podemos crer — o destinaram ao
refúgio, onde homens cultivarão campos livres sob um céu mais
claro, enquanto a cruel espada e a vergonhosa peste condenarão a
ruína da Europa. Lá há férteis prados esperando o arado, uma
terra sem rios intermitentes nem senhores — é para lá que irei.”4
A
vida, a liberdade e a busca da felicidade — o que os homens
encontraram na América foi o desejo que haviam mandado
antecipadamente. Trouxeram com eles o conhecimento efetivo para
torná-lo realidade. Portanto, a associação de ideias permaneceu,
apesar da contradição imediata e atroz representada pelo tratamento
dos índios e pela rápida importação de escravos africanos.
Montaigne mesmo, cuja franqueza sutil desestabilizava a autoridade
assim como as intempéries derrubam uma parede de pedra, comentou:
“Se alguma coisa poderia ter tentado minha juventude, seria a
ambição de participar dos perigos dessa nova empreitada.” Mas
Montaigne, assim como o seu amigo, não era um servo, mas um lorde,
desfrutando dos privilégios de classe e de um bom patrimônio. Era
sua mente que estava tentada a explorar o estrangeiro. Ele foi a
epítome de sua época, transformando sua torre medieval num estúdio
no qual ponderava tranquilamente sobre as ideias que destruiriam toda
a estrutura.
A
descoberta efetiva da América foi feita pelo capitalismo
empreendedor. Colombo foi um organizador de empresa com um plano. Os
navios eram propriedade privada, um deles fretado. Gerentes
capacitados (capitães) foram contratados. Algum capital em dinheiro
foi subscrito. A tripulação era assalariada. Tal organização hoje
poderia empreender qualquer negócio legítimo. Mas a maior parte do
dinheiro foi adiantada pela Rainha da Espanha; dois dos navios foram
confiscados pelo governo como multa; e a expedição navegou com um
comissionamento oficial. Condicionada ao sucesso de sua viagem,
Colombo recebeu a promessa do título hereditário de Almirante do
Oceano (Atlântico), e uma porcentagem de todo o comércio a ser
aberto por sua rota, para ele e para seus herdeiros. Seu objetivo era
o Japão e a China; mas mesmo que aportasse lá, a cláusula jamais
poderia ser cumprida. Um oceano não tolera o monopólio. O
empreendimento, assim, carregou consigo os dois sistemas conflitantes
de status e de contrato que estavam competindo na Europa. O
continente havia sido primeiramente civilizado e organizado pela
energia fluindo por meio do contrato; com o colapso do mecanismo,
havia decaído para o status; o contrato estava emergindo outra vez
com o aumento do comércio. Mas a Espanha estava retrocedendo,
apanhada por certa onda contrária nos Estreitos, na direção do
absolutismo, exatamente quando a localização geográfica favorável
deu à Península Ibérica a primeira ligação com o novo mundo.
Obviamente, a menor distância entre a África e a América do Sul é
menor que a metade do trajeto que Colombo percorreu da Espanha às
Índias Ocidentais; mas não havia excedente de energia nem na África
nem na América do Sul. A Europa estava gerando energia; sua rota por
terra para o Oriente havia sido bloqueada. A viagem de Colombo foi
como o salto de uma faísca elétrica num arco voltaico.
A
conquista dos povos americanos nativos foi uma consequência
determinada a
priori,
porque a Europa usava um potencial de energia muito superior. A mais
avançada cultura americana não empregava nem mesmo a tração
animal, não tinha ainda inventado a roda, muito menos a roda-d'água,
nem chegado à idade do ferro. Viajavam a pé e eram suas próprias
bestas de carga. Seu modo de conversão de energia era o corpo humano
e os utensílios manuais. Seu terror diante dos invasores europeus
com cavalos e armas de fogo é normalmente atribuído à estupefação
com a simples esquisitice do fenômeno. Ao contrário, foi o
entendimento inteligente de um poder maior que eles não teriam como
igualar. A ignorância primitiva não se assusta com a novidade. As
tribos selvagens eram menos submissas que as mais civilizadas, porque
não tinham noção do domínio da energia, embora estivessem
igualmente condenadas pelo potencial superior.
Pode
ser estabelecido como axioma que num conflito entre duas nações ou
culturas, se uma delas usa um potencial superior de energia, deve
vencer. O diferencial está na equação espaço-temporal, que
compensa qualquer inferioridade numérica original. Cem homens podem
se mover tão rápido quanto cinquenta e são, portanto, duas vezes
mais efetivos; mas nenhuma quantidade de homens pode se mover tão
rápido como uma bala e as quantidades são anuladas pela razão
inversa de velocidade e raio de ação.
Já
entre duas nações usando o mesmo modo de conversão de energia,
alguém poderia supor que a superioridade numérica e a
disponibilidade de matérias-primas deveriam determinar a questão.
Mas não é assim que acontece; como mostrado, os resultados são tão
variáveis que nenhuma resposta apresentada até aqui serve para
explicar dois casos diferentes como uma conjectura posterior.
Se
alguma vez uma nação e uma dinastia tiveram os componentes físicos
de um império atirados em seu colo por pura sorte e de uma vez, essa
nação é a Espanha. O método pacífico de ampliação de
território no feudalismo era por casamentos que combinavam as
heranças. Na Europa, a dinastia de Habsburgo, por um golpe de sorte,
tornou-se a legatária universal do sistema. Depois da união entre
Castela e Aragão, a Espanha se uniu ao conglomerado de nações
austríaco, incluindo a Holanda e boa parte da Itália. Ao mesmo
tempo, toda a Península Ibérica foi gradativamente incorporada,
incluindo depois Portugal por um tempo. O governante desses vastos
domínios teve sua primazia sobre a Europa formalmente reconhecida,
por sua posição eletiva como chefe do Sacro Império Romano.
Presumivelmente, essa glorificação também aconteceria se a América
não tivesse sido descoberta. Por quanto tempo teria se mantido coesa
é matéria de conjecturas; mas pelo menos sua estabilidade seria tão
segura quanto a de qualquer arranjo político contemporâneo. Assim,
a Espanha controlava a parte mais rica da Europa, com as minas
espanholas e austríacas, as cidades industriais holandesas e uma
variedade de outros recursos nesse território tão extenso. A
posição dominante sobre o Mediterrâneo também é significativa. E
então toda a riqueza da América foi despejada na Espanha.
Em
comparação, a força humana e material à disposição da
Inglaterra era ridiculamente pequena; e o território inglês
consistia apenas em metade de uma pequena ilha nebulosa e uma base
incerta na Irlanda. A Inglaterra tinha o porto de Calais, mas o
perdeu antes de entrar em combate com a Espanha.
Finalmente,
deve ser observado que, dentro de suas fronteiras nacionais, a
Espanha havia conseguido a unidade perfeita. Nunca um povo havia sido
tão unânime em sentimento, em pensamento, em costumes e em moral e
religião e lealdade política, como a Espanha após a expulsão dos
mouros e dos judeus. Era sólida como uma barra de ferro.
E
esse era justamente o problema. Num organismo vivo, tal condição é
mais parecida com o rigor da epilepsia; se passa a ser permanente, é
a morte. Num mecanismo, que funciona pela oposição de suas peças,
é equivalente ao empenamento. Mesmo que uma nação pareça agir
quando está assim solidificada, o movimento é o de uma massa
deslocada, um corpo em queda livre. Não tem direção inteligente
nem objetivo definido.
A
Espanha foi eletrocutada, consumida, ao receber uma alta voltagem em
sua estrutura política e mecanismo sem linhas de transmissão
adequadas, saídas e isolação. Ao fazer contato com a América, a
Espanha coletou uma vasta carga de energia armazenada na forma de
metais preciosos que eram conversíveis em moeda europeia. Depois
disso, o país foi palco de um espetáculo quase incrível, com
navios do tesouro descarregando lingotes de ouro ano após ano em
quantidades inéditas e o povo se empobrecendo cada vez mais, na
razão inversa, até que estavam reduzidos à fome e à miséria.
Todas as receitas recomendadas e aplicadas hoje em nome de uma
economia planejada foram experimentadas na Espanha nesse período com
o mesmo pretexto da necessidade pública, com a consequência
inevitável de parar a produção. Negócios só podiam ser feitos
com autorização; manufaturas e comércio foram restringidos; minas
na Espanha foram lacradas por decreto; dinheiro real foi tomado dos
proprietários privados, que foram obrigados a aceitar papéis do
governo em troca e presos ou executados se tentaram se recusar a
aceitá-los. Impostos e tarifas se multiplicaram. Tudo foi absorvido
pelo governo; e o governo estava sempre falido. E as funções de
governo, que eram o pretexto para tais medidas, eram executadas com
grotesca ineficiência. Os maiores esforços militares resultaram nas
mais desastrosas derrotas e quando a Espanha foi vitoriosa, não
conseguiu paz. A Holanda se revoltou e não se pacificou mais. A
Inglaterra também lutou um bocado no mesmo período e nem sempre foi
vitoriosa; comparado à proporção da população e à riqueza
disponível, o esforço da Inglaterra foi maior. Mas as perdas
inglesas foram repostas rapidamente e seu poder aumentado, enquanto a
Espanha passou para a infeliz posição de campo de batalha da
Europa. A condição da Espanha enquanto ainda de posse de seu
império no Novo Mundo (por volta de 1700) foi descrita assim: “Um
país sem exército, justiça ou polícia e absolutamente sem
liberdade.”5
“Os nobres são desdenhosos e desprezíveis. Não têm nada exceto
orgulho, pobreza, preguiça e varíola. Não têm educação e nenhum
tipo de conhecimento.”6
O comércio e a indústria estavam paralisados, a agricultura em
decadência; e embora ainda houvesse uma receita considerável vinda
da América, não havia dinheiro em circulação.
Durante
o século dezessete, o declínio da Espanha permitiu que a França
tentasse alcançar a primazia. Luís XIV conseguiu tornar sua
monarquia absoluta e assim jogou toda a energia da nação na guerra.
Conseguiu unidade expulsando os huguenotes. Para não ser incomodado
com números, “o estúpido símbolo do dólar”, conferiu a um
homem, Chamillart, os ministérios da guerra e da fazenda. Um
observador de primeira mão disse, sem esperança: “Não haverá
tesouro que chegue para um governo descontrolado.” Quando os
impostos de Luís lançaram seus súditos na fome, adiantando vários
anos de receita, desvalorizando a moeda e deixando-o sem um centavo
do mesmo jeito, o rei sentiu uma dor na consciência e se perguntou
se tinha o direito moral de extorquir mais. Chamou um grupo seleto de
professores da grande Universidade, a Sorbonne; e eles servilmente o
informaram de que, como rei, ele era dono de toda a propriedade do
reino; seus súditos eram meros ocupantes; e se permitisse que eles
retivessem qualquer parte de suas posses ou do produto de seu
trabalho, estaria fazendo um favor. Então ele extorquiu mais
impostos. Com unidade e controle total, quando envelheceu foi
obrigado a implorar por paz em quaisquer termos; e, antes de sua
morte, franceses inteligentes, como Catinat7,
previram com pavor a Revolução Francesa. Sabiam que a estrutura
política e econômica estava fatalmente desequilibrada. A unidade
orgânica da família como padrão de sociedade resistiu à tensão
por cem anos, mas não poderia aguentar para sempre. Nesse meio
tempo, a Inglaterra sobreviveu a uma guerra civil e, sem nenhuma
ambição particular por um império, alcançou a posição dominante
pela qual a Espanha e a França se esgotaram em vão. A energia em
assuntos humanos tende a fluir pelas leis naturais com o vento e a
água, seguindo a linha de menor resistência, mas com pontos
intermediários determinados por matérias-primas em quantidade. Das
viagens de descobrimento, entre 1492 e 1611, apenas quatro saíram da
Inglaterra e nenhuma delas a tornou rica. Mesmo assim, o mapa-múndi
mostra que outro fator positivo interveio em seguida, direcionando o
fluxo entre a Europa e a América um pouco ao norte de seu curso
natural, ou seja, da Inglaterra para a comparativamente pobre costa
norte-americana da Nova Inglaterra até a Virgínia. Estas, outra vez
se tornaram radiais.
A
cadeia de eventos correspondeu, ponto por ponto, aos desdobramentos
políticos internos da Inglaterra, da Espanha e da França. O âmbito
e as pretensões do governo na Espanha e na França cresceram
continuamente. As pretensões do governo na Inglaterra foram
persistentemente repelidas, diminuídas e condicionadas. Impérios
são construídos pela iniciativa privada.
Esta
é a regra que determina a vitória entre nações rivais usando o
mesmo modo tecnológico de conversão de energia: aquela cujo governo
é mais limitado vencerá. Uma maior extensão territorial e recursos
concomitantes podem acabar se mostrando uma desvantagem para uma
nação com um governo absoluto, porque essas condições farão o
governo irresponsavelmente exorbitante contra seus próprios
cidadãos, e também fornecerão lances de sorte inesperada à nação
livre inimiga, que será capaz de colocar eventuais recursos que
conquiste em uso efetivo. A maior parte da energia que a Espanha
extraiu do Novo Mundo serviu apenas para fundi-la numa rigidez
agonizante, mas uma parte teve de passar por ela e foi, assim,
devolvida aos canais produtivos em outros lugares da Europa. O
dinheiro circulou e estimulou as nações rivais e as províncias
rebeldes a quebrar o monopólio espanhol, fazendo comércio por conta
própria. A energia teve um efeito duplo na Europa como um todo,
rompendo o compromisso feudal exatamente nas mais antigas linhas de
rachaduras e ao mesmo tempo integrando pequenas principalidades e
cidades livres em formas nacionais.
O
equilíbrio de poder pendeu para a Inglaterra porque esta permitiu
que a energia fluísse de maneira mais livre, o que significa dizer
que a Inglaterra cedia a maior liberdade ao indivíduo, respeitando a
propriedade privada e abandonando gradativamente a prática de
monopólios comerciais políticos. É claro que a Inglaterra não
desistiu de uma vez de conceder esses monopólios e foi exatamente o
que restou deles que precipitou a Revolução Americana; mas a livre
empresa tinha margem de manobra suficiente para suplantar a Espanha e
a França.
O
teste crucial da propriedade privada é a atitude do governo em
relação ao dinheiro. Desvalorização da moeda é expropriação
pura e simples. O Império Britânico foi fundado quando o sistema
monetário, que estava depreciado, foi restaurado para um padrão
durante os primeiros anos do reinado de Elizabeth, seguindo os
conselhos de Gresham8.
Naquele momento, o comércio inglês estava em situação difícil, o
tesouro nacional vazio, o crédito nacional acabado e o crédito
mercantil trôpego, a guerra ameaçava e a rebelião era uma
possibilidade real. Nessas circunstâncias, os governos normalmente
recorrem à moratória, ao confisco e ao “Faça-se o dinheiro”.
Em vez disso, a Inglaterra tomou o caminho contrário. O mundo ficou
sob seu domínio. O Império Britânico terminou trezentos e
cinquenta anos depois, quando a Inglaterra outra vez desvalorizou sua
moeda, declarou moratória de suas dívidas, confiscou a propriedade
privada e aboliu a liberdade pessoal.
Estas
considerações não são sentimentalistas; constituem o mecanismo de
produção e, portanto, de poder. A liberdade pessoal é a
pré-condição para a liberação de energia. A propriedade privada
é o indutor que inicia o fluxo. O dinheiro real é a linha de
transmissão; e o pagamento das dívidas completa o circuito. Um
império é simplesmente um sistema de energia de longo circuito. A
possibilidade de um curto-circuito, que resulte em vazamento e
colapso ou explosão, ocorre na conexão da organização política
aos processos produtivos. Não é uma figura de linguagem ou
analogia, mas uma descrição física exata do que acontece.
1
François-Noël Babeuf (1760 – 1797), conhecido como Graco Babeuf,
foi um agitador político francês. Foi guilhotinado por sua
participação na Conspiração dos Iguais. (N. do T.)
2
Colônia viking na América, estabelecida por Leif Ericsson por
volta do ano 1000, onde hoje é a província canadense de Terra Nova
e Labrador. (N. do T.)
3
Étienne de La Boétie (1530 - 1563), jurista e escritor francês, é
um dos fundadores da filosofia política moderna na França. (N. do
T.)
4
THE AUTOBIOGRAPHY OF MONTAIGNE, de Marvin Lowenthal. (N. da A.)
5
MÉMOIRES SECRÉTS SUR L'ÉTABLISSEMENT DE LA MAISON DE BOURBON EN
ESPAGNE, de Charles Auguste d'Allonville, Marquês de Louville. (N.
do T.)
6
Carta do Duque de Saint-Simon a Michel Chamillart, datada de 23 de
agosto de 1703. (N. do T.)
7
Nicolas Catinat (1637 – 1712), militar francês.
8
Sir Thomas Gresham (1579 – 1579), mercador e financista inglês,
criador da Lei de Gresham: “Quando um governo sobrevaloriza um
tipo de moeda e desvaloriza outro, a moeda desvalorizada deixará o
país ou desaparecerá em reservas escondidas, enquanto a moeda
sobrevalorizada inundará a circulação.” Costuma ser resumida
assim: “A moeda ruim tende a expulsar do mercado a moeda boa.”
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