quinta-feira, 25 de abril de 2013

O Ciclo de Energia no Mundo Clássico


O Deus da Máquina, capítulo I
O Ciclo de Energia no Mundo Clássico
Isabel Paterson


Pouco antes do fim do quarto século antes de Cristo, um navegador de uma colônia grega velejou do porto de Massília (atual Marselha), sua cidade natal, através do Estreito de Gibraltar e, dali, pela costa da Espanha, da França e das Ilhas Britânicas até Última Thule, o nome dado ao fim do mundo. Possivelmente Thule era a Islândia; isso ainda é objeto de conjecturas. O nome do ousado marinheiro, Pítias, chegou até nós. Ele aparece em nossa imaginação – uma figura solitária cercada de luz – como se um portal pendesse aberto entre as Colunas de Hércules, em direção ao mundo ocidental.

Agora, o que é curioso sobre este aspecto da aventura de Pítias é que ele não foi de modo algum o primeiro homem civilizado a atravessar o lendário portal do Atlântico. Pelo contrário, essa era uma rota comercial de navios mercantes fenícios desde tempos imemoriais. Estanho da Cornualha e peles e âmbar do Báltico estavam entre as principais cargas entregues aos mercados do leste, para o lucro de Cartago, cuja riqueza provinha de sua posição de intermediária.

Quando Pítias fez sua viagem, as Guerras Púnicas e o Império Romano ainda estavam no futuro. Não que Cartago estivesse em paz; nunca esteve por um período muito longo. Tomada em conjunto, a série de guerras que perpassa a história dos fenícios forma um padrão geográfico que lembra a trilha de um furacão – o fluxo de energia de um ciclone durando quase mil anos e movendo-se irresistivelmente pelo caminho marítimo em meio às terras dos grandes continentes da antiguidade clássica, Ásia, África e Europa. Essa corrente incessante de atividade humana rodopiou através de seu canal sem maré, sempre numa direção principal – uma direção que, em vista do conhecimento de geografia da época, não tinha sentido, porque levava para o oceano vazio. Não estou negando o valor do comércio da costa exterior da Europa, mas o impulso daquela região parece desproporcional ao volume de bens. Durante o período dessa travessia, os fenícios flutuaram na tempestade, ou fizeram parte dela.

Que tipo de povo eram esses fenícios, aprendemos das Escrituras, com outro nome. Foi um fenício, Hirão, rei de Tiro, que enviou seus auxiliares a Salomão quando este subiu ao trono e obteve a incumbência de construir o palácio de Salomão e, depois, o Templo. Hirão forneceu os materiais, transporte e trabalhadores especializados numa estrutura pré-fabricada; troncos de cedro cortados sob medida no Líbano foram levados a Israel e envolvidos em pedras numa pedreira. Ornamentos elaborados de metal foram lavrados segundo especificações, de maneira que a residência real foi levantada e “não se ouviu na casa martelo, nem machado nem instrumento algum de ferro, enquanto ela se edificava”.1 Como pagamento, Hirão recebeu “para sustento da sua casa vinte mil coros de trigo e vinte coros de azeite batido”,2 e ao final um assentamento de “vinte cidades na terra da Galileia”.3 Hirão não gostou das “cidades”, tendo-as aceito sem ver; é uma suposição razoável que ele tenha estendido um pouco além da conta o crédito de Salomão. Quando Salomão enviou seus navios, eles seguiram num comboio fenício.

Obviamente, os fenícios eram a nação industrial e comercial líder de seu tempo. Misteriosamente, não conseguiram montar a estrutura positiva de um império e o centro de sua esfera indefinida de autoridade e influência foi determinado por forças em movimento, numa linha da Síria até a Espanha. Deslocou-se progressivamente passando por Tiro e Sídon até sua última capital, de onde eles desapareceram da lista das nações do mundo. Seu modo de ser histórico estava implícito no caráter de Cartago, sua última e suprema realização, como indicado por sua posição entre o mar e o deserto, um nexo sólido de energia confluente num ponto determinado. Embora a cidade fosse apoiada por um distrito produtor de cereais, a terra arável não mantinha uma relação normal com a população, que se estima que tenha chegado a um milhão de pessoas. Admitindo que haja algum exagero, o número ainda assim impressiona. Cartago era menos uma entidade territorial que um nó amarrado no vento e na água.

Contra as antigas monarquias despóticas do Oriente, os fenícios estabeleceram e mantiveram com sucesso seu lugar especial. Contra os gregos, defenderam-se bastante bem numa longa luta. Os gregos eram claramente seus rivais naturais, habitantes de ilhas fazendo comércio nas mesmas águas e, da mesma maneira, espalhando-se de porto em porto quando tocavam um continente. Nem os fenícios nem os gregos se mostraram capazes de manter suas colônias em estrita confederação; as cidades subsidiárias mudavam de lado sob pressão, e faziam seus próprios tratados quando tinham coragem para tanto. Algum elemento faltava no sistema deles, para amarrar o conjunto.

Há tantas explicações sobre a dominância e o declínio das nações quanto há exemplos. O favor dos deuses ou “as estrelas, desde suas órbitas”4 já foram considerados determinantes. A análise moderna se baseia em fatores temporais, principalmente matérias-primas, alto desenvolvimento econômico, força naval e gênio militar, este último revelado no entendimento da estratégia maior, e numa tropa corajosa e preparada que utiliza disciplinas ou tipos de armamento especiais. O problema é que cada teoria pode ser aplicada apenas a uma época ou a um povo, sem que nada prove a real existência do fator considerado. Experimentemos algumas comparações de acordo com as regras estipuladas.

O conflito entre a Grécia e Cartago pode ser chamado propriamente de guerra comercial. Os dois lados competiam por posições, bens, cargas e clientes. Nesse aspecto, Roma era comparativamente insignificante nesse momento. Possivelmente Roma se tornou um povoado permanente já como um centro local de comércio. (Mommsen defende essa suposição de maneira coerente, baseando-se em evidências internas e históricas.) As origens mescladas da população, a localização ao lado de um rio e suficientemente próxima do mar para ser alcançada por pequenas embarcações, a construção precoce de pontes e o uso de dinheiro indicam comércio; e as relações contratuais eram inextricavelmente entrelaçadas com o sistema político romano. Aparentemente, o fluxo de energia foi suficiente para demandar a acomodação habitual e, consequentemente, fazer com que os romanos percebessem a necessidade equivalente de fortes bases fixas na terra. Mas eles não participaram da corrente principal de comércio mundial durante o período formativo, em que estabeleceram sua estrutura cívica. “Por diversas razões, em momentos diversos, Roma nunca foi, desde sua fundação até hoje, uma cidade industrial… Para o comércio internacional, Roma estava mal localizada… Apenas por cortesia o Tibre poderia ser chamado de corrente navegável… o estuário (era) de pouco valor como porto; e a rapidez da corrente fazia com que a jornada de Roma até o mar fosse uma tarefa laboriosa mesmo para as barcaças fluviais… As imagens familiares de mercadores marítimos engajados no comércio geral, velejando regularmente o Tibre para os dois lados e usando um porto abaixo do Monte Aventino, podem seguramente ser descartadas como produtos da imaginação.” Em seu tratado mais antigo, “Cartago, como seria de se esperar, assegurava insistentemente seu domínio comercial sobre as regiões que controlava,” enquanto Roma “ficava indiferente a considerações que deveriam afetar qualquer comunidade que possa ser chamada de industrial”.5

Comparada à Grécia, Cartago provavelmente estava à frente em organização econômica e conhecimento técnico e possuía um maior número de navios sob um único comando, monopolizando as mais extensas províncias ricas em recursos naturais. A luta entre a Grécia e Cartago já vinha ocorrendo havia séculos e ainda não estava decidida quando Pítias fez sua viagem. Em cinquenta anos, Roma se imiscuiu entre as duas, iniciando o longo, amargo e intermitente esforço que destruiu o poder fenício, arrasou os muros de Cartago e deixou o lugar em ruínas. Os gregos não chegaram a se beneficiar do fim de seu poderoso antagonista; ao contrário, a submissão da Grécia ocorreria em seguida. O determinismo econômico falhou.

O resultado dessa disputa em particular foi tão definitivo que a questão principal se ofuscou. A História é obrigada a recorrer a termos geográficos: Roma e Cartago lutaram pelo domínio do Mediterrâneo. Consequentemente, o cenário de hostilidades é considerado naturalmente variável. Cartago estava situada na costa norte da África, e vivia de sua marinha. Mesmo assim, vemos o general cartaginês Aníbal conduzindo um exército com elefantes contra Roma, numa penosa marcha por sobre os Alpes.

O mais obstinado proponente da interpretação naval dos eventos mundiais, o Almirante Mahan, explicou como a ideia lhe surgiu. Lendo A História de Roma, de Mommsen, ele se recorda de que: “Subitamente me ocorreu… como as coisas poderiam ter sido diferentes se Aníbal tivesse invadido a Itália por mar, como os romanos fizeram tantas vezes com a África, em vez da longa rota por terra.” A partir dessa reflexão, Mahan escreveu A Influência do Poder Naval na História. Ele poderia também ter chamado seu livro de influência da história no poder naval. Sem dúvida, as coisas teriam sido diferentes se tivessem sido diferentes. Particularmente, se o poder naval – uma marinha superior comandando as principais rotas comerciais a partir de bases inexpugnáveis – fosse necessariamente decisivo, Aníbal nunca teria sido arrastado para seu desvio alpino e Cartago teria vencido. Mais propriamente: por esse critério, Cartago deveria ter vencido uma geração antes. Em vez disso, “com a mais forte armada dos mares e com uma experiência naval adquirida ao longo de séculos, os almirantes cartagineses perderam seis das sete batalhas navais que travaram, apesar de os romanos nunca terem possuído um quinquerreme antes dessa ocasião (a Primeira Guerra Púnica), e pouquíssimos romanos terem até então posto os pés a bordo.”6

Esboçado rapidamente, o método pelo qual Roma varreu os mares beira o ridículo. “Enquanto Cartago mantinha uma frota de 120 quinquerremes” (o maior navio de guerra padrão), Roma não tinha nem navios, nem armadores, nem marinheiros. Para compensar a deficiência, os romanos recuperaram uma embarcação púnica encalhada e a usaram como modelo para construir uma frota, enquanto treinavam as tripulações necessárias em terra, usando bancadas estacionárias dotadas de remos. Todos os seus navios foram “construídos, tripulados e comandados por romanos”. Quando feitos ao mar, seus verdes pilotos ficavam “impotentes sempre que uma tempestade surgia”. É difícil conter a sugestão de meu espírito leviano, de que eles ficaram mareados. Ignorantes de manobras navais e sem oportunidade de aprender, os romanos simplesmente transformavam um encontro no mar na coisa mais parecida com uma batalha em terra que conseguiam, e lutavam do seu jeito. Tendo equipado seus barcos com gruas e ganchos, manobravam para ficar ao lado das galeras cartaginesas, prendiam um navio no outro e subiam a bordo. Assim, em seu primeiro combate importante, venceram uma frota cartaginesa que tinha trinta navios a mais que a esquadra romana. Novamente, em Drepana, os romanos estavam aportados quando a frota cartaginesa se aproximou. Caía uma tempestade em terra, o que fazia com que os cartagineses tirassem o vento dos romanos. Indiferentes a essa desvantagem, os romanos atravessaram o curso do inimigo, tomaram setenta navios cartagineses e afundaram outros cinquenta. Entre as vitórias, os romanos geralmente naufragavam suas próprias frotas por inexperiência marítima.7 Depois de cada perda, punham-se a trabalhar e lançavam novos navios em substituição. As despesas pesaram grandemente sobre Roma; Cartago tinha vasta vantagem financeira. Nem assim Roma recorreu ao absolutismo de estado em face da emergência; não houve confisco de meios privados. Quando o tesouro público romano foi exaurido e “os impostos não podiam mais ser elevados”, os cidadãos mais ricos contribuíram para montar uma nova marinha, com a promessa de que seriam reembolsados se vencessem. Venceram.

Os cartagineses ficaram tão desconcertados por esse desempenho inexplicável que chegaram a considerar a ideia de fundar um império em terra, imitando Roma. Os recursos estavam à mão. Mas eles não sabiam como fazer.

Também deve ser observado que, embora a disciplina militar romana fosse estrita e a consideração pelos militares fosse proporcional a sua conduta em campo, um general romano ou seus soldados tinham muito menos medo de punições de seu próprio governo que os comandantes púnicos. Por perder uma campanha, os cartagineses crucificaram um de seus almirantes.

Com relação a bases navais, Roma começou sem nenhuma. Cartago foi a primeira grande nação a ocupar Gibraltar, o que certamente era a chave para o futuro naquele tempo. Obviamente, seria fácil adquirir essa posição de seus habitantes primitivos. Mas, desde então, Gibraltar pertenceu a um império após outro. Sendo a fortaleza pronta para defender a Península Ibérica, voltou ao domínio da Espanha em seu breve período de glória. O enigma é que foi finalmente perdida para a Inglaterra, e isso somente ocorreu depois que a Inglaterra reduziu a Espanha a um papel secundário por meio de operações navais. A derrota da Invencível Armada é normalmente explicada como resultado de gerenciamento inadequado, equipamento ruim e, sobretudo, mau tempo. Mas é difícil de acreditar que faltassem marinheiros à Espanha, da raça que conquistou todo o oceano ocidental e quase conseguiu mantê-lo. A frota inglesa era improvisada, em grande parte composta de piratas; havia falta de provisões e de pólvora. Finalmente, quando a Armada foi dispersa e destruída, os navios ingleses não estavam em doca seca; tiveram de resistir à mesma tempestade. A Espanha sem dúvida teve poder naval, enquanto ele durou. A menos que se concorde com o absurdo de que o poder naval não consiste em navios, marinheiros, portos e oportunidade comercial, ou seja, todos os seus atributos tangíveis, o fato é que o poder naval fracassou.

Por outro lado, se o segredo do desenvolvimento e longevidade do domínio romano está na aptidão militar, o regime conquistador de Napoleão deveria ter deitado raízes e florescido pela mesma duração. Por uma série de ações que figuram entre os clássicos da arte da guerra, Napoleão colocou todo o continente europeu sob sua influência. Seus exércitos invasores foram tacitamente bem recebidos por parte influente dos povos conquistados, que já estavam descontentes com o velho regime e imaginavam uma nova ordem. Reis caíram como pinos de boliche; a organização de caserna foi exaltada como o instrumento de unidade que prenunciaria um milênio de eficiência; a América recebeu um sortimento incongruente de exilados. Napoleão surfou na crista da onda do futuro. Entretanto, a aparência resplandecente de um Império erigido sobre baionetas esfacelou-se em nada depois de uma grande derrota na longínqua Rússia. Roma perdeu mais de uma grande batalha e reviveu com renovado vigor. O desastre de Napoleão em Moscou, com as consequências que teve, é atribuído ao frio e à neve. Mas os russos não passaram o inverno na Riviera. Os meios militares fracassaram.

Mais uma vez, se o domínio romano se originou de sua ordem social antecedente, os cidadãos de Roma, fossem aristocratas ou plebeus, orgulhavam-se de serem simples fazendeiros, alternando entre a espada e a pá. Voltando para casa depois das guerras, Cincinato não pediu nada além de voltar a arar sua terra. A mais honrosa recompensa que pôde ser imaginada por Horácio, aquele que defendeu a ponte,8 foi do mesmo tipo:

            They gave him of the corn-land,
            That was of public right,
            As much as two strong oxen
            Could plough from morn till night.9

Sem dúvida, estas são versões românticas, se não forem puro mito. O que expressam é a tradição, com uma origem real por trás. A descrição, maquiando inclusive uma cruel fundação na escravidão, se adequa igualmente à cultura agrária defendida pela Confederação Sulista.10 Infelizmente, essas são precisamente as razões aduzidas para indicar porque o Sul não teve chance, em nossa Guerra Civil, contra o Norte mecanizado e mercantil, reforçado por suas empresas de navegação.

Acredita-se que Cartago enfraqueceu sua virtude marcial devido ao uso de tropas estrangeiras. Em seguida, Roma governou por séculos enquanto as famosas legiões eram recrutadas em parte das mesmas fontes.

Na estratégia principal, Cartago tinha uma percepção precisa dos pontos vitais. Ao perder a Sicília, foi posta na defensiva no Mediterrâneo oriental, espremida entre o poder naval grego e o poder terreno romano. A jogada de Aníbal através da Espanha foi um ataque evidentemente lógico pelo flanco, e não um expediente desesperado. Ele invadiu o interior em busca de soldados e suprimentos, inclusive prata, que era moeda sonante. Além das montanhas, ele esperava outra circunstância compensadora, mas foi frustrado. Muitas das tribos ou cidades do norte da Itália eram aliadas de Roma, a quem eram mais ou menos subordinadas. Aníbal presumiu que elas se uniriam aos invasores para se livrarem do jugo romano. Em vez disso, permaneceram fiéis a Roma, pelo menos tacitamente. Porém, quando Cipião levou a guerra à África, os mais proveitosos auxiliares locais de Cartago, os Númidas, bandearam-se para os romanos e foram vitoriosos. Seja o que for que envolva a construção de um império, o comportamento dos povos tributários e a confiabilidade dos aliados deve ser parte dela; o ponto crucial é aquilo que os induz a escolher um lado. A proximidade não é suficiente. As explicações convencionais são meramente declarações superficiais do que aconteceu.

Como evento, o que ocorreu quando Cartago foi destruída foi de importância imensa e permanente. Embora a consequência não tenha podido ser apreendida de uma vez, isso prognosticou a futura ascensão da Europa e o declínio, no equilíbrio do poder mundial, do hemisfério oriental. Uma pesquisa racional deveria investigar a natureza do processo que foi conduzido até então pelos fenícios e que só pôde continuar a ser realizado por Roma; e o surgimento aparentemente acidental de Pítias, um grego, como aquele que abriu a porta.

A resposta fácil, por que Pítias é lembrado e seus predecessores permaneceram anônimos, é que ele escreveu uma narrativa de sua viagem. Como os fenícios eram alfabetizados, isso nos leva a perguntar por que não o fizeram muito antes, a partir de sua experiência tão maior.

Não o fizeram porque pretendiam preservar um completo monopólio do Atlântico. Não era uma questão de altas tarifas, ou nações favorecidas, ou um bloqueio em tempo de guerra. Com o estreito sob seu domínio, nenhuma embarcação podia passar exceto as deles, na paz ou na guerra, em qualquer condição. Cartago apostava sua existência nessa política de exclusão. Ocasionalmente, sem dúvida algum pirata temerário furava o bloqueio. Mas, se o fizesse, poderia não voltar nunca. Onde quer que ele aportasse no litoral proibido, arriscava-se a encontrar os fenícios, situação em que o navio não autorizado estava sujeito a ser apreendido e a tripulação a ser morta. Nenhuma palavra podia retornar. Não era à toa que rumores preenchiam aquelas regiões remotas com terrores vagos. Supõe-se que Pítias conseguiu fazer sua exploração em segurança e escrever seu relato enquanto Cartago estava sendo atacada por Siracusa, deixando os estreitos insuficientemente vigiados. Se foi assim, a vigilância foi retomada em pouco tempo, e mantida até o fim. Na corrente principal, o fluxo de energia enfim esmagou os fenícios na estreita eclusa que eles haviam reservado para seu exclusivo benefício. Era forte demais e os fez em pedaços.

No sentido em que os engenheiros falam de carga hidráulica, os romanos representaram uma carga de forças canalizadas. Nem por sua localização nem por seu progresso material, nenhuma pista econômica explica sua função. E, se fosse verdade hoje que mesmo nossa história mais recente não serve como instrução porque vivemos num mundo que muda e temos de lidar com condições inteiramente novas, então isso sempre teria sido verdade. Não é verdade, nem nunca foi. O que o passado demonstra, com provas avassaladoras, é que os imponderáveis têm mais peso que qualquer artigo material na balança do esforço humano. Nações não são poderosas porque possuem terras extensas, portos seguros, grandes marinhas, imensos exércitos, fortificações, depósitos, dinheiro e crédito. Elas adquirem essas vantagens porque são poderosas, tendo desenvolvido sobre princípios corretos a estrutura política que permite que o fluxo de energia tome seu curso adequado. A questão é como; porque o gerador e as possíveis linhas de transmissão e saídas disponíveis tanto para o benefício como para a destruição são sempre os mesmos. A única diferença entre o passado e o presente com respeito à energia é quantitativa, um maior potencial disponível num maior fluxo, o que faz com que uma conexão errada seja mais terrível em seus efeitos por uma dada proporção, tornando-se aparente literalmente numa explosão mundial. Os princípios de conversão de energia e do mecanismo adequado para o uso humano não podem mudar; são universais.

Se Roma, no devido tempo, forçou as travas do Atlântico, havia uma razão. Mesmo assim, foi um grego que atravessou sozinho. Além disso, o caráter pessoal de Pítias é tão relevante que a ficção dificilmente poderia inventá-lo. Ele era um cientista e um aventureiro mercante. Seu livro se perdeu; poucos excertos e referências foram preservados na obra de geógrafos posteriores. Eles o citam com desprezo; não acreditam nele, uma vez que suas observações contradiziam a teoria ortodoxa sobre o clima e as condições gerais das latitudes setentrionais. Vilhjalmur Stefansson11 reabilitou mais tarde a reputação de Pítias no quesito precisão. Embora seus críticos admitissem que Pítias deu contribuições valiosas à ciência exata da astronomia, aplicada à navegação, ele foi acusado de mentir sobre o que viu com seus próprios olhos, por homens que nunca estiveram lá. O que deve ser ressaltado é a forma de oposição que ele foi obrigado a enfrentar, banimento político enquanto estava vivo e censura acadêmica após sua morte. Teorias, quando adquirem credibilidade, tornam-se direitos adquiridos. O prestígio e o sustento de escolas e professores estão vinculados a elas; eles tendem a doutrinas fechadas, não a se abrir a informações novas.

Pítias abriu o caminho, por onde os fenícios, com toda sua astúcia e audácia e suas prioridades factuais, não o fizeram; porque era dotado da rara combinação de curiosidade desinteressada, intelecto especulativo e empreendedorismo ativo, qualidades que o impeliram a escorregar por uma barreira oficial de extremo rigor para experimentar os riscos do desconhecido. Pítias figura entre os descobridores notáveis, um modelo de mente aberta. Ele não podia saber que estava olhando para a América.

  1. O Ciclo de Energia no Mundo Clássico
  2. O Poder das Ideias
  3. Roma Descobre a Estrutura Política
  4. Roma como uma Demonstração da Natureza do Governo
  5. A Sociedade do Status e a Sociedade do Contrato
  6. Liberdade, Cristianismo e o Novo Mundo
  7. O Nobre Selvagem
  8. A Falácia do Anarquismo
  9. A Função do Governo
  10. A Economia da Sociedade Livre
  11. O Significado da Magna Carta
  12. A Estrutura dos Estados Unidos
  13. Escravidão, o Defeito na Estrutura
  14. A Virgem e o Dínamo
  15. As Emendas Fatais
  16. As Corporações e a Lei do Status
  17. A Ficção da Propriedade Pública
  18. Por que Dinheiro Real É Indispensável
  19. Crédito e Depressões
  20. O Humanitário com a Guilhotina
  21. Nosso Sistema Educacional Niponizado
  22. O Circuito de Energia em Tempos de Guerra
  23. A Economia Dinâmica do Futuro


1 Reis I, 6:7 (N. do T.)
2 Reis I, 5:11 (N. do T.)
3 Reis I, 9:11 (N. do T.)
4 Juízes, 5:20 (N. do T.)
5 CAMBRIDGE ANCIENT HISTORY: The Early Republic. Hugh Last. Macmillan. (N. da A.)
6 CAMBRIDGE ANCIENT HISTORY: The First Punic War. Tenney Frank. Macmillan. (N. da A.)
7 Em 255 AC, uma frota romana recém-construída derrotou a principal frota púnica “com facilidade”, mas, na viagem de volta para casa, encontrou uma tempestade perto da Sicília. De 364 navios, apenas 80 se salvaram. Calcula-se que mais de 90.000 pessoas pereceram, na maior parte homens livres; um desastre maior que a perda da Invencível Armada pela Espanha. Foi a mais terrível calamidade marítima conhecida até então e esse recorde se mantém até hoje. (N. da A.)
8 Públio Horácio Cocles, militar romano que, segundo a lenda, impediu sozinho que um exército inimigo invadisse Roma pela Ponte Sublício. (N. do T.)
9 "Deram a ele milharais que eram de direito público. De tal tamanho que dois bois fortes levariam da manhã até a noite para arar." Do poema Horatius, escrito por Lord Thomas Babington Macaulay em 1842. (N. do T.)
10 Analisando friamente, a pequena nobreza rural romana parece ter sido composta também por agiotas, ou muitos deles criariam problemas sem fim, emprestando por hipotecas e escravizando credores que não podiam pagar. Assim também os agricultores do Sul eram empresários rurais em vez de reais cultivadores do solo. Nem um financista nem um avarento parecem ser soldados ideais; mas não se pode negar que aqueles foram excelentes combatentes. Os detalhes são duplamente desconcertantes, uma vez que os resultados não foram os mesmos; Roma triunfou, o Sul foi derrotado. (N. da A.)
11 ULTIMA THULE. Vilhjalmur Stefansson. Macmillan. (N. da A.)

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