domingo, 1 de setembro de 2013

Liberdade, Cristianismo e o Novo Mundo


O Deus da Máquina, capítulo VI
Liberdade, Cristianismo e o Novo Mundo
Isabel Paterson
As ideias vêm antes da realização. Raça é um fato, até o ponto em que isso existe. Nações e culturas são ideias. A linhagem racial, que aparentemente preserva uma identidade, só o faz por meio de uma ideia. Se uma ideia contiver um princípio universal, fará com que as raças se mesclem; se contradisser uma ideia anteriormente aceita, dividirá as nações numa discórdia fatal. Cada realização é prenunciada pela fantasia; cada grande desastre é resultado de falta de adequação, de erro ou de perversão da inteligência. Uma ideia pode ser concebida originalmente como mito. A Europa foi um mito antes de se tornar uma civilização rica e complexa; e é chamada de continente em contradição com a geografia, porque a divisão entre Europa e Ásia foi criada pela mente dos homens.

A América era um mito séculos antes de sua realidade física ser verificada. Se Platão inventou a Atlântida Perdida ou se a construiu a partir de fragmentos de folclore, sua criação é igualmente inexplicável. Lendas europeias posteriores das Ilhas Afortunadas a oeste, onde não havia morte, da Ilha de São Brandão e de Avalon e Hy-Brasil e Tir-n’an-Og poderiam ser explicadas por uma pequena hipótese factual nas Canárias ou por um vislumbre dos Açores; sua felicidade poderia consistir em serem inatingíveis. Até o final do século dezoito, era possível dizer (como disse Babeuf1) que a felicidade na Europa era uma ideia nova.

Como pré-requisito para a felicidade, a esperança de liberdade foi colocada desde o início na América. De maneira apropriada, a descoberta preliminar foi feita numa busca por liberdade. Durante o século X de nossa era, alguns homens intratáveis de sangue viking se exilaram de sua terra natal para não se submeterem à imposição de uma monarquia feudal. Os marinheiros errantes escandinavos resumiram, em seu desenvolvimento nacional, a história da Europa. Eram praticamente os últimos piratas bárbaros; mas se alfabetizaram antes de pararem de viver de saques e tinham a clareza e o tipo de mente pragmática dos romanos. Conheciam bem o mundo civilizado e forneceram um regimento mercenário ao Império do Oriente. Migraram da pirataria para o comércio ao mesmo tempo em que adotaram a sociedade estratificada de status que o comércio tende a dissolver. Em sua condição semibárbara, a igualdade entre seus combatentes os obrigou a desenvolver um tipo de lei contratual e um governo deliberativo local; mas quando conquistaram a Normandia e depois a Inglaterra, estabeleceram um detalhado sistema feudal. Nessa forma, novamente sua tradição anterior de igualdade independente no topo os incitou a resistir contra pretensões de absolutismo real fazendo uma rebelião bem organizada; e voltaram à lei contratual para incorporar a capitulação em um documento escrito, no qual o conceito de homem livre estava outra vez implícito, para ser desdobrado no futuro. Desenharam um círculo intelectual completo. Perto do fim, o pequeno grupo inconciliável que resistiu para manter sua condição original fugiu para o fim do mundo, Ultima Thule, e ocupou a Islândia, de onde os mais corajosos seguiram para a Groenlândia. Navegando diretamente da Noruega para a colônia na Groenlândia no ano 1000 DC, Leif Ericsson foi desviado para sul do seu curso por tempestades e neblina, para uma estranha terra, a Costa Maravilhosa do novo mundo. É notável que a perspectiva de Vinland, a Boa Terra2 tenha sido abandonada depois da menor das tentativas de colonização. Isso não ocorreu por desânimo. Os noruegueses foram puxados de volta para a Europa por sua aceitação tardia do cristianismo. O próprio Leif Ericsson se converteu pouco depois de sua viagem de descobrimento. Foi como se o equipamento para a América fosse incompleto sem essa fé; o que era verdade se eles buscavam a liberdade como uma condição geral, não um privilégio de classe estabelecido por braço forte; é fato que tinham escravos. A objeção que pode ser levantada é que a Europa cristã usava a coleira de ferro da servidão, e tolerava a escravidão aberta. Mesmo assim, o axioma da liberdade só pode ser postulado se tomarmos por base o que a filosofia cristã afirma. Para sua realização, os princípios seculares revelados pela Grécia e por Roma são igualmente indispensáveis. Mas considera-se a América como sua terra natal.

Por volta de 1560 ou 1570, Étienne de La Boétie3, o amigo de Montaigne, cheio de desespero por causa das guerras de religião, escreveu:

O que vocês pensam da sorte terrível que nos levou a nascer nestes tempos? E o que vocês pensam em fazer? De minha parte, não vejo outro caminho senão emigrar, abandonar meu lar e ir para qualquer lugar aonde o acaso me carregue. Faz muito tempo que a ira dos deuses me alertou para fugir — mostrando-me aquelas terras vastas e abertas além do oceano. Quando, na virada do século, um novo mundo emergiu das ondas, os deuses — bem podemos crer — o destinaram ao refúgio, onde homens cultivarão campos livres sob um céu mais claro, enquanto a cruel espada e a vergonhosa peste condenarão a ruína da Europa. Lá há férteis prados esperando o arado, uma terra sem rios intermitentes nem senhores — é para lá que irei.”4

A vida, a liberdade e a busca da felicidade — o que os homens encontraram na América foi o desejo que haviam mandado antecipadamente. Trouxeram com eles o conhecimento efetivo para torná-lo realidade. Portanto, a associação de ideias permaneceu, apesar da contradição imediata e atroz representada pelo tratamento dos índios e pela rápida importação de escravos africanos. Montaigne mesmo, cuja franqueza sutil desestabilizava a autoridade assim como as intempéries derrubam uma parede de pedra, comentou: “Se alguma coisa poderia ter tentado minha juventude, seria a ambição de participar dos perigos dessa nova empreitada.” Mas Montaigne, assim como o seu amigo, não era um servo, mas um lorde, desfrutando dos privilégios de classe e de um bom patrimônio. Era sua mente que estava tentada a explorar o estrangeiro. Ele foi a epítome de sua época, transformando sua torre medieval num estúdio no qual ponderava tranquilamente sobre as ideias que destruiriam toda a estrutura.

A descoberta efetiva da América foi feita pelo capitalismo empreendedor. Colombo foi um organizador de empresa com um plano. Os navios eram propriedade privada, um deles fretado. Gerentes capacitados (capitães) foram contratados. Algum capital em dinheiro foi subscrito. A tripulação era assalariada. Tal organização hoje poderia empreender qualquer negócio legítimo. Mas a maior parte do dinheiro foi adiantada pela Rainha da Espanha; dois dos navios foram confiscados pelo governo como multa; e a expedição navegou com um comissionamento oficial. Condicionada ao sucesso de sua viagem, Colombo recebeu a promessa do título hereditário de Almirante do Oceano (Atlântico), e uma porcentagem de todo o comércio a ser aberto por sua rota, para ele e para seus herdeiros. Seu objetivo era o Japão e a China; mas mesmo que aportasse lá, a cláusula jamais poderia ser cumprida. Um oceano não tolera o monopólio. O empreendimento, assim, carregou consigo os dois sistemas conflitantes de status e de contrato que estavam competindo na Europa. O continente havia sido primeiramente civilizado e organizado pela energia fluindo por meio do contrato; com o colapso do mecanismo, havia decaído para o status; o contrato estava emergindo outra vez com o aumento do comércio. Mas a Espanha estava retrocedendo, apanhada por certa onda contrária nos Estreitos, na direção do absolutismo, exatamente quando a localização geográfica favorável deu à Península Ibérica a primeira ligação com o novo mundo. Obviamente, a menor distância entre a África e a América do Sul é menor que a metade do trajeto que Colombo percorreu da Espanha às Índias Ocidentais; mas não havia excedente de energia nem na África nem na América do Sul. A Europa estava gerando energia; sua rota por terra para o Oriente havia sido bloqueada. A viagem de Colombo foi como o salto de uma faísca elétrica num arco voltaico.

A conquista dos povos americanos nativos foi uma consequência determinada a priori, porque a Europa usava um potencial de energia muito superior. A mais avançada cultura americana não empregava nem mesmo a tração animal, não tinha ainda inventado a roda, muito menos a roda-d'água, nem chegado à idade do ferro. Viajavam a pé e eram suas próprias bestas de carga. Seu modo de conversão de energia era o corpo humano e os utensílios manuais. Seu terror diante dos invasores europeus com cavalos e armas de fogo é normalmente atribuído à estupefação com a simples esquisitice do fenômeno. Ao contrário, foi o entendimento inteligente de um poder maior que eles não teriam como igualar. A ignorância primitiva não se assusta com a novidade. As tribos selvagens eram menos submissas que as mais civilizadas, porque não tinham noção do domínio da energia, embora estivessem igualmente condenadas pelo potencial superior.

Pode ser estabelecido como axioma que num conflito entre duas nações ou culturas, se uma delas usa um potencial superior de energia, deve vencer. O diferencial está na equação espaço-temporal, que compensa qualquer inferioridade numérica original. Cem homens podem se mover tão rápido quanto cinquenta e são, portanto, duas vezes mais efetivos; mas nenhuma quantidade de homens pode se mover tão rápido como uma bala e as quantidades são anuladas pela razão inversa de velocidade e raio de ação.

Já entre duas nações usando o mesmo modo de conversão de energia, alguém poderia supor que a superioridade numérica e a disponibilidade de matérias-primas deveriam determinar a questão. Mas não é assim que acontece; como mostrado, os resultados são tão variáveis que nenhuma resposta apresentada até aqui serve para explicar dois casos diferentes como uma conjectura posterior.

Se alguma vez uma nação e uma dinastia tiveram os componentes físicos de um império atirados em seu colo por pura sorte e de uma vez, essa nação é a Espanha. O método pacífico de ampliação de território no feudalismo era por casamentos que combinavam as heranças. Na Europa, a dinastia de Habsburgo, por um golpe de sorte, tornou-se a legatária universal do sistema. Depois da união entre Castela e Aragão, a Espanha se uniu ao conglomerado de nações austríaco, incluindo a Holanda e boa parte da Itália. Ao mesmo tempo, toda a Península Ibérica foi gradativamente incorporada, incluindo depois Portugal por um tempo. O governante desses vastos domínios teve sua primazia sobre a Europa formalmente reconhecida, por sua posição eletiva como chefe do Sacro Império Romano. Presumivelmente, essa glorificação também aconteceria se a América não tivesse sido descoberta. Por quanto tempo teria se mantido coesa é matéria de conjecturas; mas pelo menos sua estabilidade seria tão segura quanto a de qualquer arranjo político contemporâneo. Assim, a Espanha controlava a parte mais rica da Europa, com as minas espanholas e austríacas, as cidades industriais holandesas e uma variedade de outros recursos nesse território tão extenso. A posição dominante sobre o Mediterrâneo também é significativa. E então toda a riqueza da América foi despejada na Espanha.

Em comparação, a força humana e material à disposição da Inglaterra era ridiculamente pequena; e o território inglês consistia apenas em metade de uma pequena ilha nebulosa e uma base incerta na Irlanda. A Inglaterra tinha o porto de Calais, mas o perdeu antes de entrar em combate com a Espanha.

Finalmente, deve ser observado que, dentro de suas fronteiras nacionais, a Espanha havia conseguido a unidade perfeita. Nunca um povo havia sido tão unânime em sentimento, em pensamento, em costumes e em moral e religião e lealdade política, como a Espanha após a expulsão dos mouros e dos judeus. Era sólida como uma barra de ferro.

E esse era justamente o problema. Num organismo vivo, tal condição é mais parecida com o rigor da epilepsia; se passa a ser permanente, é a morte. Num mecanismo, que funciona pela oposição de suas peças, é equivalente ao empenamento. Mesmo que uma nação pareça agir quando está assim solidificada, o movimento é o de uma massa deslocada, um corpo em queda livre. Não tem direção inteligente nem objetivo definido.

A Espanha foi eletrocutada, consumida, ao receber uma alta voltagem em sua estrutura política e mecanismo sem linhas de transmissão adequadas, saídas e isolação. Ao fazer contato com a América, a Espanha coletou uma vasta carga de energia armazenada na forma de metais preciosos que eram conversíveis em moeda europeia. Depois disso, o país foi palco de um espetáculo quase incrível, com navios do tesouro descarregando lingotes de ouro ano após ano em quantidades inéditas e o povo se empobrecendo cada vez mais, na razão inversa, até que estavam reduzidos à fome e à miséria. Todas as receitas recomendadas e aplicadas hoje em nome de uma economia planejada foram experimentadas na Espanha nesse período com o mesmo pretexto da necessidade pública, com a consequência inevitável de parar a produção. Negócios só podiam ser feitos com autorização; manufaturas e comércio foram restringidos; minas na Espanha foram lacradas por decreto; dinheiro real foi tomado dos proprietários privados, que foram obrigados a aceitar papéis do governo em troca e presos ou executados se tentaram se recusar a aceitá-los. Impostos e tarifas se multiplicaram. Tudo foi absorvido pelo governo; e o governo estava sempre falido. E as funções de governo, que eram o pretexto para tais medidas, eram executadas com grotesca ineficiência. Os maiores esforços militares resultaram nas mais desastrosas derrotas e quando a Espanha foi vitoriosa, não conseguiu paz. A Holanda se revoltou e não se pacificou mais. A Inglaterra também lutou um bocado no mesmo período e nem sempre foi vitoriosa; comparado à proporção da população e à riqueza disponível, o esforço da Inglaterra foi maior. Mas as perdas inglesas foram repostas rapidamente e seu poder aumentado, enquanto a Espanha passou para a infeliz posição de campo de batalha da Europa. A condição da Espanha enquanto ainda de posse de seu império no Novo Mundo (por volta de 1700) foi descrita assim: “Um país sem exército, justiça ou polícia e absolutamente sem liberdade.”5 “Os nobres são desdenhosos e desprezíveis. Não têm nada exceto orgulho, pobreza, preguiça e varíola. Não têm educação e nenhum tipo de conhecimento.”6 O comércio e a indústria estavam paralisados, a agricultura em decadência; e embora ainda houvesse uma receita considerável vinda da América, não havia dinheiro em circulação.

Durante o século dezessete, o declínio da Espanha permitiu que a França tentasse alcançar a primazia. Luís XIV conseguiu tornar sua monarquia absoluta e assim jogou toda a energia da nação na guerra. Conseguiu unidade expulsando os huguenotes. Para não ser incomodado com números, “o estúpido símbolo do dólar”, conferiu a um homem, Chamillart, os ministérios da guerra e da fazenda. Um observador de primeira mão disse, sem esperança: “Não haverá tesouro que chegue para um governo descontrolado.” Quando os impostos de Luís lançaram seus súditos na fome, adiantando vários anos de receita, desvalorizando a moeda e deixando-o sem um centavo do mesmo jeito, o rei sentiu uma dor na consciência e se perguntou se tinha o direito moral de extorquir mais. Chamou um grupo seleto de professores da grande Universidade, a Sorbonne; e eles servilmente o informaram de que, como rei, ele era dono de toda a propriedade do reino; seus súditos eram meros ocupantes; e se permitisse que eles retivessem qualquer parte de suas posses ou do produto de seu trabalho, estaria fazendo um favor. Então ele extorquiu mais impostos. Com unidade e controle total, quando envelheceu foi obrigado a implorar por paz em quaisquer termos; e, antes de sua morte, franceses inteligentes, como Catinat7, previram com pavor a Revolução Francesa. Sabiam que a estrutura política e econômica estava fatalmente desequilibrada. A unidade orgânica da família como padrão de sociedade resistiu à tensão por cem anos, mas não poderia aguentar para sempre. Nesse meio tempo, a Inglaterra sobreviveu a uma guerra civil e, sem nenhuma ambição particular por um império, alcançou a posição dominante pela qual a Espanha e a França se esgotaram em vão. A energia em assuntos humanos tende a fluir pelas leis naturais com o vento e a água, seguindo a linha de menor resistência, mas com pontos intermediários determinados por matérias-primas em quantidade. Das viagens de descobrimento, entre 1492 e 1611, apenas quatro saíram da Inglaterra e nenhuma delas a tornou rica. Mesmo assim, o mapa-múndi mostra que outro fator positivo interveio em seguida, direcionando o fluxo entre a Europa e a América um pouco ao norte de seu curso natural, ou seja, da Inglaterra para a comparativamente pobre costa norte-americana da Nova Inglaterra até a Virgínia. Estas, outra vez se tornaram radiais.

A cadeia de eventos correspondeu, ponto por ponto, aos desdobramentos políticos internos da Inglaterra, da Espanha e da França. O âmbito e as pretensões do governo na Espanha e na França cresceram continuamente. As pretensões do governo na Inglaterra foram persistentemente repelidas, diminuídas e condicionadas. Impérios são construídos pela iniciativa privada.

Esta é a regra que determina a vitória entre nações rivais usando o mesmo modo tecnológico de conversão de energia: aquela cujo governo é mais limitado vencerá. Uma maior extensão territorial e recursos concomitantes podem acabar se mostrando uma desvantagem para uma nação com um governo absoluto, porque essas condições farão o governo irresponsavelmente exorbitante contra seus próprios cidadãos, e também fornecerão lances de sorte inesperada à nação livre inimiga, que será capaz de colocar eventuais recursos que conquiste em uso efetivo. A maior parte da energia que a Espanha extraiu do Novo Mundo serviu apenas para fundi-la numa rigidez agonizante, mas uma parte teve de passar por ela e foi, assim, devolvida aos canais produtivos em outros lugares da Europa. O dinheiro circulou e estimulou as nações rivais e as províncias rebeldes a quebrar o monopólio espanhol, fazendo comércio por conta própria. A energia teve um efeito duplo na Europa como um todo, rompendo o compromisso feudal exatamente nas mais antigas linhas de rachaduras e ao mesmo tempo integrando pequenas principalidades e cidades livres em formas nacionais.

O equilíbrio de poder pendeu para a Inglaterra porque esta permitiu que a energia fluísse de maneira mais livre, o que significa dizer que a Inglaterra cedia a maior liberdade ao indivíduo, respeitando a propriedade privada e abandonando gradativamente a prática de monopólios comerciais políticos. É claro que a Inglaterra não desistiu de uma vez de conceder esses monopólios e foi exatamente o que restou deles que precipitou a Revolução Americana; mas a livre empresa tinha margem de manobra suficiente para suplantar a Espanha e a França.

O teste crucial da propriedade privada é a atitude do governo em relação ao dinheiro. Desvalorização da moeda é expropriação pura e simples. O Império Britânico foi fundado quando o sistema monetário, que estava depreciado, foi restaurado para um padrão durante os primeiros anos do reinado de Elizabeth, seguindo os conselhos de Gresham8. Naquele momento, o comércio inglês estava em situação difícil, o tesouro nacional vazio, o crédito nacional acabado e o crédito mercantil trôpego, a guerra ameaçava e a rebelião era uma possibilidade real. Nessas circunstâncias, os governos normalmente recorrem à moratória, ao confisco e ao “Faça-se o dinheiro”. Em vez disso, a Inglaterra tomou o caminho contrário. O mundo ficou sob seu domínio. O Império Britânico terminou trezentos e cinquenta anos depois, quando a Inglaterra outra vez desvalorizou sua moeda, declarou moratória de suas dívidas, confiscou a propriedade privada e aboliu a liberdade pessoal.

Estas considerações não são sentimentalistas; constituem o mecanismo de produção e, portanto, de poder. A liberdade pessoal é a pré-condição para a liberação de energia. A propriedade privada é o indutor que inicia o fluxo. O dinheiro real é a linha de transmissão; e o pagamento das dívidas completa o circuito. Um império é simplesmente um sistema de energia de longo circuito. A possibilidade de um curto-circuito, que resulte em vazamento e colapso ou explosão, ocorre na conexão da organização política aos processos produtivos. Não é uma figura de linguagem ou analogia, mas uma descrição física exata do que acontece.


1 François-Noël Babeuf (1760 – 1797), conhecido como Graco Babeuf, foi um agitador político francês. Foi guilhotinado por sua participação na Conspiração dos Iguais. (N. do T.)

2 Colônia viking na América, estabelecida por Leif Ericsson por volta do ano 1000, onde hoje é a província canadense de Terra Nova e Labrador. (N. do T.)

3 Étienne de La Boétie (1530 - 1563), jurista e escritor francês, é um dos fundadores da filosofia política moderna na França. (N. do T.)

4 THE AUTOBIOGRAPHY OF MONTAIGNE, de Marvin Lowenthal. (N. da A.)

5 MÉMOIRES SECRÉTS SUR L'ÉTABLISSEMENT DE LA MAISON DE BOURBON EN ESPAGNE, de Charles Auguste d'Allonville, Marquês de Louville. (N. do T.)

6 Carta do Duque de Saint-Simon a Michel Chamillart, datada de 23 de agosto de 1703. (N. do T.)

7 Nicolas Catinat (1637 – 1712), militar francês.

8 Sir Thomas Gresham (1579 – 1579), mercador e financista inglês, criador da Lei de Gresham: “Quando um governo sobrevaloriza um tipo de moeda e desvaloriza outro, a moeda desvalorizada deixará o país ou desaparecerá em reservas escondidas, enquanto a moeda sobrevalorizada inundará a circulação.” Costuma ser resumida assim: “A moeda ruim tende a expulsar do mercado a moeda boa.”

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